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Diário de bordo 23 – México 1

(17/04/2015 a 30/04/2015)

Se não aguenta, bebe leite!

Era quase noite na Península de Iucatã e nós estávamos muito cansados da viagem e do calor intenso. Durante o dia a temperatura chegou a 39o C e a noite, tendo o carro exposto ao sol o dia inteiro, o calor custava a amenizar. A cada instante olhávamos os números do termômetro para ver se haviam feito algum progresso.

Ainda antes de entrarmos na cidade Mérida, paramos num posto PEMEX para pernoitar. Esses postos seriam nossos postos BR no Brasil, com lugar para estacionar com segurança e banheiros. E ao procurarmos um bom lugar para parar o Lobo, vimos que duas mulheres vendiam tacos ao lado de seu carro, então não deu outra, corremos lá para experimentar este prato típico mexicano. Pedimos três sabores, mas o que era recheado com miúdos de boi estava temperado com tanta pimenta habanero que esta foi a comida mais apimentada que já provamos em nossas vidas, mais forte até que as comidas na Ásia, acreditem. Existe um dito popular que diz: “Se não aguenta bebe leite!” Foi exatamente o que fizemos. Nossos olhos lacrimejavam e a garganta queimava daquela pimenta. A única forma de amenizar a sensação de estarmos queimando por dentro foi bebendo leite! A real é que o mexicano come pimenta até com frutas. Em Izamal, por exemplo, compramos duas laranjas descascadas e adivinhem, foi servida com pimenta em pó.

Taco é uma das comidas mais comuns do México, mas também já pode ser encontrada nos países vizinhos. É muito simples e delicioso – uma pequena tortilha com recheio. Nós comemos tacos por todo o país e ao passo que mudávamos de região, percebíamos que eles também mudavam em algo, seja no molho, tamanho ou sabor. Alguns eram servidos abertos, outros fechados e em alguns lugares vinham acompanhados de guacamole e outros temperos. Na costa são servidos com frutos do mar. Delicioso!!! Nós fizemos, na verdade, uma turnê culinária para experimentar os diferentes tacos mexicanos. Outros pratos que adoramos foram: poc chuc, queso relleno, burritos, molotes, pozoles, dentre outros.

A fronteira que usamos para cruzar de Belize ao México fica próxima ao Atlântico e dá acesso direto a península de Iucatã. Essa é uma das regiões mais turísticas do país, com águas cristalinas do Mar do Caribe que transformaram aquela costa em um paraíso de resorts. Cancun, um destino muito procurado pelos brasileiros, é no norte desta península. Mas o problema para quem viaja como nós, que não tem uma reserva num daqueles hotéis luxuosos, é que dificilmente víamos as praias, já que as propriedades que margeiam o oceano são todas privadas.

O jeito que usamos para nos refrescar naquele calor foi mergulhando nos cenotes. Alguém já ouviu falar neles? Cenotes são cavidades naturais muito interessantes que existem especialmente nesta península devido a predominância de rocha calcária. Eles são uma conexão entre a superfície e as áreas alagadas subterrâneas. Normalmente se formam quando ocorrem desmoronamentos num canal subterrâneo. Sua cavidade vai aumentando com o passar do tempo, podendo formar grandes salões debaixo da terra. Esses salões, por sua vez, quando cedem em seu teto se transformam em piscinas a céu aberto. Suas águas são límpidas, pois provem do lençol freático, tendo sido filtradas pela própria terra. É algo incrível mesmo! Nós visitamos 5 cenotes (X’kekén, Yokdzonot, Dzakapal, Gruta de Santa Cruz e Chelentún) dos quase 10.000 existentes em toda a península e um era diferente do outro. Mergulhamos em um cenote a céu aberto, em cenotes que possuíam cavidades enormes subterrâneas e noutro que era muito pequeno. Uma característica interessante é que, por serem uma espécie de caverna, possuem estalactites e estalagmites. Além disso, um detalhe onde pudemos atestar a esperteza da natureza foi na forma em que as árvores ao redor dos cenotes buscam por água. Suas raízes se parecem com cipós e descem dezenas de metros como se soubessem que lá embaixo é o paraíso. Há, já íamos esquecendo, há peixes nestes lençóis freáticos! Demais!!!

Além dos cenotes e da costa de mar azul cristalino, o México possui muitas outras coisas para se conhecer. Cidades coloniais lindíssimas, ruínas maias e de outras civilizações pré-hispânicas, pirâmides, desertos, montanhas, vulcões, festivais, culinária, etc. É o país que possui a maior quantidade de Patrimônios Mundiais da UNESCO nas Américas, e no mundo recebe o quinto lugar nessa classificação. Veja seu potencial turístico: em 2010 foi o décimo país mais visitado do mundo. Viajar para o México é tiro certo. É quase impossível ir para lá e se decepcionar.

Nós intercalávamos os cenotes com as cidades coloniais na Península de Iucatã. As cidades de Valladolid, Izamal, Mérida e Campeche são lindas e o gostoso foi que em muitas delas acampamos estacionados em sua praça principal. Em Valladolid chegamos no domingo a tarde e, por ser fim de semana, custou para acharmos um lugar para estacionar, de tão movimentado que estava. Quando acordamos na segunda-feira e olhamos para fora do carro nos assustamos, pois éramos os únicos com nosso carro atravessado na rua atrapalhando o trânsito. Saímos de lá cabisbaixos para não chamar muita a atenção. Izamal nos fascinou por sua arquitetura monocolor. Tudo é amarelo, tudo. Mas tudo mesmo!!! Campeche parece uma cidade de cinema, com prédios coloridos impecavelmente restaurados e por fim vem Mérida, que ostenta casarões dos fazendeiros do Agave, uma planta originária sobretudo dessa região, mas que também cresce em menor escala nos EUA, América Central e do Sul e que tem diferentes finalidades – produção de sisal, tequila e fins ornamentais.

Para não perder o fio da meada, já que estamos falando do Agave, em Oaxaca, uma província mexicana que se situa ao sul do país (já fora da Península de Iucatã) se produz o Mezcal. Trata-se de uma bebida que difere da tequila por ser mais rústica, sendo destilada apenas uma vez, contra duas a três vezes da tequila. O Mezcal possui uma tradição curiosa – algumas garrafas são enchidas junto a uma larva de borboleta chamada gusano, que se desenvolve no meio das folhas do agave. E se não há larva dentro da garrafa, ela pode ser consumida separadamente, seca (inteira ou em pó com pimenta) logo antes de tomar a bebida. Nós provamos e aprovamos!!!

Dando sequência a nossa viagem, chegou a vez das ruínas Maias. Mas no caminho a Palenque, destacamos duas coisas: uma é que em Champotón nos despedimos do Oceano Atlântico, pois se tudo seguir conforme os planos, o veremos somente em 2017. Vai dar saudades! A outra é que fomos surpreendidos com mais um problema mecânico, mas nada que já não tivesse acontecido antes, até mais de uma vez. Um dos danados parafusos que suportam a haste do comando de válvulas se desprendeu novamente, então de novo tivemos que fazer um pit-stop para concerta-lo. Desta vez nem nos atrevemos de ir a alguma mecânica, fomos direto a uma tornearia e resolvemos o problema em conjunto com os torneiros. Agora achamos que é para sempre! O engraçado desta passagem foi que a tornearia se situava exatamente entre duas casas noturnas – Bad Girls e Pecados. E passamos a noite lá entre “elas”, já que o Lobo não ficou pronto naquele dia.

O sítio arqueológico de Palenque é um dos mais impressionantes da cultura maia. Não é tão grande como Copán em Honduras ou Tikal na Guatemala, mas possui esculturas e uma arquitetura muito diferenciada. Foi um centro importante da civilização entre os séculos 5 e 6 e nesse período alterou entre glórias, catástrofes, alianças e guerras.

Um grandioso desafio para nós, que após tantos séculos visitamos as ruínas, é tentar visualizar como os maias viviam na época. As vezes nos deparávamos hipnotizados olhando tudo aquilo do alto de uma pirâmide, imaginando os maias como pequenos “Playmobils” andando entre as ruínas. Será que eram felizes??? Imaginamos que sim, mas da maneira deles. Uma coisa é certa: esses caras adoravam escadas.

De Palenque subimos a serra e o calor diminuiu significativamente. Dirigimos por uma estrada lenta, cheia de curvas e muitas lombadas, até chegarmos em San Cristoban de las Casas, que é outra cidade colonial bonita. O que nos surpreendeu na região foi San Juan Chamula. É uma pequena cidade indígena da etnia Tzotzil, que as custas da força da população, preservou fortemente sua cultura. Ali vivem praticamente só indígenas e o idioma tzotzil é falado praticamente por todos. Quaisquer outras religiões que não a deles, que tentaram entrar na cidade, não tiveram sucesso. Foram simplesmente expulsos. Sua religião está baseada em uma mistura dos antigos costumes maias, costumes católicos espanhóis e subsequentes inovações.

Entrar na igreja desta cidade é uma sensação a parte. Por fora, nada mais é do que uma linda igreja católica colonial de centenas de anos, mas por dentro possui uma atmosfera diferenciada. Pena que não pudemos tirar fotos, pois é estritamente proibido, sob pena dos infratores de serem expulsos da cidade. Foi a primeira vez que entramos em uma igreja que não possui um banco sequer e que todos os altares foram desmontados. Há vários móveis tipo expositor de madeira com estátuas de santos em seu interior encostados nas paredes e todos os santos possuem um espelho pendurado que segundo as crenças locais, reflete o diabo e o espanta.

O piso está forrado com folhas de pinho e o espaço onde estariam os bancos é onde os tzotzils ajoelham-se frente aos santos para fazerem suas fervorosas orações. Acendem velas coloridas de diferentes tamanhos e levam animais, como galinhas, para oferendas. Os diferentes tamanhos e cores de velas, bem como os animais ou plantas, dentre outros detalhes, são prescritos pelo curandeiro para as rezas. Quanto mais próximo ao altar nós caminhávamos, mais escura a igreja aparentava. Percebemos que a escuridão era consequência da quantidade de incensos e velas acesas, que com sua fumaça acabavam deixando as paredes e teto pretos, fazendo desaparecer as pinturas originais. Fizemos uma breve estimativa e haviam mais de mil velas acesas, além de muitos vasos com flores naturais lindíssimas. Deixamos aquele lugar boquiabertos, pois jamais pensamos que encontraríamos uma igreja assim. Além da igreja, Chamula chama a atenção pelo cemitério. Suas cruzes são pintadas com preto, azul ou branco, significando: cruz preta para quem morreu com uma idade avançada; cruz branca para quem morreu jovem e azul para os demais. Outra cidade tzotzil que visitamos foi San Lorenzo Zinacantán, que ficava a meros 4km em linha reta de Chamula, mas percebemos um contraste muito grande nas vestimentas entre elas, que nesta segunda eram totalmente bordadas a mão em diversas cores (predominância roxo). Aqui, não só as mulheres mantém a cultura da vestimenta, mas os homens também fazem seu esforço para preserva-la.

A primeira parte de nossa viagem terminou em Oaxaca e a última aberração da natureza que vimos no caminho foi em Santa Maria del Tule. Simplesmente a maior árvore do mundo!!! Segundo diz a placa em frente a árvore, ela possui 58 metros de circunferência, 14 metros de diâmetro, 42 metros de altura, 816.829 metros cúbicos, pesa 636.107 toneladas e deve ter 2.000 de idade. E como dissemos no POST que fizemos sobre ela, com certeza essa árvore deve ser uma das únicas testemunhas vivas da história do México. Para ver o post, clique aqui.

E onde ficaram os cactos nessa história? Não são eles o principal símbolo do país que vemos nas logomarcas dos restaurantes mexicanos? Eles demoraram, mas apareceram. E das diferentes espécies que vimos, teve um que nos fez interromper nossa viagem por horas, pois era lindo, gigante e além do mais, dava para caminhar por dentro dele. Só vendo as fotos deste diário para crer…

Itinerário percorrido

Itinerário México 1

Fotos

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