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Diário de Bordo 26 – Estados Unidos 2

(14/06/2015 a 10/07/2015)

Califórnia dos sonhos

A Alta Califórnia (denominação dada pelos espanhóis) foi, por um curto período, governada pelo México quando este obteve a sua independência da Espanha. Em seguida foi conquistada pelos Estados Unidos na Guerra América-México (1846-1848) e após a grande imigração de pessoas motivadas pela descoberta de ouro, o território foi declarado o 31o estado americano e passou a se chamar apenas Califórnia.

Apesar de pertencer aos Estados Unidos, a Califórnia ainda é fortemente influenciada pela cultura mexicana. Há milhares de mexicanos indo para lá desde o início de 1900, tanto imigrantes legais quanto ilegais. A língua espanhola é escutada em todos os lugares e é quase mais falada que o inglês. Nós a escutamos principalmente quando conversamos com trabalhadores e pessoas de classe média/baixa. Infelizmente os problemas sociais do México também vieram junto com os imigrantes, como a pobreza e a diferença social.

A Califórnia ficou mundialmente conhecida pelo Vale da Sílica nos arredores de San Francisco, onde surgiu a internet, o iPad, o Google e tantas outras tecnologias revolucionárias; pelas perfeitas ondas para o surfe e, desde a década de 30, pelas imagens cinematográficas vendidas por Hollywood, além de seus atores, é claro. Com tantas coisas a oferecer, este estado passou a ser o sonho de muitos e hoje influencia a cultura de todo o país. Muitos querem trabalhar como os californianos, praticar esportes, comer, consumir, se vestir e se portar como eles.

Nós, vindos do Arizona, nos dirigimos a costa sul. As badaladas cidades de San Diego e Los Angeles não condizem muito com o estilo de vida que levamos em nossa viagem, mas outras coisas nos levaram para lá. Primeiramente, em El Cajon, a convite da FOX Amortecedores, viemos para uma visita. Além de conhecer toda a fabrica, saímos com quatro amortecedores na caixa, já que os que estávamos utilizando malmente aguentaram os 35.000km até então. Em Chula Vista, ao sul de San Diego, visitamos os amigos do paraquedismo Suellen e Bruno (e Bárbara que estava para nascer). Com eles comemos um delicioso churrasco com farofa e depois visitamos a região de Coronado. Em Los Angeles fizemos uma parada para solicitarmos nosso visto do Canadá. Deixamos os passaportes no consulado para que eles os enviassem a um endereço mais a frente em nossa viagem, o que nos fez ter que correr o risco de viajar sem passaportes pelos EUA por um período. Fizemos também uma visita aos amigos Avi (israelense), Bathia (mexicana) e suas filhas lindas Maia e Talia (nascidas americanas). O Avi era aventureiro como nós e fez várias viagens pelo mundo, tanto de moto como de carro. O conhecemos em Curitiba e ele está em uma foto no nosso livro da primeira volta ao mundo, que tiramos em Curitiba um dia antes de nossa chegada em São Bento do Sul.

San Diego e Los Angeles são as duas principais cidades do sul da Califórnia, mas nos seus arredores existem muitas outras. Muitas vezes saíamos de uma cidade e entrávamos noutra e nem percebíamos, tamanha sua similaridade na arquitetura, sempre tendo as mesmas lojas. Para nós, as franquias McDonald’s e Starbucks se tornaram nossos escritórios, pois possuem WIFI e banheiros gratuitos. O Starbucks, nossa preferida, usa o WIFI como estratégia para atrair clientes. “Use internet em nossos estabelecimentos e aproveite para tomar um café”. Todo o layout da loja (sofás, mesas e tomadas a vontade) está projetado para que o cliente possa usar seu computador em um ambiente agradável.

Quanto as nossas noites nessas grandes cidades, usamos a estratégia adotada por muitos americanas que viajam ou até mesmo vivem em seus motorhomes: acampamos nos estacionamentos dos supermercados Walmart. Apenas duas vezes fomos expulsos de lá. Numa delas, um policial nos levou para o estacionamento do posto policial depois de saber de nossa história.

Outra percepção nossa quanto a este país é que grande parte dos serviços estão se tornando self-service. Isso deve-se ao alto custo da mão-de-obra. Existem máquinas para tudo e que fazem tudo. Somos nós que abastecemos o carro e pagamos com cartão. Não precisamos sequer falar com alguém para sairmos com o tanque cheio. Nas lavanderias basta colocar as moedinhas na lavadora e secadora. Em supermercados temos a opção de caixas self-service. Passamos os códigos de barras dos produtos na leitora, os colocamos na sacola e pagamos com cartão. Para fazer xerox ou imprimir fotos a mesma coisa. Geralmente tem alguém disponível para te ajudar e esclarecer dúvidas, mas tudo muito rápido e prático. Também percebemos muitos idosos trabalhando, principalmente em supermercados. Ouvimos dizer que são por dois motivos: alguns fazem para se ocupar e outros pela aposentadoria ser muito baixa.

Voltando a Los Angeles, nos dias que passamos nesta cidade, entre resolver nossas pendências e visitar os amigos, conhecemos dois pontos interessantes, historicamente e culturalmente. Passamos em frente a primeira loja da rede McDonald’s que iniciou uma mudança drástica na alimentação dos americanos e do mundo, inventando uma nova forma de comer, o fast-food. E a placa de Hollywood, que por mais simples que seja, é um símbolo marcante na vida do mundo ocidental. Quem nunca assistiu um filme de Hollywood que jogue a primeira pedra.

Cansados dos congestionamentos e das longas distâncias das cidades grandes (tudo é longe em LA, no mínimo 30km de um lugar para outro), decidimos seguir viagem pela Rodovia 1 para conhecer a costa central californiana, chamada desde a época dos espanhóis de Big Sur.

A primeira parada foi em Santa Bárbara, famosa pela arquitetura espanhola bem preservada. Mas foi somente depois de passarmos a cidade de Morro Bay que as montanhas Santa Lucia surgiram abruptamente do Oceano Pacífico e criaram uma paisagem costeira dramática. Um dos pontos mais bonitos desse trajeto foi no Parque Estadual Julia Pfeiffer Burns, onde uma linda cachoeira despenca nas areias de uma praia. Paisagem dos sonhos, ainda mais com a luz perfeita de final de tarde. Foram necessários dois dias para percorrermos os 150km do trajeto, pois a cada instante fazíamos mais uma parada em mirantes para apreciar a paisagem. Também vimos uma colônia de elefantes marinhos em San Simeon. Gigantes, os machos adultos podem passar de duas toneladas e estavam todos esticados na areia da praia, alguns dormindo e outros só se bronzeando.

Quando paramos para ver esses elefantes marinhos, tivemos mais um encontro muito legal, mas que foi sem planejar. Nós almoçávamos no carro quando vozes conhecidas nos chamaram pela janela do Lobo. Eram os conterrâneos Josiane, Lisandro e Laura que estão morando na Pensilvânia. Os recebemos no Lobo para um café da tarde e só faltou o cuque de farofa, né amigos? Nós seguimos para o norte e eles para o sul, com a expectativa de nos reencontrarmos em algum lugar dos Estados Unidos.

O Big Sur acabou quando chegamos às praias de Carmel e Monterrey. Nós já estávamos de partida para San Francisco, quando vimos parapentes voando a beira mar. Paramos o carro para conferir e bem quando queríamos voar, o vento ficou muito forte. Já que estávamos todos no chão, fizemos amizade com o parapentista russo Nikolai, que mora nos EUA há anos. Com ele tomamos um café e final da tarde ele e o Roy voltaram para a praia e conseguiram fazer um voo curto, até que o vento baixou por completo e a neblina tomou conta da praia.

Existem pessoas que aparecem em nossas vidas para mudar o nosso caminho ou para nos passar uma mensagem. Nikolai foi uma delas. Naquele café que tomamos juntos, quando falamos de nossos planos, ele os questionou por completo, disse-nos que estávamos loucos em fazer uma volta tão grande. Nós planejávamos subir até San Francisco, descer pelo Yosemite e Sequoia National Parks, descer novamente até o Vale da Morte e Las Vegas, para então subirmos para Salt Lake City, considerando que naquele mês, de acordo com nossos planos iniciais, nós já éramos para estar entrando no Alasca, rsrsrs. Essa conversa foi muito boa, pois depois de ele ter nos falado aquilo, cortamos importantes cidades de nosso trajeto, como San Francisco e Las Vegas, mas tiramos um peso gigante de nossas costas. Seria muita quilometragem se as quiséssemos conhecer dessa vez. Seguimos a sua sugestão e dali rumamos direto para a Serra Nevada onde se localiza o Parque Nacional Sequoia.

E então chegamos a maior floresta do mundo! Vimos a primeira sequoia, a segunda e de repente dezenas delas juntas… Corríamos para toca-las e parecia que éramos acolhidos por esses gigantes inofensivos, ao ponto de não queremos mais sair do seu lado. A vontade é de abraçar cada uma delas, mas para abraçar seu tronco por completo seriam necessárias dezenas de pessoas.

No México conhecemos um cedro que era considerado a maior árvore do mundo pela espessura de seu tronco. Também na Califórnia existem as árvores mais antigas do mundo (pinheiros de 4.700 anos) e as mais altas (red woods com 112m), mas as sequoias gigantes detêm o recorde de as maiores em termos de volume. Elas crescem somente no lado oeste das Montanhas da Serra Nevada e são mais abundantes apenas numa região. Vivem até 3.200 anos, podem atingir 94m de altura, 18m de diâmetro em sua base, pesam até 1,22 milhões de quilos e possuem até 60cm de espessura de casca. Seus galhos são relativamente curtos pelo seu porte, localizados mais no topo da árvore, mas somente um pode medir 2,5m de diâmetro. A General Sherman, considerada a maior árvore do mundo em volume, com 1.470 metros cúbicos. É difícil querer sair do lado de árvores como essas.

Neste parque não entramos somente em terra de árvores gigantes, mas em terra de ursos também. Fizemos várias caminhadas pelo meio da floresta e era legal a sensação de que a qualquer momento poderíamos encontrar um. Até que um casal de visitantes nos avisou que acabara de ver um urso mais a frente, num alagado. Corremos até lá e não deu outra, lá estava ele, o nosso primeiro urso preto. Mais a frente, na trilha, demos de cara com mais um que se fez de desentendido e saiu disfarçadamente de nosso caminho. Não dava para saber se era de verdade ou de pelúcia, de tão fofo. Com uma das orelhas caída, ficava, uma vez ou outra, de pé para poder nos espiar por cima dos capins.

Na sequência visitamos o Parque Nacional Yosemite. Assim que chegamos num mirante chamado de Glaciar Point, ficamos boquiabertos com a vista espetacular de todo o Vale de Yosemite a mais de 1.000m abaixo de nossos pés. Não é para menos que esse parque é tão famoso e lotado de visitantes. Paredões de granito esculpidos por glaciares (paraíso para os escaladores), cachoeiras, rios cristalinos, bosques, sequoias gigantes, diversidade animal e muitas trilhas tornam esse lugar muito especial. É claro que para receber milhões de turistas anualmente necessita-se de uma mega infraestrutura, a Yosemite Village, mas ela não deixa o parque menos interessante e selvagem. Basta entrar numa trilha e logo estará longe da multidão. Nós subimos 926m numa trilha, passando pelo topo da Cachoeira Upper Yosemite (a cachoeira mais alta da América do Norte com 739m) até atingirmos o Yosemite Point e mais uma vez termos uma daquelas vistas animais. Fizemos uma segunda caminhada para as cachoeiras Vernal e Nevada (ambas vistas do Glaciar Point, reparem bem nas fotos).

Os campings da maioria dos parques nacionais que visitamos nos Estados Unidos estavam sempre lotados, principalmente porque estávamos em época de férias de verão. Como só é permitido acampar dentro dos parques em áreas designadas para camping, sempre tivemos que sair deles para dormir. Geralmente ao lado de um Parque Nacional, existe uma Floresta Nacional, com regras mais amenas e ali sempre achávamos um lugar para passar a noite.

No quarto dia no Yosemite cruzamos a Tioga Road, com o seu ponto mais alto a 3.031m de altitude. Cruzamos essas terras com lagos, planícies e domos de pedras. Mas antes mesmo de deixarmos o parque, o tempo fechou, esfriou e nevou!! Nossa visita ao Yosemite ficou completa!

Quando descemos do outro lado das montanhas, chegamos nas bordas do Mono Lake, um dos lagos mais antigos do país e cuja paisagem está em constante mudança pela atividade vulcânica. Uma das principais atrações desse lago, que possui uma água 3x mais salgada que a do mar, é uma formação chamada tufa. A tufa se forma apenas debaixo d’água, quando nascentes contendo cálcio entram em contato com a água do lago, rica em carbonatos. A combinação dessas águas forma o carbonato de cálcio que calcifica em formações escultóricas de tufa. O lago Mono era muito maior e mais profundo, porém teve seu nível consideravelmente reduzido depois que Los Angeles começou a utilizar as águas de rios que o alimentam. Foi nesse momento, quando as águas baixaram, que a tufa ficou aparente.

Deixamos o estado da Califórnia e cruzamos o estado de Nevada de oeste a leste pela Rodovia 50, considerada “The Loneliest Road” (a estrada mais solitária) dos EUA. Uma estrada com retas intermináveis que cruzam paisagens desérticas com 1.500 e 2.200m de altitude, planícies e montanhas. As poucas cidadezinhas no caminho são antigas cidades mineiras e podemos chama-las de “weird” (estranhas) como dizem os americanos. Construções em estilo faroeste lado a lado com cassinos e casas noturnas, atividades legais no estado e em ação em plena luz do dia.

E foi nesse caminho que o Lobo nos deu um susto. Ele já apresentava alguns probleminhas, então rumávamos a Salt Lake City justamente para resolve-los. E não é que no meio do nada, com mais de 600km a percorrer ainda, ele resolve pegar fogo? Esse foi o resultado de um curto circuito. Tivemos sorte que quando sentimos um cheiro de borracha queimada, paramos o carro na hora e corremos com o extintor para apagamos o fogo antes que ele causasse maiores prejuízos. Conseguimos enjambrar algumas ligações diretas e seguimos viagem para Salt Lake City – Utah.

Nós e a estrada!

 

Itinerário percorrido

Itinerário Estados Unidos 2

Fotos

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