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Diário de Bordo 38 – Mongólia 2

(24/06/2016 a 18/07/2016)

Natureza diversa.

Assim que deixamos o Deserto de Gobi, as verdes pastagens e a fartura de água tornaram a vida possível novamente e as gers (tenda mongol) e animais passaram a se fazer presentes em nosso caminho. No centro da Mongólia a natureza é muito diversa, onde acontece a transição entre o sul desértico e o norte montanhoso.

Nossa primeira parada foi na capital estadual Bayankhongor. Nas capitais de estado buscávamos infraestrutura como mercados, água, combustível e internet. Sempre íamos nos mercados locais e lá encontrávamos quase tudo, como alimentos, utensílios domésticos, roupas, acessórios e até gers. Para se ter uma ideia, uma ger completa se os móveis custa menos que 1.000 dólares. Quando teríamos uma moradia a esse preço no Brasil?

O caminho que seguimos liga Bayankhongor a Tsetserleg e cruza as montanhas Khangai com picos de até 3300m de altitude. Esse foi um dos trajetos mais lindos que fizemos no país e a baixa velocidade imposta pelas condições do terreno nos deu bastante tempo para apreciar a natureza. Subimos o vale do rio Tuin repleto de gers e iaques (vacas da montanha) e perdemos as contas de quantas vezes tivemos que cruzar o rio com nosso carro. Quanto mais subíamos, mais floridos ficavam os campos. Após o passe de 2686m, descemos por outro vale e continuamos cruzando o rio de um lado para outro.

Como já escrevemos no diário anterior, a Mongólia é um paraíso para acampar. E como nosso carro chamava a atenção nas estepes, logo que parávamos recebíamos visitas. Alguns vinham a cavalo, outros em motos. As vezes sozinhos, outras vezes acompanhados. As palavras eram poucas e a comunicação acontecia na mímica (o que deveria ser muito engraçado, pois parecia um teatro infantil). Nosso carro tem tudo a ver com a vida nômade dos mongóis e por isso dizíamos aos locais que morávamos num “carro ger”. Eles se interessavam por tudo o que tínhamos e não foram poucas as vezes que nos propuseram trocar seu cavalo pelo Lobo. Numa dessas situações a Michelle entrou na conversa e perguntou como ela ficaria nessa negociação. O mongol gesticulou que cabiam dois no seu cavalo e todos caímos na gargalhada. O mais interessante dessas visitas é que depois da conversa, sem mais nem menos, subiam em seu cavalo ou moto e partiam sem dizer um tchau sequer. No começo isso nos pareceu rude, mas com o tempo aprendemos que para eles é comum partirem sem a formalidade das despedidas.

Com uma população pequena e que prefere carne vermelha a peixe (um mongol nos falou que para eles peixe é igual vegetal), os rios e lagos da Mongólia são muito bons para se pescar. E não deu outra, tiramos a poeira de nossa vara na primeira oportunidade. A única dificuldade era saber que tipo de peixe é encontrado e que isca deveríamos usar. Se muitas vezes saímos com as mãos abanando, valia o entretenimento.

No norte tínhamos o objetivo de visitar o Parque Nacional Khorgo-Terkhiin Tsagaan que protege um lago formado há milhões de anos por uma erupção vulcânica. O lugar, além de ser lindo, nos daria a oportunidade de montar o barco e pescar. Logo na entrada conhecemos os russos Roman e Dmitry que viajavam numa Defender 110. Eles estavam com problemas em seu carro (nada difícil de acontecer com uma Land Rover, rsrs), então paramos para oferecer ajuda e acabamos acampando duas noites com eles, já que também estavam ali para pescar. Mas as iscas nem chegaram a beliscar. Devíamos estar com azar ou pescando no lugar errado. Além dos russos, conhecemos também os franceses Florian e Mathilde que caminhavam e acampavam nas margens do lago. Os convidamos para um café da tarde e a conversa foi tão boa que os reencontramos no café da manhã do dia seguinte e ainda seguiram de carona conosco por mais um dia.

As estradas da Mongólia não são boas. Na verdade as que são consideradas principais são péssimas, pois são aterradas, duras e nelas se formam imensas costelas de vacas que praticamente desmontavam o carro. Então era comum vermos essas estradas vazias e os carros percorrendo caminhos secundários paralelos a elas, que apesar de menores, eram melhores. Mas onde realmente gostávamos de dirigir era longe das principais, pelas pequenas vias no meio das estepes e isso nos dava a oportunidade de conhecermos lugares menos turísticos e muito mais remotos, a exemplo dos lagos Khar Nuur e Bayan Nuur. O difícil nesses caminhos era a navegação, pois as trilhas se multiplicavam por todos os lados. Mas com o GPS e ajuda dos locais, sempre achávamos o caminho.

O lago Khar Nuur é magnífico e sua beleza foi acentuada pela luz do final da tarde. Montanhas, dunas, água cristalina, gers rodeadas por centenas de animais e tudo duplicado, já que o lago estava um espelho e refletia seu entorno. Um lugar perfeito para montarmos mais um acampamento. Mas claro, tanta beleza trazia um inconveniente que eram os mosquitos, que de tantos, faziam uma sinfonia em nossos ouvidos.

No lago Bayan Nuur nossa experiência foi diferente. Nos três dias que ficamos acampados lá, tivemos um contato próximo com os locais. E isso foi muito legal para conhecermos mais sobre sua cultura. Ficamos amigos de três famílias, onde os três homens eram irmãos. E praticamente todos andaram de canoa conosco e foi nesse momento que percebemos que apensar de viverem mais de cinco anos em frente ao lago, não entendem nada de água. Não sabiam pescar e nem remar e morriam de medo quando estavam na canoa. Quanto a pesca, a sorte virou a nosso favor. Em questão de meia hora pegamos dois belos peixes que formam suficientes para nossas próximas refeições. Aliás, numa delas convidamos os mongóis para saborearem postas de peixe empanadas com ovo e farinha fritas no óleo e pasmem, parecia que nunca haviam experimentado esta iguaria. A maioria gostou, mas o irmão mais novo comia somente a casquinha e seguidamente falava que gostava mesmo é de carne vermelha.

Quando nós fomos visitá-los, haviam recém matado um animal e o estavam limpando e preparando sua carne. A noite nos convidaram para uma espécie de cozido de interiores, preparados em forma de embutidos. A comida estava fresca e saborosa, mas diferente do que estamos acostumados a comer. Da água onde as linguiças foram cozidas, prepararam o arroz. E como é tradicional por lá, acompanhado de muito chá. De acordo com seus costumes, os homens são os primeiros a serem servidos. Primeiro o dono da casa e depois em ordem do mais velho para o mais novo, para depois servirem as mulheres e por último o cozinheiro.

E num momento da conversa após a janta todos caíram na gargalhada e o motivo, claro, fiasco nosso. Não é fácil ter privacidade para ir no banheiro nesse país, pois os campos são vastos e abertos, sem arbustos ou árvores para se esconder. O jeito é caminhar o mais longe possível até que você vire um pontinho no meio da estepe. Mas como já haviam nos alertado, todo pastor possui um binóculos com o qual monitora seus animais e os vizinhos distraídos. O irmão mais velho confessou que naquela manhã, quando o Roy saiu do acampamento para ir ao banheiro, o observou pelo binóculos. Contou que o viu caminhando, olhando para os dois lados para ver se ninguém o estava vendo e por final se agachando no meio dos capins, kkkkk.

Nossa passagem pela Mongólia estava chegando ao fim, então do Bayan Nuur demos uma longa pernada até o extremo oeste do país. A paisagem continuou lindíssima, com altas montanhas nevadas, mas os vales agora eram habitados por cazaques-mongóis. Os cazaques migraram para essa região em 1840 em busca das altas e verdes pastagens para seus animais. Geralmente passavam o verão ali e regressavam ao Cazaquistão no inverno. Porém, após a Revolução Mongol em 1921, uma fronteira permanente foi estabelecida e um grupo de cazaques ficou no país.

Ao contrário dos mongóis, os cazaques vivem em comunidades grandes e os vales ficam lotados de gers, as quais são mais altas, maiores e mais decoradas internamente. A religião também é outra, o islamismo, sendo que víamos pequenas mesquitas em suas vilas.

Mas a maior atração nesse lado do país foi presenciar o festival Naadam, que na verdade é celebrado em todo o país. Este é um festival esportivo que acontece há centenas de anos e os três esportes tradicionais (jogos de guerra) são: luta livre, arco e flecha e corrida de cavalo. A luta livre é mais popular e mais esperada pelos espectadores que enchem as arquibancadas.

Nós assistimos três Naadam em três escalas diferentes: um no meio de um vale, outro numa vila e o terceiro na capital estadual Bayan-Olgiy. No primeiro os locais fizeram um círculo de carros no meio do vale e ao centro aconteciam as lutas. No segundo, na vila de Sagsay, as lutas aconteciam paralelamente as competições de arco e flecha e todos se vestiam tradicionalmente. O evento terminou com a corrida de cavalos, onde os jóqueis eram meninos de 5 a 12 anos e o percurso passava dos 15km. Na capital estadual nos juntamos a uma multidão de espectadores para assistir as apresentações de dança, música e luta que começou com os lutadores profissionais enfrentando soldados do exército mongol. Foi engraçado de ver, pois havia uma grande diferença de tamanho entre os lutadores. Os soldados não tiveram chance. Infelizmente a chuva dispersou o público e não vimos o final das lutas. Foi um evento bonito de se ver e interessante, principalmente por ser muito diferente da nossa cultura.

Bom, dois meses se passaram e chegou a hora de deixarmos a Mongólia, o que aconteceu com um aperto em nossos corações. Definitivamente esse foi um dos países mais incríveis que já visitamos. Nunca nos sentimos tão livres para ir e vir e sempre com muito contato com a natureza, além de seu povo ser diferente: hospitaleiro e de coração aberto. Esperamos que a cultura nômade se preserve por muitos e muitos anos e que a Mongólia possa mostrar para o mundo que um país pode ser compartilhado por todos.

 

Veja mais sobre esse trajeto nos posts abaixo:

 

Itinerário percorrido

Itinerário Mongólia 2

Fotos

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