ícone lista de índices Índice

Diário de Bordo 12 – Peru 2

(25/11/2014 a 04/12/2014)

As civilizações pré-incas…

No norte do Peru são encontrados resquícios de civilizações de mais de 5000 anos atrás, considerados os habitantes mais antigos da América do Sul. Ruínas, pirâmides, tumbas, tesouros, arqueologistas, piratas, caçadores de relíquias e muita riqueza fazem parte da história dessa região.

Quando os espanhóis chegaram na América do Sul, o império inca, mesmo com tantas conquistas, estava apenas em seu início. Os incas foram a última de uma série de culturas que antecederam a vinda espanhola e levou um tempo até que o mundo descobrisse que as civilizações pré-incas não eram “selvagens e sem conhecimento algum”, como muitos escritores espanhóis as descreviam, muitas vezes baseados no que os incas contavam. Ao contrário, as civilizações que antecederam os incas possuíam uma cultura riquíssima e construíram impérios similares aos incas antes de serem dominadas. E isso tudo só foi revelado, ou melhor, ainda está sendo descoberto através de escavações em diversos sítios arqueológicos das civilizações Moche, Chimu, Chavín e Sicán.

Em nossa primeira passagem por essas terras, a sete anos atrás, tivemos a oportunidade de visitar as ruínas de Chan-Chan da civilização Chimu e também as Huacas del Sol e de la Luna da civilização Moche, ambas na região de Trujillo (clique aqui para ver o diário sobre esse dois importantes sítios arqueológicos). Nessa segunda vez, visitamos uma ruína moche da região de Chiclayo, conhecida como Sipán ou Huaca Rajada, que pode ser uma das maiores descobertas da América do Sul depois de Machu Picchu.

A história de Sipán se parece muito com um filme de Indiana Jones. O local foi descoberto por huaqueiros (ladrões de huacas – pirâmides, templos e tumbas de especial significado) das redondezas. Quando o arqueologista peruano Dr. Walter Alva percebeu um grande fluxo de objetos diferenciados e de grande valor sendo vendidos no mercado negro, em 1987, ele se deu conta de que um incrível tesouro estava sendo saqueado na região de Chiclayo. Uma cuidadosa investigação o levou a a Sipán, que para olhos destreinados mais pareciam montes de terra, mas que na verdade, em 300d.C, eram imensas pirâmides de adobe (tijolos de barro).

Como uma das tumbas havia sido saqueada pelos ladrões, foi necessária uma rápida ação dos arqueologistas e da polícia para protegerem o sítio. Os moradores locais foram treinados para serem escavadores, pesquisadores e guardas das ruínas, o que até hoje provê emprego estável para muitos. Por sorte diversas outras tumbas foram encontradas, até mais valiosas que a roubada, incluindo uma tumba real que ficou conhecida como a tumba de Senhor de Sipán, única de um governador pré-colombiano intacta no Peru. Também foram descobertas as tumbas de um Sacerdote, do Viejo Senhor de Sipán e de diversas outras pessoas de grande importância naquela sociedade moche. E muito ainda se tem a descobrir, pois as escavações continuam…

Algumas das tumbas foram restauradas com réplicas do seu conteúdo para mostrar como eram antes de serem fechadas por mais de 1500anos e podem ser visitadas no local das ruínas. Os objetos foram expostos por todo o mundo, para então voltarem ao Peru e hoje se encontram no Museu Tumbas Reales de Sipán, na cidade de Lambayeque. O museu mostra, do terceiro piso ao térreo, as numerosas descobertas das ruínas de Sipán na ordem em que foram escavadas. Uma riqueza indescritível! Como não era permitido fotografar dentro do museu, não temos registros das peças expostas, mas para se ter uma ideia do que vimos, clique aqui.

Todas essas descobertas estão ajudando a desvendar-se mais e mais sobre a civilização Moche ou Mochica. Sabe-se que sua existência ocorreu entre 200 e 850d.C e que eram agricultores, artistas, pescadores e guerreiros com um alto grau de desenvolvimento e complexa organização. Construíram massivas plataformas escalonadas, acessadas por rampas, popularmente chamadas de pirâmides; desenvolveram uma complexa tecnologia de canais de irrigação que expandiu suas fronteiras agrícolas; tinham grande domínio do uso do cobre e metais como ouro e prata para a fabricação de armas, ferramentas e objetos decorativos (sua maior proeza nessa área foi a folheação do cobre com ouro); e sua arte máxima foi a cerâmica, considerada a mais técnica, realista e expressiva de todas as culturas do Peru. Eram decoradas com figuras e cenas do cotidiano – pessoas, cultivos, animais domésticos e selvagens, vida marinha, arquitetura, deuses, cenas do dia-a-dia – que constituem o maior documento e testemunho de sua cultura. Politicamente, sua sociedade era segregada em classes sociais e eram comandadas por chefes religioso-militares. Para os mochicas, a morte não era o final da vida e os homens continuavam vivendo em outra dimensão do mundo com as mesmas obrigações e privilégios, razão pela qual foram sepultados com todos os seus bens e provisões. O Senhor de Sipán foi enterrado com mais oito pessoas, provavelmente sacrificadas (três mulheres, dois homens, um menino e dois guardiões), mais um cachorro, seus pertences pessoais, mais de 400 joias de ouro, prata e pedras semipreciosas, além de diversas oferendas (água, comida armazenados em centenas de potes de cerâmica e animais sacrificados).

Nas proximidades de Sipán, aproveitamos para conhecer ruínas da época da colonização. Zaña, fundada em 1563, foi uma cidade dominante a qual controlava, através do Porto Cherrepe, o tráfego de navios entre o Panamá e Lima. Era tão rica que estava sendo cotada para se tornar a capital da nação, mas a excessiva riqueza atraiu ladrões e piratas que a saquearam e sua destruição se completou com uma grande enchente em 1720, restando, hoje, apenas algumas paredes e arcos do que eram suas exuberantes igrejas.

Nosso itinerário percorreu a costa norte do Peru, de Chimbote até Tumbes, na fronteira com o Equador, atravessando o Deserto de Sechura, também conhecido como Deserto de Peigliano. Entre Chiclayo e Piura, foram mais de centenas de quilômetros por entre uma paisagem seca, com dunas de areia branca e nenhuma alma viva. Somente nas redondezas de Piura é que surgiram algumas vilas de “malucos” que tem a coragem de morar num lugar de natureza tão extrema. A maioria das casas são de palha, o que indica o baixo índice pluviométrico da região.

Mas a costa norte peruana não se resume apenas a riquezas culturais, sua natureza também é de extrema beleza contando com diversas praias, muitas delas mundialmente famosas pelo surfe. Huanchaco, Puerto Chicama, Cabo Blanco, Los Organos e Máncora são as mais conhecidas neste esporte.

Huanchaco, uma vila pesqueira a 12km de Trujillo, deixou sua tranquilidade e se tornou um ponto turístico. O que mais nos chamou a atenção foram os barcos usados pelos pescadores, os Caballitos de Totora. São barcos de junco (totora) originários da civilização Moche, de mais de 2.000 anos atrás. Os pescadores remam com um bambu e surfam ondas sentados com uma perna para cada lado semelhantes a cavaleiros, o que explica seu nome (pequenos cavalos de totora). Os habitantes de Huanchaco são alguns dos poucos que ainda conhecem a arte de fabricação e uso destes barcos, passadas de geração em geração, que duram apenas alguns meses até que fiquem encharcados e não flutuem mais.

Puerto Chicama ou Malabrigo é muito visitado por surfistas por ser onde se forma a onda de esquerda mais longa do mundo. A praia rasa e plana dá origem a esta onda longa, que num bom dia de surfe pode medir 2m e se deslocar por incríveis 4km. Boas ondas podem ser encontradas durante todo o ano, mas as melhores condições geralmente são entre os meses de março e junho. A água é extremamente fria e é impossível permanecer dentro dela sem roupas de neoprene. Clique aqui, para ter uma ideia do que é essa famosa onda em sua alta estação.

Paramos num estacionamento de frente para a praia e ali permanecemos por dois dias. O Roy arriscou um surfe, mas as condições não estavam boas, havendo poucas ondas. A Michelle, com aquela água gelada, não se arriscou a entrar no mar e aproveitou o tempo para se dedicar na preparação de uma feijoada bem brasileira, com direito a farinha de mandioca do Acre. De nosso acampamento, nos dois dias, fomos presenteados com pores-do-sol espetaculares.

Acabamos conhecendo uma figura muita conhecida no meio do surfe. Chino Moreno, um dos maiores entusiastas do esporte na cidade e também um peruano com uma grande bagagem e conhecimento de seu país. Num bate-papo com ele conhecemos um pouco da realidade de Puerto Chicama, que inicialmente era um porto de açúcar e algodão cultivados nas região e depois passou a ser um porto pesqueiro para uma indústria de farinha de peixe. Hoje, devido a pesca excessiva e mudanças climática, os peixes já não abundam as águas frias de Chicama. Segundo nosso amigo, uma forte crise domina a pequena vila. O turismo é pouco desenvolvido, apesar do potencial. Nos finais de semana a praia fica movimentada com a visita de moradores da região, mas durante a semana, tudo fica vazio e nem parece que Puerto Chicama é tão famosa. Chino Moreno, quando soube que éramos do sul do Brasil, citou o nome de seu amigo surfista de Santa Catarina, Paul Zoschke (Linho), que por enorme coincidência é um grande amigo de infância do Roy. Coincidências da vida!

Talara, também antes uma pequena vila de pescadores, hoje abriga a maior refinaria de petróleo do Peru. Bombas são comumente vistas em terra e no oceano extraindo dezenas de milhares de litros do óleo. Onze quilômetros ao sul, na vila de Negritos, se localiza o ponto continental mais ocidental do América do Sul – Punta Pariñas (4°40′58″S /81°19′43″W), e foi para lá que dirigimos. Encontramos um lugar mágico, com uma vista espetacular e cheio de vida. Subimos a pé até Punta Balcones onde para o norte avistávamos uma praia linda e ao fundo o farol que marca o ponto mais oeste do continente sul americano e para o sul uma praia sem fim com diversas plataformas de petróleo. Foi neste local que nos deparamos com os lindos e fotogênicos atobás-de-patas-azuis. Pensávamos que eles eram somente encontrados nas Ilhas Galápagos, mas acabamos descobrindo, por sorte, que também habitam algumas partes da costa continental. Uma curiosidade sobre essas aves: as patas azuis dos atobás servem para o seu acasalamento, quanto mais azuis forem suas patas, mais atraentes são para as fêmeas. Na dança do acasalamento, os machos abrem as suas asas e deixam suas patas a mostra para a fêmea, que se gostar, começa a dançar e assobiar. Românticos, não?

Fragatas, pelicanos, urubus, lobos-marinhos também estavam presentes naquela cena tão encantadora da costa peruana. Poderíamos permanecer o dia ali, admirando aquela beleza, se não fosse o vento forte e o frio. Era tanto vento que nem o tripé da máquina fotográfica parava em pé. O encanto pleno permaneceu somente quando vimos tudo de longe, pois quando nos aproximamos das praias, ficamos chocados com a quantidade de lixo trazido pelo mar e pelo grande número de lobos-marinhos e pássaros mortos. A imagem mais marcante se deu quando vimos um atobá-de-patas-azuis voando com uma garrafa de plástico presa em seu corpo por um fio de nylon. Como ficamos com pena daquele inocente pássaro que tem que pagar pelos atos impensados dos humanos. Para fotos desse momento chocante, clique aqui.

A próxima parada foi em Cabo Blanco, que além do surfe é mundialmente conhecido pela pesca desportiva, com diversas celebridades passando por aqui entre as décadas de 50 e 70. O encontro das correntes frias de Humbolt vindas do sul e as águas quentes do El Niño ou Corrente Equatorial vindas do norte propiciam um ambiente único e riquíssimo em vida marinha. As águas de Cabo Blanco são as únicas do mundo que tem temporada de pesca o ano inteiro. O maior peixe pego em vara saiu destas águas em 1953. Capturado por Alfred Glassell Jr., o marlin negro pesava 710kg. Hoje, a pesca de grandes peixes ainda é comum, mas os atuns já não passam dos 20kg e os marlins negros, dos 100kg. Caminhamos pelo píer, quando o Roy não resistiu e comprou um atum para a nossa janta. Dos filés, primeiro foi servido sushi. Em seguida, atum grelhado com alcaparras na manteiga.

Continuamos nossa viagem pela costa passando por Máncora e Los Organos, onde se localizam as melhores praias de areia do país. São vilarejos mais agitados que os anteriores, principalmente no verão. Aqui, as águas do Pacífico já são mais quentes e agradáveis para se banhar.

Em Puerto Pizarro, nosso última parada no Peru, a paisagem mudou de deserto (que desde a costa central do Chile segue por 2000km até o norte do Peru) para uma paisagem de manguezais que adentram a costa equatoriana e colombiana. Existem muitos pássaros migratórios e até mesmo jacarés. É um local abundante em vida animal.

Depois de 29 dias em terras peruanas e com nosso visto a um dia de vencer, chegou a hora de explorarmos um novo país. Que venha o Equador!

 

PS 1 – A grande parte do trajeto desde a Bolívia até o norte do Peru, permanecemos nas montanhas altas da Cordilheira dos Andes, variando de 3.000 a 4.872 metros acima do nível do mar. Fazer um voo de paramotor nos vales dessas montanhas e em tamanha altitude era sempre difícil. Pensávamos que quando descêssemos para o litoral peruano, teríamos mais oportunidades de voo. Mas que nada! O vento forte não nos deixou decolar e o paramotor ficou 5 dias montado dentro do nosso carro, enquanto ainda tínhamos esperança que o vento diminuísse.

 

PS 2 – Nossa comida favorita do Peru, sem sombra de dúvidas, é o Ceviche – peixe cru, temperado com muita cebola, limão, sal e pimenta. Uma delícia refrescante para os dias de calor. Vamos sentir saudades…

Itinerário percorrido

Itinerário Peru 3

Fotos

[flickr]set:72157647402463823[/flickr]

Compartilhe

Veja Também

Diário de Bordo 1 – Projeto do novo motorhome

28 | abr | 2014

Diário de Bordo 2 – Projeto rabiscado, agora é hora de construí-lo!

13 | maio | 2014

Diário de Bordo 3 – O mundo de um outro ponto de vista!

8 | jun | 2014