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Diário de Bordo 46 – Turquia

(04/01/2017 a 19/01/2017)

Uma das coisas que sempre esperávamos, quando visitávamos países islâmicos, era ouvir os chamados às orações entoados nos minaretes das mesquitas. São cânticos religiosos com pouca melodia, mas são bonitos e dão um clima interessante para as cidades. Na Ásia Central, porem, mesmo com a predominância muçulmana, isso quase não aconteceu. As pessoas de lá são religiosas, mas não de uma forma tão fervorosa como na Turquia, por exemplo. Quando chegamos na Turquia, ouvimos esses chamados logo nas primeiras cidades e como haviam muitas mesquitas, eles vinham de todos os lados. Os muçulmanos fazem suas orações cinco vezes ao dia, sendo a primeira ainda antes do nascer o sol e para cada oração, os cânticos são entoados nas mesquitas.

Essa era a segunda vez que visitávamos a Turquia. A primeira foi em nossa primeira viagem de volta ao mundo, quando entramos pelo leste vindos do Irã e saímos pelo sul, a caminho da Síria. Isso foi em 2008, quando a Síria não enfrentava os problemas atuais. Mas nessa segunda passagem pela Turquia o nosso caminho não chegou a cruzar com o da primeira, pois entramos pelo norte, vindos da Geórgia e dirigimos acompanhando o Mar Negro até a Bulgária, sem nos distanciar de sua margem mais do que 100km.

A Turquia, ou melhor, o Império Otomano, teve um passado glorioso. Seu povo venceu o Império Bizantino e conquistou Constantinopla, hoje Istambul. Nos séculos 16 e 17 chegou a ser uma das maiores potências mundiais, tendo seu império abrangido grande parte do Sudeste da Europa (região do Balcãs), da Ásia Ocidental, do Cáucaso e do Norte da África. Com essa expansão, os turcos deixaram sua marca espalhada em grande parte desse território, principalmente em se falando de culinária, religião e arquitetura. Sobre culinária, é saborosíssima e famosa mundialmente, na qual o prato mais conhecido é o kebab. Referente a religião, ela foi levada para muitos países vizinhos, que atualmente ainda praticam o islamismo. A arquitetura, que também é um ícone, ainda está presente na Albânia, Bósnia, dentre outros países. E, onde há uma cidade Otomana fora da Turquia, pode contar que é um dos cartões postais do país, pois é muito bonita.

Era inverno quando estivemos por lá, então o frio e a neve não nos deram muita oportunidade para explorarmos a natureza, fazendo-nos prevalecer nas cidades. As primeiras, como Rize, destacaram-se pela produção de chá. Nas baixadas ficavam as centenas de prédios aglomerados, mostrando que as cidades eram muito populosas e nas montanhas as plantações de chá, que de longe pareciam um tapete bordado verde musgo. Quando o mau tempo dava uma brecha, por trás das cidades nós víamos os picos nevados pertencentes aos Montes Pônticos.

Próximo a Trabzon, saímos da rodovia costeira para conhecer algo que não é muito comum na Turquia – um monastério. Ele segue a tradição cristã dos países do Cáucaso, tendo sido construído numa montanha linda e longe da interferência urbana. O diferencial é que essa construção fica simplesmente pendurada no paredão, como se fosse uma planta trepadeira. Acredita-se que esse monastério foi fundado na época de Teodoro Primeiro, um dos imperadores bizantinos e ampliou-se no século 6. A aparência atual é mantida desde o século 13. O curioso é que os turcos não o destruíram ou transformaram em mesquita. Isso aconteceu com outras igrejas do país, a exemplo da mais importante, Aya Sophya em Istambul. Não pudemos visitar o monastério por dentro, pois estava fechado por ser inverno, mas valeu a visita por termos subido uma montanha alta a sua frente, de onde tivemos uma vista privilegiada. Em nossa caminhada, que durou umas duas horas, um cachorro nos acompanhou por todo o caminho, até nas partes mais íngremes onde ainda havia neve e foi difícil de subir. Quando ele andava mais rápido que nós, olhava para trás com cara de quem queria nos dizer: “Vocês não podem vir mais rápido?”. Devíamos tê-lo dado uma gorjeta por ter nos guiado pela montanha e pela agradável companhia.

Voltamos para a costa e fomos acompanhando o mar em sentido sudoeste. Após Samsun, saímos novamente da costa e dirigimos pelas montanhas até Amasya e depois Safranbolu. Um detalhe é que as estradas melhoraram muito desde que entramos no país e grande parte delas eram duplicadas. Não éramos muito fãs disso, pois sendo donos de Land Rover, quando a estrada era silenciosa, passávamos a escutar cada barulho diferente no carro que não escutávamos quando a estrada era ruim. E Land Rovers fazem barulhos, pode ter certeza.

Amasya e Safranbolu são a prova do que escrevemos sobre a arquitetura otomana, que é muito bonita. As nossas fotos falam por si só. As casas dessas cidades eram simples, todas brancas, mas possuíam um charme especial. Em Amasya, além da arquitetura das casas, encontravam-se tumbas escavadas na rocha muito antigas, dos Reis Pônticos. Arqueólogos também encontraram evidencias de que nessa cidade já havia vida há mais de 7.500 anos atrás.

Voltamos para a costa para visitar mais uma cidade encantadora, Amasra. Ela foi construída numa ilha, que foi ligada ao continente por uma pequena ponte de pedra. Vimos castelos, igreja que se transformou em mesquita, casas e outras construções muito antigas. Era gostoso caminhar e desvendar a cidade por suas ruelas estreitas. Ali tivemos a companhia de mais um cachorro que se disponibilizou como nosso guia. Incrível, parece que na Turquia eles são treinados para isso. Outras pessoas agradavam o cachorro fazendo cafuné em sua cabeça, mas ele não nos abandonava e seguia sempre na frente, nos mostrando o caminho. Fizemos brincadeiras com ele, ficando para trás por alguns minutos para ver sua reação. Quando decidíamos ir em frente e dobrávamos a esquina, lá estava ele, sentado, paciente, esperando por nós. Provavelmente querendo nos perguntar: “Vocês não podem vir mais rápido?” Na Turquia e países vizinhos vimos muitos cachorros e gatos de rua, mas todos pareciam bem tratados. Aparentemente eles não pertencem a uma pessoa ou outra, mas a comunidade alimenta a todos.

Nós já não estávamos mais acostumados com metrópoles, então a chegada a Istambul nos assustou um pouco. Sua área metropolitana hospeda mais de 13 milhões de habitantes. Mas também, pense na história dessa cidade. Quem nunca ouviu falar de Constantinopla, a cidade que fora capital do Império Romano, do Império Bizantino e depois do Império Otomano? No decorrer da Idade Média foi a maior e mais rica cidade da Europa e na época bizantina, era também a capital da Cristandade. Mas Istambul, ou Constantinopla no passado, não se situa somente na Europa. O Canal de Bósforo que a corta ao meio de norte a sul, além de ligar o Mar Negro ao Mar de Mármara (que se conecta com o Mediterrâneo e após o Oceano Atlântico), divide a Ásia da Europa. Existe lugar mais estratégico do que esse?

Nosso QG foi no lado europeu da cidade e para chegarmos lá tivemos que cruzar o Estreito de Bósforo com um ferry. Há uma ponte mais ao norte e um túnel que passa por debaixo do canal, que é limitado a carros de até 2,8 metros de altura. Tivemos sorte de achar, no meio da metrópole, um belo estacionamento de frente para o Mar de Mármara, onde pudemos a acampar. Era seguro e próximo ao centro histórico, tudo o que queríamos. Resultado: ficamos quatro dias acampados ali. Mas também já estava na hora de darmos uma parada para nos organizarmos. Nós precisávamos, além de conhecer a cidade, lavar roupa e imprimir algumas cópias do nosso livro em inglês pois já havíamos vendido todas que tínhamos.

A cidade antiga de Istambul é muito turística. Mas de alguns anos para cá, devido a instabilidade política e de segurança do país, a cidade tem sofrido muito com a queda do turismo. Isso aconteceu principalmente devido a alguns atentados terroristas. E os turcos já são, por natureza, persuasivos em suas vendas, mas agora então, que seu faturamento está baixo, eles não perdoam ninguém que passa na frente de seu restaurante. Muitas vezes fomos convencidos de entrar e temos que confessar que nunca nos arrependemos, pois a comida deles faz dar água na boca até hoje. No bazar de Istambul, que é um labirinto de ruelas cobertas com uma loja do lado da outra, o assedio era ainda mais intenso. Um turco nos disse assim: “entre em minha loja que eu te ajudo a gastar o seu dinheiro”. Nós dávamos risada. Mas o povo turco, especialmente fora das regiões turísticas, é muito amigável e acolhedor e preserva muito seus costumes. Ninguém vive sem o chá tradicional. Ele é servido nas ruas, lojas e em todos lugares, por pessoas que vivem disso. Para transporta-los, os mini copos são transportados numa bandeja pendulo de prata que garante que o liquido não derrame nas manobras feitas para desviar dos transeuntes.

O centro histórico de Istambul é tomado por casas antigas, mas na praça principal, chamada Sultanahmet, duas construções roubam a cena. São a Aya Sophya e a Mesquita Azul. Conhecida como Sancta Sophia em latim, a Aya Sophya foi construída com o intuito de restaurar a grandiosidade do Império Romano, tendo sido finalizada no ano 537d.C. Era a mais importante obra cristã no mundo, até que os Turcos conquistaram Constantinopla em 1453. O vitorioso Mehmet, o Conquistador, converteu a igreja numa mesquita e ela serviu ao islamismo até 1935, ano em que foi transformada num museu. Por fora ela não tem muita graça e mascara o esplendor interior. A cúpula, as portas, as paredes, as pinturas cristãs que ainda se preservam entre as inscrições islâmicas e os mosaicos são simplesmente maravilhosos. Tão linda e grandiosa, que no século 17, Sultão Ahmet decidiu rivaliza-la construindo em sua frente a Mesquita Azul, a qual destaca-se inclusive quando se está no lado asiático da cidade. Pelo seu aspecto exterior, o sultão teve sucesso, mas internamente nada se compara a Aya Sophya, que é considerada a construção mais gloriosa do mundo. Só visitando-a para entender.

E assim foi nossa passagem pela Turquia, um país encantador e que mais uma vez nos surpreendeu. Deixamos Istambul e rumamos para o primeiro país pertencente a União Europeia, a Bulgária.

 

Itinerário percorrido

Itinerário Turquia

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