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Entre a razão e a emoção!

Histórias e momentos

Deserto de Sonora - EUA

A fronteira entre os Estados Unidos e o México é um dos mais nítidos contrastes entre os mundos rico e pobre ou entre o primeiro e o terceiro mundo. Esse fato traz uma preocupação gigante aos EUA que diariamente lida com a imigração ilegal de estrangeiros, principalmente latinos, que buscam a oportunidade de uma vida melhor neste país. No lado americano existe um esquema muito forte de proteção com cercas e patrulhamento intensivo, mas como a extensão fronteiriça é de 5.000km, fica praticamente impossível controla-la cem por cento.

Mas não é só os EUA que sofrem com isso, o México também! Houve uma explosão demográfica nos últimos anos em seus estados do norte, pois as pessoas que não conseguem cruzar na primeira tentativa, ficam ali para uma nova investida. Hoje o norte do México possui bolsões de pobreza similares as favelas brasileiras. Agora vejam como essa situação também trás oportunidades: algumas empresas americanas instalaram unidades produtivas no norte do México para oferecer emprego a parte dessa gente e com isso, reduziram significativamente seu custo de mão de obra.

Nós sempre soubemos dessa imigração ilegal, mas foi só na madrugada de 14/06/15 que sentimos na pele o que é isso. As 5h da manhã, quando acampávamos na beira da estrada no estado do Arizona, fomos abordados por dois guatemaltecos implorando por um copo d´água. Os atendemos de pronto e enquanto matavam sua sede, contaram sobre sua aventura pelo Deserto de Sonora. Estavam no décimo sexto dia de sua travessia e há quatro estavam sem comida e água, além de estarem perdidos, pois “os coiotes”, seus guias, os abandonaram quando entraram em terras americanas. Um detalhe: nos últimos dias a temperatura no deserto passou de 42 graus centígrados. Dá para imaginar o que esses caras enfrentaram?

Os coiotes são guias especializados que trabalham tanto para empresas ilegais americanas como mexicanas. São eles que oferecem o serviço de guia para quem quer imigrar. O preço é bastante alto, podendo custar até cinco mil dólares, e na maioria das vezes, depois de cruzarem a linha da fronteira ainda no meio do deserto, simplesmente abandonam as pessoas que contrataram seus serviços. Muitos dos imigrantes morrem antes mesmo de chegar a alguma cidade americana.

Esse dia que fomos abordados pelos guatemaltecos foi difícil para nós. Os dois jovens, que na verdade estavam na companhia de mais três, pediram para leva-los a Phoenix, capital do Arizona, que ficava a 100km dali. Dava para sentir que eram pessoas do bem, que queriam trabalhar, ganhar dinheiro, ter uma vida melhor, mas também estavam despreparados. Sequer tinham noção de onde ficavam as cidades. Um deles perguntou se Nova Iorque estava muito longe, pois era para lá que queria ir. Sem jeito falamos que Nova Iorque estava a quase 4.000 quilômetros dali, nada mais nada menos que na outra extremidade dos Estados Unidos.

Mas e aí, vai agir como numa situação dessas? Usar a razão ou a emoção? Nós os ajudamos como pudemos, com água, comida e inclusive dinheiro, mas tivemos que negar carona, pois facilitar a imigração ilegal nos EUA é crime e dá cadeia na certa. Usamos a razão, mas podem ter certeza que isso nos doeu muito. É difícil negar ajuda a quem realmente está precisando. Os cinco jovens entenderam nossa decisão e desapareceram no meio do deserto.

Viajando sentido a Califórnia naquele dia, pela rodovia que margeia a fronteira com o México, encontramos muitas polícias patrulhando o deserto, inclusive fomos revistados em um posto de controle. Acho que só ali acalmamos um pouco nossas almas arrependidas, pois constatamos que havíamos tomado a decisão correta.

Mesmo assim nos perguntávamos: será que os avôs ou bisavôs desses mesmos agentes de fronteira e seus governantes, há algumas dezenas de anos, também não vieram de outras terras para imigrar aos EUA?

Quanto aos guatemaltecos, não temos a mínima ideia onde estão hoje. Esperamos que estejam bem.

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