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Diário de Bordo 27 – Estados Unidos 3

(10/07/2015 a 23/08/2015)

Hora de darmos uma trégua para o Lobo

Já estava na hora de darmos uma trégua para o Lobo e darmos uma geral nele, afinal é essa a máquina que precisa aguentar por mais dois anos carregando nós e nossa casa, sem hesitar. Em toda a viagem nunca fizemos um pit-stop tão longo quanto esse em Salt Lake City – Utah. Foi um mês praticamente, sendo que as primeiras 2,5 semanas passamos acampados ao lado de fora da mecânica Great Basin, especializada em Land Rovers. Não pudemos acampar dentro do pátio da mecânica, pois nosso amigo Bill Davis tem tantas Lands que estas malmente cabem lá.

Mas foi legal! Apesar de ter dado muito trabalho, aproveitamos para aprender algo a mais de mecânica, já que a maioria das coisas nós mesmos fizemos. A mão de obra neste país é muito cara, em torno de 95 dólares a hora (experimente multiplicar isso pela taxa de conversão atual de nosso real). Para nosso acampamento, escolhemos a sombra de duas árvores altas. Sua proteção nos proporcionou certo conforto, mas como nosso carro ficou desligado todo o tempo, a sombra impossibilitou que nossas baterias recarregassem propriamente pelos painéis solares. Isso é uma coisa a se pensar no projeto de um carro, pois quando é quente, nós optamos pela sombra, mas é o momento que a geladeira do carro consome mais energia, necessitando mais carga nas baterias, ou seja, os painéis precisariam ficar no sol. Quando é frio, que a geladeira não consome quase nada, nós buscamos o sol para nos aquecermos. Uns amigos que viajam de Toyota encontraram uma solução para isso, pois seu painel solar é removível, então podem estacionar seu carro na sombra e colocar o painel no sol.

Mas dos males, o menor. Duas alemãs que viajavam os EUA com uma Land Rover 110 fundiram seu motor e também ficaram nessa mecânica por mais de um mês. O dano no bloco foi tanto que ficou mais fácil e barato comprar um motor na Alemanha, despachar aos EUA e monta-lo ali. Acho que para ambos, nós e elas, dava certo conforto em saber que não éramos somente nós ou elas que estavam com problemas. Neste link detalhamos melhor as manutenções que fizemos em nosso carro. CLIQUE AQUI.

Ter um endereço fixo por 2,5 semanas também foi bom para recebermos encomendas pelo correio, como as 5 caixas de Livros Mundo por Terra traduzidos para o inglês. Desse momento em diante, além de viajar, passamos a vender livros, uma tarefa que já tínhamos certa experiência do Brasil. Nossa estratégia tem sido sempre ter um livro conosco, um marcador de página no lugar do cartão de visita e adesivos no carro para divulgação. A versão em inglês também já está a venda na Amazon.com e em nosso website.

Bom, agora com o carro tinindo, podíamos partir. Mas ainda na cidade, por indicação de um de nossos apoiadores, a Sol Paragliders, fomos a um de seus revendedores consertar uma linha do parapente que havia arrebentado na hélice do paramotor. E tudo foi uma coincidência, pois o Steve da revenda, nos convenceu de ficarmos para uma feira de produtos outdoor (Outdoor Retailer) que iria acontecer na outra semana e justo o Ary, que nos indicou arrumar a linha do parapente com o Steve, estaria vindo para a essa feira, o que também nos daria a chance de encontrarmos com ele. Decidimos ficar e nesse tempo, quando as condições eram boas, voamos de parapente. Lá funciona mais ou menos assim: para voar você precisa que o vento esteja contra a montanha de onde quer decolar, certo? Então de manhã, como o vento sopra na direção de sul a norte, voávamos no lado sul da montanha e a tarde, quando o vento invertia, voávamos no lado norte. Fizemos bons voos, além de boas amizades. Achamos muito legal o lado norte da montanha, pois lá, para se fazer um voo longo é preciso ultrapassar uma barreira, que é achar uma térmica, ganhar altura nela e jogar seu parapente para a margem do morro grande, que se situa uns 150 metros para atrás da decolagem e lá ganha-se altura nos ventos ascendentes que batem neste morro e sobem. Uma vez que se conquistou o morro grande, um belo voo está garantido.

A Feira Outdoor Retailer é uma das mais importantes no segmento de esportes de aventura reunindo empresas de todo o mundo. Nosso propósito foi apresentar nossa história e o Projeto Latitude 70 para buscarmos parcerias em equipamentos para o frio e por mais inesperado que isso foi para nós, conseguimos bastante ajuda. Diríamos até que as conversas que tivemos fizeram bem para nosso ego, pois como vivemos nosso projeto todos os dias, as vezes esquecemos de seu potencial. Quando apresentávamos aos departamentos de marketing nossos planos, os olhos de seus gerentes brilhavam e eles realmente se impressionavam. Saímos de lá com o sorriso de orelha a orelha, pois além de não precisarmos fazer investimentos nesta época em que o dólar está tão alto, nossa autoestima recebeu uma recarga.

Foi até estranho quando partimos de Salt Lake City. Já não estávamos mais acostumados a viajar, hehe. Mas a quilometragem que fizemos nem foi tão grande, uma vez que ao norte da cidade há a Antelope Island, uma ilha bastante exótica que se situa no Great Salt Lake, ou Grande Lago Salgado, que dá o nome a Salt Lake City. A ilha é um paraíso de pássaros, além de ser habitada por bisontes, cabras, veados, antílopes, dentre outros.

Existem certas coisas na natureza que são óbvias, mas nem sempre nos damos conta se uma oportunidade não nos faz pensar nelas. A similaridade dos lagos salgados com o mar, para nós, foi um exemplo. Vejam: você sabe porque existem lagos salgados? Por eles se situarem entre montanhas e não haver nenhum caminho para suas águas escoarem. Eles são alimentados pela chuva e rios, que levam consigo sais e minerais coletados na terra. Por não possuírem saídas de água, a forma que tem seu nível controlado é pela evaporação. Mas o vapor não tem capacidade de carregar minerais e sais, deixando-os no lago, o qual vai os acumulando durante os milhares de anos desde a sua formação e por isso fica salgado. Agora, nós já paramos para pensar que o mar é também um grande lago que não possui para onde escoar, a não ser pela evaporação? O Grande Lago Salgado possui 4.400km2 de área de evaporação. Quatro rios o alimentam trazendo 2,2 milhões de toneladas de minerais todos os anos. Imagina o quanto o mar recebe de sedimentos por ano!!!

O Grande Lago Salgado, por sua salinidade, não é habitat de peixes. Mas alguns camarões, insetos e algas sobrevivem ali, os quais viram fonte de alimento para 250 espécies de aves migratórias. O lago prove descanso, abrigo e ambiente de reprodução para todos. Nós acampamos na ilha, vimos bisontes, veados, antílopes, mas quem nos atraiu mesmo foram as aves. É impossível não perder horas fotografando-as ou só admirando-as. São tantas, mas tantas, que seus movimentos dão um verdadeiro show no ar.

Saímos de Utah, passamos rapidamente pelo estado Idaho e entramos em Wyoming, o estado que cede dois lindos parques nacionais que queríamos muito visitar, o Grand Teton e o Yellowstone. O caminho foi muito bonito, com florestas, montanhas, rios cristalinos, lagos e cidades com atmosfera country. Na praça principal de Jackson há um pórtico feito de centenas de chifres de Cervus Canadensis, que de primeira impressão assusta pela suposta matança dos animais. Mas logo descobrimos que estes cervos perdem suas galhadas todos os anos, as quais deixam jogadas nos pastos e são desses chifres caídos que o povo da cidade construiu o pórtico há dezenas de anos atrás. E aqui vem a confusão entre o inglês e o português: O animal “Elk” (inglês) não é o alce. Elk é o Cervus Canadensis ou Uapiti, um dos maiores entre a família dos cervos. Ele não pode ser confundido com o Alce, que pelos americanos é chamado de “Moose”. O problema é que na Europa, Ásia e algumas regiões britânicas, o moose, ou alce em português, é chamado de elk! Os dois animais que estamos falando são completamente diferentes. Só pra complicar…

O Parque Nacional Grand Teton é uma extensão daquele caminho lindo que vínhamos percorrendo, com a diferença de que ao lado oeste se forma uma magnífica cadeia montanhosa, cuja montanha mais alta ultrapassa os 4.000 metros de altitude. Ficamos 3 dias na região indo de um lado para o outro, fazendo caminhadas, vendo animais, banhando-se em águas termais e parando para acampar em lugares de se tirar o chapéu. Vimos elks ou Cervus Canadensis, um moose ou alce, um urso preto, bisontes, etc… A partir deste momento, era o lobo que estávamos a procura. Não o Lobo da Estrada, pois este está aqui com a gente.

Ao norte do Grand Teton nós pisamos num caldeirão de água fervente. Terra natal do Zé Colméia, lembram dele? Sim, chegávamos no Parque Nacional Yellowstone, o lugar no mundo onde existe a maior concentração de gêiseres e fontes termais. É conhecido também por ter sido o primeiro Parque Nacional do mundo, fundado em 1872. Devido a sua beleza e exuberância, naquela época já se previa a necessidade de sua preservação.

A área é gigantesca e muito diversa. No meio de uma floresta de pinus, um lugar que ninguém suspeitaria que ali embaixo existe uma câmara de magma vulcânico de 60km x 30km de tamanho, brotam gêiseres e fontes de água quente. Já foram contados mais de 1.200 gêiseres, sendo que destes, quase 500 estão ativos. Mas contando todos os elementos de características geotermais, totalizam 10.000 só no parque. Alguns gêiseres tem um ciclo de atividade alta, então é possível se programar para vê-los no momento de sua maior ebulição. O gêiser mais famoso, Old Faithful, que também é um dos que jorra água mais alto, entra em atividade aproximadamente de 90 em 90 minutos. Existe até arquibancada para os espectadores poderem vê-lo brilhar. As fontes também tem seu charme. Não jorram água como os gêiseres, mas possuem um colorido intenso, onde no centro a água é azulada e cristalina e nas bordas, onde a temperatura é um pouco mais baixa devido o contato com a terra, bactérias resistentes ao calor, junto a minerais, colorem com amarelo, vermelho, branco, etc. É ali no parque que se encontra a fonte Grand Prismatic, uma piscina colorida imensa e que é um espetáculo a parte. Nós a vimos primeiramente do alto de um morro e vendo-a de cima consegue-se identificar cada camada de cor em suas bordas. Depois caminhamos por plataformas estando ao lado dela, as vezes sumindo em sua nuvem de vapor.

Fora os gêiseres e fontes, vimos cânions, cachoeiras, rios, florestas, montanhas e muitos animais. Tentamos ver nosso primeiro lobo, levantando 4:30h da manhã para chegar em tempo onde eles são normalmente vistos ao nascer do sol, mas nada. Havia muita gente lá, com lunetas e tudo mais e parece que somente os mais equipados avistaram algo na montanha, talvez a 3 km de onde estávamos. Nós não veríamos eles com nossos binóculos nem em pensamento.

Saímos do parque pelo lado norte e nos dirigimos ao Paradise Valley, Montana. Fomos convidados pelo amigo são-bentense Manolo del Olmo para visitarmos sua mãe Josie Tidwell, que mora com seu marido Marvin Tidwell naquele paraíso. Josie preparou um bolo de aniversário para a Michelle e ao longo dos dias que ficamos por lá, fez várias comidas deliciosas que nos lembraram “casa”. Foi em sua companhia que também celebramos o nosso primeiro ano na estrada. Registramos aqui nosso carinhoso obrigado a Josie, Marvin e Manolo pela sua hospitalidade!

Será que vocês aguentariam ler sobre mais um Parque Nacional? Talvez estas histórias estejam ficando maçantes, mas como é impossível não visitá-los nos EUA, pela natureza aqui ser tão linda, temos que contar mais essa. Mas é só mais essa, ok? Nesse diário…

Parque Nacional dos Glaciares. Se situa no estado de Montana, fazendo fronteira com o Canadá. Caracteriza-se pela grande quantidade de glaciares, além, é claro, de uma linda natureza com montanhas, lagos, florestas e animais. É habitat de ursos, alces (moose, não se confundam), cabra montesa, bem como espécies raras como o Wolverine e o Canadian Lynx.

Mas desta vez, quanto mais nos aproximávamos da entrada do parque, menos enxergávamos a nossa frente. Estavam acontecendo queimadas tão fortes nas matas da região que tudo estava coberto por fumaça. Via-se apenas algumas dezenas de metros a frente! Nós ficamos tristes, mas fazer o que, “é o que é”, como diz o nosso amigo Cleiton. Mesmo assim cruzamos o parque de sudoeste a nordeste, pois esse era o caminho que de um jeito ou de outro teríamos que fazer para ir ao Canadá. Subimos e descemos as montanhas sem ver nada. Pra piorar ainda mais nossa visibilidade, o tempo fechou. Veio chuva forte e muito frio. Saímos de lá cabisbaixos e acampamos em um terreno público a beira de um lago alguns quilômetros mais adiante.

E não é que o outro dia amanheceu límpido, sem um vestígio de fumaça ou nuvem no céu! Há chuvas que vem pro bem… Não pudemos perder a oportunidade e voltamos ao parque, pois num dia como este não poderíamos estar em lugar melhor. Fizemos lindas caminhadas e vimos de muito perto nosso primeiro urso marrom ou cinzento, o maior dos ursos fora o polar, além de cabras montesas. Foi um dia perfeito que não poderia terminar diferente: próximo a meia-noite, no mesmo acampamento da noite anterior, tirados da cama pela vontade de fazer xixi, pudemos contemplar nossa primeira aurora boreal. Esta luz vinda do norte parecia nos dizer o caminho para onde deveríamos seguir…

 

Itinerário percorrido

Itinerário Estados Unidos 3

Fotos

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