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Diário de Bordo 28 – Canadá 1 e Estados Unidos 4

(23/08/2015 a 08/09/2015)

Canadá, o segundo maior país do mundo

Como descrever um gigante como esses? Números e fatos podem explicar melhor… O Canadá possui uma área de 9,98 milhões de quilômetros quadrados. Com o Oceano Pacífico a oeste, o Atlântico a leste e o Ártico ao norte, ele possui tanta quilometragem costeira que se esticada numa linha reta, chegaria na metade do caminho até a lua. Sua fronteira com os Estados Unidos é também a mais longa entre dois países, com 8.891km e seu território possui cerca de 31.700 grandes lagos (sem contar os pequenos!), mais do que qualquer outro país, os quais contabilizam 60% dos lagos do mundo. Apenas sua população é pequena: 35,5 milhões de habitantes (dados de 2014), uma das menores densidades demográficas do planeta, com cerca de 3,59 habitantes por quilômetro quadrado. “Larger than life” ou “Maior que a vida” é o slogan usado pelo território canadense de Yukon, mas este slogan poderia ser usado para todo o país.

Foram necessários 17 dias para cruzarmos o Canadá de sul a norte até entramos na parte principal do Alasca e foi inevitável fazermos grandes quilometragens entre um ponto de interesse e outro. Entramos por Chief Mountain, que conecta o Parque Nacional Glaciar nos EUA com o Parque Nacional Lagos Waterton no Canadá, mas nossos destinos principais eram outros dois parques nacionais: o Banff e o Jasper, onde paisagens espetaculares aguardavam para nos dar as boas-vindas.

O que não contávamos era que toda aquela região, como já havia acontecido no norte dos EUA, estava tomada pela fumaça das queimadas. A fumaça que vinha do estado americano de Washington havia percorrido mais de 1.000km até ali e malmente enxergávamos a silhueta das montanhas ao nosso redor. Estávamos nas Montanhas Rochosas do Canadá (Rocky Mountains), uma das regiões mais bonitas do país com paisagens alpinas, lagos cor esmeralda, rios cristalinos, cachoeiras, glaciares e muito mais a explorar.

Sem perspectivas de melhorar a visibilidade, o jeito foi pegar a estrada e dirigir, dirigir e dirigir pela rodovia Yellowhead, até quase a costa oeste. “Quase” até a costa oeste, neste país, significa ainda centenas de quilômetros até lá. Claro que nesse longo trajeto fizemos muitas paradas para apreciar a natureza e duas merecem destaque. A primeira foi para admirar o Monte Robson, a montanha mais alta das Rochosas do Canadá, com 3.954m de altitude e a segunda para vermos a migração dos salmões Chinook (a maior espécie de salmão do Pacífico) pelo rio Fraser. Do seu estuário na costa até esse específico ponto, a cachoeira Rearguard, os salmões haviam viajado mais de 1.200km contra a correnteza. Os mais fortes ainda conseguiam ultrapassar essa poderosa queda d’água, mas para muitos, aquele era o final de sua jornada.

Falando um pouco de história, o território que hoje é chamado de Canadá é habitado desde milhares de anos por diferentes tribos aborígenes. Como na maioria dos países colonizados, esses povos foram praticamente exterminados durante a colonização (guerras, doenças trazidas pelos brancos, imposição de costumes, etc.) e infelizmente muito pouco sobrou de suas culturas. Nas pequenas vilas de Hazelton e Kitwanga, próximas ao rio Skeena, há resquícios de um desses povos e ali tivemos a oportunidade de ver alguns totens (originais e réplicas) feitos pelo povo Gitxsan.

Os totens são mastros enormes de madeira esculpida, na maioria cedro vermelho. Sua função não é religiosa, e sim, de comunicar importantes aspectos da cultura nativa. Os motivos entalhados podem simbolizar lendas familiares, contar a história de uma família/clã ou comemorar momentos marcantes. Também podem servir como marcos arquitetônicos na entrada da vila/casa para dar as boas vindas, marcar um local funerário ou para ridicularizar em público alguém que fez algo errado ou possui um débito. Devido a falta de ferramentas eficientes (os nativos usavam ferramentas rudimentares feitas de pedra, conchas, ossos e dentes de castor), falta de recursos e tempo para se dedicar a arte, os mastros não apareceram em grande escala até o final de 1800 e início de 1900. A partir daí, ferramentas de ferro foram introduzidas e possibilitaram maior complexidade nos entalhes e maior produção durante o próximo século. Mas também vieram as intervenções políticas de controle dos indígenas e o desencorajamento dos costumes tradicionais pelos missionários da igreja, o que estimulou a perda dessa arte que praticamente deixou de existir. Mesmo sendo feitos com madeira resistente à umidade, muitos dos totens produzidos naquela época já desapareceram. Somente recentemente houve uma tentativa de resgate dessa cultura, principalmente motivada pelo turismo e alguns artesãos voltaram a produzir novos totens. Em todas as lojas dos centros turísticos é possível encontrar miniaturas dos totens para serem levados como souvenir. Mas é possível levar um em tamanho real (podem passar dos 40m!), basta esperar o um ano de trabalho e pagar cerca de 10.000 dólares ao escultor.

Seguimos ao norte pela rodovia Cassiar, que nos levaria até o sexagésimo paralelo norte. Logo no início fizemos um desvio e fomos a Stewart, depois que ouvimos falar que lá era possível de se ver ursos pescando salmão. Não iríamos perder essa oportunidade por nada. A rodovia que dá acesso a Stewart é considerada uma das mais bonitas da região e recebe o nome de Rodovia dos Glaciares por possuir 20 deles em suas redondezas. Quanto aos ursos, a verdade é que eles não estariam em Stewart e sim na cidade vizinha Hayder, que já pertence ao Alasca, por consequência, Estados Unidos. Opa, entramos no Alasca? Sim. Se repararem no mapa do Alasca, irão perceber que este estado americano possui uma faixa costeira que desce até quase a metade do Canadá.

Hayder possui 70 habitantes, mas recebe mais de 40.000 visitantes no verão. Não são somente os ursos que atraem essa multidão, mas também o Canal de Portlant – o quarto fiorde mais longo do mundo –, o Glaciar Salmão que é o maior glaciar do mundo acessível por estrada e toda a natureza, que é linda. Sorte que quando chegamos já era final da estação e quase não havia mais turistas, pois é difícil imaginar tanta gente naquele minúsculo lugar.

Bom, fomos ao Fish Creek (Riacho do Peixe) para ver os ursos, pois milhares de salmões estavam lá. Mas quem disse que eles apareceram? O tempo estava frio e chuvoso e, se fossemos ursos, também ficaríamos em casa num dia como aquele. Nós até vimos um urso preto por alguns minutos, mas assim que ele molhou a ponta do mindinho na água gelada, voltou para sua toca para esperar por um dia de sol. Nossa sorte foi conhecer um casal de viajantes alemães que falaram que se quiséssemos ver ursos, muitos deles pescando, teríamos que ir a Haines. Não perdemos tempo… caímos na Rodovia Cassiar no dia seguinte e rumamos ao norte!

Cruzar a latitude 60 significava entrar no território de Yukon e também na famosa Alaska Highway (Rodovia Alasca ou Alcan). Era quase setembro e as cores do outono já se faziam presentes na extensa floresta boreal. E que cores!!! O amarelo, laranja e vermelho das folhas do aspen contrastavam com o verde escuro dos pinheiros. Mais bonito ainda era quando víamos esse colorido espelhado nas águas serenas e cristalinas de um lago, aliás, de infinitos lagos e um mais lindo que o outro.

Em Whitehorse, capital de Yukon, estocamos nossa despensa, lavamos roupa, enchemos os tanques de combustível e água, atualizamos nosso site e partimos rumo a Skagway, onde entramos pela segunda vez no Alasca!

O porto de Skagway é uma parada popular para os grandes navios de cruzeiros que percorrem a costa do Alasca. As grandes companhias marítimas praticamente dominam aquela cidade detendo quase todo o comércio, em sua maioria joalherias e de artesanatos, que fazem os olhos dos mais de 900.000 visitantes anuais brilharem. Apesar de ser tão turística, Skagway possui uma história bem interessante.

Em 1896 foi encontrado ouro na região de Klondike, no Canadá. As notícias se espalharam rapidamente e milhares de pessoas começaram a se deslocar para essa região querendo fazer fortuna. Era a promessa de uma vida melhor, mas quem disse que seria fácil? Skagway pareceu ser um dos melhores lugares para acessar o interior do Canadá e seu porto começou a receber muitos navios de mineiros. Uma vez que estivessem em Skagway, os aventureiros teriam que se preparar para uma jornada de mais de 800km até a cidade de Dawson. Haviam duas rotas possíveis: uma trilha partia de Skagway e subia o White Pass (Passe Branco) até o lago Bennett; a segunda partia de Dyea e percorria a íngreme trilha Chilkoot, usada há muitos anos pelos indígenas locais, e que também chegava ao mesmo lago. No lago, construíam barcos de madeira e esperavam suas águas descongelarem para que pudessem descer o rio Yukon até os campos de ouro de Klondike. Devido as condições extremas de terreno (altas montanhas) e clima (temperaturas negativas extremas), os mineiros levavam cerca de um ano para chegar ao destino e mesmo assim a fortuna não estava garantida. A mineração oferecia grandes desafios: encontrar o ouro e depois escavar o solo congelado. Das 100.000 pessoas que investiram nessa “corrida do ouro”, apenas 30.000 chegaram a Dawson e destas, só 4.000 encontraram o metal precioso. Os que fizeram fortuna, foi um número ainda menor e na maioria das vezes o dinheiro era gasto em bares, apostas e mulheres.

Skagway, “o portão de entrada de Klondike”, em apenas 4 meses passou de algumas barracas improvisadas para uma cidade constituída, com sallons (bares), lojas, casas e escritórios. Possuía energia elétrica e telefone, mas era uma cidade sem lei, governada por bandidos. Brigas, prostitutas, apostas, bebidas estavam sempre presentes nas ruas. Em 1900 foi concluída uma rodovia de trem que facilitaria o acesso ao interior, mas a corrida do ouro acabou e a cidade iniciou o seu colapso. Hoje, muitos dos prédios antigos estão preservados e é interessantíssimo caminhar pelas ruas da cidade e imaginar a vida naquela época das grandes aventuras.

De Skagway, fomos de ferry até a cidade de Haines. Estávamos super empolgados em cruzar uma pequena parte da chamada Inside Passage (Passagem Interna) percorrida pelos grandes navios entre os canais e fiordes do Alasca. Mas nossa alegria durou pouco, apenas uma hora, pois Haines já era ali, na esquina do canal.

Desembarcamos e fomos direto ao rio Chilkoot, o tal rio dos ursos, e assim que chegamos vimos uma ursa com dois filhotes nadando. Que surpresa agradável! Passamos dois dias sem arredar um pé das margens desse rio a espera deles. Durante o dia, de vez em quando um aparecia, mas o momento de maior atividade era no final da tarde, a partir das 18h, quando chegamos a ver cerca de 10 ursos diferentes garantindo o seu jantar. Era incrível ve-los entrando na água e causando um alvoroço de peixes tentado fugir em sua frente. Os ursos possuem uma incrível habilidade para pescar e quando um caía em suas garras, era trazido para uma pedra, onde era apoiado e devorado. Muitas vezes, estando nós a apenas 15 metros da margem do rio, escutávamos o barulho da espinha do peixe sendo quebrada ou da pele sendo arrancada. Essas criaturas são inteligentes. Primeiro esmagam o salmão para ver se sai ova, assim sua preferência é por fêmeas. Depois comem a pele e os olhos, onde há maior concentração de proteína e o restante abandonam, dando a oportunidade para outros animais se alimentarem. Era cômico ver os filhotes dentro do rio tentando pegar seus primeiros peixes. Quando tinham êxito, corriam para sua mãe para se exibir, brincavam um pouco com a presa, mas logo a abandonavam na margem e entravam na água para tentar pegar mais um… pobres salmões.

Para poderem estar ali na beira do rio, os ursos respeitam uma hierarquia. Se um macho mais novo está pescando e um macho mais velho chega, o jovem deixa o rio imediatamente. Fêmeas com filhotes também deixam o rio caso o macho dominante chegue, pois ele é uma grande ameaça para os filhotes. Em nosso segundo dia no rio Chilkoot, um urso mais jovem amanheceu morto numa pequena ilha. Provavelmente decorrente de uma briga fatal com um macho mais forte. Isso nos mostrou que apesar das cenas que estávamos vendo parecerem ser inocentes, são selvagens. E nós também tínhamos que respeitar essa hierarquia. Algumas vezes ficávamos fora do carro na margem do rio, mas se um urso aparecia tínhamos que sair de cena e entrar o mais rápido possível no carro. Muitas vezes nos distraíamos com ações a nossa frente e esquecíamos de cuidar das nossas costas. Isso aconteceu com o Roy, que quando olhou para trás, havia um urso enorme a sua espera, a menos de 5m. Aiaiaiaia….

Pegamos mais uma vez a estrada, agora pelo vale do rio Chilkat. Um evento interessante acontece todo mês de outubro nesse vale. Milhares de águias-americanas (cerca de 4.000) migram para lá para passarem o inverno, pois esta é uma das únicas partes do rio que não congela, oferecendo oportunidade de alimento nesse período.

Quando voltamos para a Rodovia Alasca, a nossa esquerda surgiram as Montanhas Saint Elias pertencentes ao Parque Nacional Kluane, onde estão localizados os maiores picos do Canadá. O frio já se fazia presente e numa das noites chegou a (-)5 graus celsius. Uma das coisas mais legais era saber que estávamos em regiões possíveis de se ver a aurora boreal, mas ali no Canadá o tempo não colaborou muito.

Ainda antes de deixarmos o país, fomos presenteados com mais uma cena marcante: vimos um lobo cinza na beira da estrada. E quando nos demos conta, entramos no Alasca pela terceira vez!

 

Para mais informações, veja:

Os cinco maiores países do mundo.

A dramática corrida do salmão.

Os ursos pescando salmão.

Símbolo nacional dos Estados Unidos.

 

Itinerário percorrido

Itinerário Canadá 1

Fotos

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