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Diário de Bordo 15 – Colômbia 2

(07/01/2015 a 03/02/2015)

Era gol de Yepes?

As estradas da Colômbia são medidas por tempo e não por quilometragem. É engraçado, pois a qualquer um que perguntávamos por alguma distância, nos respondiam em horas. Isso dá-se ao sobe e desce, as curvas acentuadas e intermináveis, a grande quantidade de mulas circulando o país e pelas rodovias serem simples e bastante estreitas. A somatória disso tudo deixa o trânsito realmente lento, tanto que para fazermos os trezentos e cinco quilômetros de Manizales a Bogotá, onde um amigo nos aguardava, levou mais tempo que o esperado e acabamos chegando só noutro dia. Até o Google Maps já sabe dessa lentidão da Colômbia e para calcular este trajeto, utiliza uma média horária de +/- 40km/h.

“Mulas” circulando o país? Sim, isso mesmo. Também nos chamou a atenção quando ouvimos isso de uma família colombiana que dividia a mesa de um restaurante conosco. Eles falavam muito das mulas e nos davam a dica de que quando houvessem várias mulas paradas, poderíamos parar também, pois ali haveria comida boa e barata. Num certo momento nós os interrompemos! – “Escutem, diferentemente da Bolívia e Peru, onde realmente há mulas por todos os lados, aqui na Colômbia quase não as vimos”. E todos caíram na gargalhada. Nos explicaram que as mulas que se referiam são os caminhões. Estes, na verdade, vieram para substituir o trabalho das mulas, animais, e isso fez com que fossem batizados de tracto-mulas, que abreviado continuaram sendo chamados de “mulas”.

Ainda pelas estradas, quando chegávamos em Bogotá, outra coisa nos chamou a atenção: a quantidade de ciclistas pedalando nas rodovias, mas não com o propósito de locomoção, e sim, esporte. Os colombianos representam muito bem o ciclismo a nível mundial. Há os que dizem que isso deve-se a água de panela que os mesmos levam para as competições. A “panela” é o mesmo que a nossa rapadura e a “água de panela” é o chá da rapadura contendo grande quantidade de calorias que é muito consumido na região, tanto puro, como com chá, café e sucos.

Quem nos recebeu em Bogotá, ou melhor, Chia (cidade satélite de Bogotá), foi Julian, um colombiano muito gente fina que conhecemos certa vez em Curitiba. Julian fez uma viagem de 11 meses por toda a América do Sul com um Jeep Willys Militar 1945. A ele registramos nosso agradecimento pelos 7 dias que nos aturou em sua casa. Foi tempo de passear; lavar roupa; fazer manutenção do Lobo; dar entrevista na rádio local; caminhar pelas montanhas da região; dançar os ritmos colombianos cumbia, vallenato e reggeton e tomar muita cerveja e caipirinha! Participamos também de um encontro de Land Rovers oferecido pelo Clube Legion Land Rover Colombia, em Guatavita. Essa é uma cidade muito interessante, pois submergiu nas águas da represa de mesmo nome, então, uma nova e bonita cidade foi construída ao redor. Diziam nossos amigos que vez ou outra, quando a água da represa baixava, a torre da igreja submersa aparecia para fora d’água, mas algum piloto de lancha descuidado a quebrou e isso não voltou mais a acontecer. Guatavita tem mais: muito próximo desta represa há o Lago de Guatavita, que trás consigo uma lenda indígena de tesouros da época da colonização das Américas que todos nós já ouvimos falar nos bancos de escola: O Eldorado. Eldorado significa “O Homem Dourado”. Segundo a lenda, tamanha era a riqueza de uma suposta cidadela, que seu imperador tinha o hábito de se espojar no ouro em pó, para ficar dourado. Entre as várias suposições da localização do Eldorado, o Lago de Guatavita é uma e diz-se que nunca alguém conseguiu acessar o fundo dessa lagoa.

A entrevista na rádio foi cômica. Depois de muita conversa, um ouvinte ligou para o radialista para perguntar como era a Michelle, por ser brasileira. Pediu que a descrevesse ao vivo. E depois, também direcionado a Michelle, outro ouvinte perguntou se foi ou não gol de Yepes. Hehehe, não foi somente na rádio que isso aconteceu. Na Colômbia, cada um que descobria que éramos brasileiros vinha tirar satisfação de um gol que foi anulado e assim, tirou a Colômbia da Copa do Mundo 2014. Os colombianos, que são tão fervorosos como nós pelo futebol, acreditam que se o árbitro tivesse dado o gol a Yepes, eles teriam sido os campeões mundiais!!!

A viagem tinha que continuar, mesmo que nossa partida de Chia já deixava saudades. Rumamos à Zipaquirá, uma das cidades mais antigas da Colômbia. A cidade em si já encanta por sua arquitetura colonial, mas também por ser sede da maravilha número um do país, a Catedral de Sal. Há, ali, uma enorme reserva de sal que é explorada desde os tempos pré-colombianos. Foram os indígenas Muiscas que primeiro tiraram proveito do sal, tendo se tornado uma das sociedades mais prósperas de seu tempo. A prova disso está aí: a palavra salário deriva de salarium argentum, em latim, que significa “pagamento em sal”. Tamanho seu valor na época do Império Romano, que os soldados eram pagos com sal, o qual podia ser trocado por comida, vestimentas, etc. Dentro dessa mina foram construídas duas catedrais, sendo a segunda devido a instabilidade estrutural da primeira. Para chegar à catedral atual caminhamos dentro da mina cerca de um quilômetro de distância e 180m abaixo do nível da terra, passando pelas estações da Via Dolorosa. Tudo o que vimos é esculpido na rocha de sal. As colunas da catedral com 8 metros de diâmetro e a cruz do altar entalhada em negativo na parede de sal são os detalhes mais imponentes. Uma obra arquitetônica de fazer cair o queixo.

Na sequência, visitamos Villa de Leyva, Barichara e Guane. São mais três cidades que ajudam a colocar a Colômbia muito bem no ranking dos países com as cidades coloniais mais bonitas da América do Sul. Mas essas três cidades, em particular, nos fascinaram ainda mais quando passamos a ver em pisos, calçadas e paredes das casas fósseis de mais de 60 milhões de anos, usados como detalhes entre os tijolos ou pedras da construção. Já pensou uma coisa dessas? As montanhas da região estão literalmente tomadas por fósseis marinhos, que provam que aquilo tudo, um dia, foi mar, mesmo estando a mais de 2.000 de altitude. O fóssil mais surpreendente foi achado por fazendeiros em 1977, ali perto, de uma espécie de crocodilo gigante que data entre 110 e 115 milhões de anos atrás, com nadadeiras no lugar das patas e que mede 7 metros de comprimento sem contar a cauda. O legal desse fóssil é que foi deixado no lugar exato onde foi encontrado e em seu redor foi construído um museu para protegê-lo.

Vimos muitos tipos de fósseis, desde conchas até esse crocodilo gigante, então, por onde caminhávamos, nossos olhos percorriam com mais atenção as rochas, pois queríamos por força encontrar o nosso fóssil. Houve então o dia em que descemos uma serra com vegetação árida entre Barichara e Guane. Por força do destino, devido a questões fisiológicas, estacionamos o carro ao lado da estrada e a saída foi correr para o mato, mas por entre duas paredes que formam o leito de um pequeno rio seco. Na ida não houve tempo para admirar nada, mas na volta, nos deparamos com uma pedra de meio metro que se parecia com um casco de tartaruga fossilizado. É claro que aquela pedra não poderíamos levar de lembrança, tampouco tínhamos certeza se era um fóssil, mas neste momento passamos a vasculhar aquele rio seco. Parecíamos dois pintinhos no lixo, revirando cada pedra que se soltava das paredes. E acreditem, começamos a encontrar os ditos fósseis!!! Havia alguns muito grandes, que continham várias conchas fossilizadas na superfície da pedra, mas tivemos que nos contentar com os menores que encontramos. Desenterrar um fóssil, que provavelmente esteve ali por milhões de anos, é uma sensação pelo mínimo diferente. Se ali foi mar algum dia, pegávamos com nossas mãos “simples” pedras que fizeram parte da transformação do planeta e do aparecimento da Cordilheira dos Andes. Na região é possível comprar esses fósseis, mas não existe nada igual a aquele que você mesmo encontra… Além dos fósseis, levamos conosco lembranças dos tempos atuais, carrapatos que nos acompanharam por alguns dias.

Fazia tempo que não havíamos voado de parapente ou paramotor. E desde que entramos no país, já tínhamos a informação de que o Cânion de Chicamocha era o lugar para fazer isso. Em San Gil pegamos todas informações de como a coisa funciona e nos dirigimos diretamente para a rampa de parapente, mesmo que já era de tarde, pois queríamos acampar por lá. Alguns chamam os cânions de acidentes geográficos. Se o Cânion de Chicamocha é mesmo um acidente, puxa, que belo acidente. De acordo com nossas pesquisas, seu desnível médio é de 2 quilômetros e possui 227 quilômetros de comprimento. O lugar é muito bonito e onde voamos, o desnível chegou a um quilômetro. O voo foi maravilhoso, apesar do clima estar nublado, com poucas aberturas no céu. Nos 40 minutos entre a decolagem e o pouso, a procura pelos urubus foi constante, pois onde há urubus voando, há térmicas e são elas que nos mantêm por mais tempo no ar. Ter a oportunidade de decolar e ver seu ponto de pouso a mil metros abaixo de seus pés, estando literalmente entre duas paredes gigantescas, é uma emoção sem igual.

Assim como nós, há outros casais de brasileiros viajando de carro sentido Alasca. Amabry e Rosely viajam em um Daihatsu Terios 4×4 e Dan e Liene viajam em uma Land Rover Defender 110. Mantínhamos contato com eles via email, pois todos estavam na expectativa de cruzar da Colômbia ao Panamá em um ferry que estava operando essa linha há aproximadamente três meses. Mas devido a um problema de desembarque no lado panamenho, a incerteza se ele nos levaria mesmo ou não era muito grande. Então, na primeira oportunidade de um sinal verde do Ferry Xpress, corremos todos a Cartagena. O dia confirmado para embarcarmos era 27/01. Além de nós, Amabry e Rosely, Dan e Liene, haviam outros carros que já estavam em Cartagena ou que ainda chegariam. Todos sonhavam em cruzar com o Ferry Xpress, pois economiza-se muito dinheiro e tempo se comparado a um despacho em contêiner.

Mas as coisas em Cartagena não foram das melhores. Primeiro que a confirmação da travessia foi cancelada e ninguém sabia ao certo o que aconteceria com o ferry. E segundo, porque nesse tempo de espera, fomos roubados até os dentes! Aconteceu assim: nós, Amabry e Rosely e um casal de argentinos chamados Matias e Candelária, durante a espera por alguma notícia do ferry, acampávamos em frente a um lago em uma área nobre de Cartagena. O lugar se chama El Laguito e fomos para lá, pois já tínhamos a informação que muitos overlanders faziam o mesmo por ser muito tranquilo e seguro. E num dia qualquer, quando estávamos naquela de ir a cidade histórica ou não, Matias e Candelária nos convidaram para fazermos um churrasco, na sombra de algumas árvores que ficavam a meros 70 metros de onde nosso carro estava estacionado. Era domingo, então havia muita gente. Nós preparamos a salada e um guacamole, pegamos uma de nossas máquinas fotográficas, fechamos o carro e nos dirigimos até a sombra. Entre preparar a carne, tomar algumas cervejas e almoçar, devemos ter ficado por ali duas horas. Como o Matias assou a carne, falamos que nós faríamos o café! Quando chegamos no carro e abrimos a porta, tivemos uma das piores sensações do mundo. O carro estava uma bagunça, com todos os armários abertos e muita coisa jogada no chão. Entramos para ver mais de perto o que havia acontecido e a cada instante percebíamos que algo a mais faltava. Começou por uma máquina fotográfica, depois vimos que o ladrão havia levado as 3 lentes, em seguida demos falta das 3 câmeras GoPros e acessórios, do GPS, de um gravador de audio e acessórios, computador, iPad, celular, 2 rádios VHF, os filtros das lentes, cartões de crédito e débito, dinheiro que tínhamos acabado de sacar, etc. Não sabíamos o que fazer ou pensar. O malandro havia rompido o miolo da fechadura do lado do motorista, entrou, pegou tudo o que queria e saiu despercebido, com duas mochilas cheias de equipamentos. Chamamos a polícia, mas não nos ajudaram em nada. Eles pareciam ser despreparados. Aliás, por ser domingo, mesmo em Cartagena, uma cidade grande e de muito movimento nessa época do ano, não havia um lugar para registrarmos o ocorrido. Um policial nos falou que também estava indignado, pois se há uma ocorrência mais grave, como um homicídio ou algo assim, tem que esperar até segunda-feira para registrar.

Nós concordamos que houve falta de cuidado de nossa parte, pois geralmente nossos equipamentos de maior valor ficam guardados em uma maleta com cadeado, que está acorrentada ao carro. Mas por estarmos ali, a apenas 70 metros do Lobo, jamais pensaríamos que isso poderia acontecer, então, não a chaveamos. Parece até que os ladrões experientes buscam exatamente estes momentos que estamos relaxamos quanto a segurança.

O sentimento de perda foi grande e durou por um bom tempo. Aliás, até hoje, quando olhamos para nossa maleta e vemos que a maioria dos equipamentos não estão mais lá, dá vontade de chorar. Mas a situação é essa e lamentar só piora as coisas. Gostamos de manter nossos pensamentos positivos, tendo em vista que são nos momentos de crise que as oportunidades mais aparecem. Fecha-se uma porta, mas abrem-se muitas outras. Hoje, com dificuldade mas perseverantes, estamos nos reestruturando novamente para continuar com nosso trabalho.

Quanto ao ferry, continuamos com a esperança de conseguir viajar com ele. Chegamos até a iniciar a papelada para enviar o carro via contêiner, mas depois de muita persistência nossa e de todos os viajantes, conseguimos a confirmação que o Ferry Xpress nos levaria na próxima semana. Nossa espera ficou entre o El Laguito, visitas a cidade histórica de Cartagena, passeios a algumas praias na região e muito tempo compartilhado com os novos amigos overlanders.

Dia 03/02/15 embarcamos felizes da vida, com o a mente cheia de esperança para desvendar um  sub-continente (América Central) que ainda não conhecemos. A história do roubo não fez com que a imagem deste lindo país fosse denegrida. A Colômbia, que já passou por uma fase de muitas guerras e violência, hoje, é um paraíso que deve ser conhecido. Como seu slogan diz: “o perigo é você querer ficar!”

E não foi gol de Yepes! Pelo menos foi isso que o juiz disse na partida Brasil x Colômbia.

PS1 – Informações sobre o Ferry Xpress:

Quanto custa?

Em nosso caso, que cruzamos com um carro de um pouco mais de 5 metros de comprimento e mais duas pessoas em poltronas, custou U$ 597,00. Existe a possibilidade de se comprar cabines com camas confortáveis por mais U$ 50,00 por casal. Se tivéssemos que despachar nosso carro via contêiner, compartilhando um de 40 pés com um outro carro, o custo seria +/- U$ 1.100,00 (agenciamento colombiano e despacho) + U$ 200,00 de burocracia no lado panamenho + transporte pessoal nosso (via Ferry +/- U$ 130,00/ pessoa) + hospedagem em ambos os lados por aproximadamente uma semana, tempo que o carro estaria dentro do contêiner.

Qual o tempo de travessia? 

18 horas

Onde vai o carro?

Há, nesse ferry que viajamos, compartimento específico para carros, cerca de 500 vagas. Nós mesmos que dirigimos o carro para colocá-lo e para retirá-lo do ferry.

Qual frequência que viaja o ferry entre os dois países?

2 x por semana. Sai do Panamá nas segundas e quartas e da Colômbia nas terças e quintas.

O ferry vai continuar operando?

Essa é uma incógnita, mas acreditamos que sim. Na verdade, pelo ferry estar operando a pouco tempo neste trajeto, as coisas ainda não estam funcionando muito bem, como por exemplo, no lado panamenho estavam tendo dificuldades de atracar a balsa para que os carros pudessem baixar. Quando nós chegamos no lado panamenho, havia uma plataforma flutuante por onde pudemos baixar os carros.

Qual o site do Ferry Xpress?

https://www.ferryexpress.com/

Não existe a possibilidade de dirigir diretamente da Colômbia ao Panamá?

Este seria um sonho, mas não é possível. No lado panamenho existe um lugar chamado Estreito de Darien e é um lugar de florestas e pântanos, e ali não há estradas. Mas na verdade, como quase não há limites para a engenharia de estradas, o problema deste estreito parece ser mais político do que geográfico. Agora que estamos no lado panamenho, queremos visitar o Estreito de Darien, então, teremos mais informações sobre esta região em nosso próximo diário de bordo.

 

Itinerário percorrido

Itinerário Colômbia 2

 

Fotos

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