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Diário de Bordo 57 – Finlândia

(06/07/2017 a 26/07/2017)

Dando seguimento a viagem, nós partimos de São Petersburgo, Rússia, e dirigimos para a Finlândia. Nossa expectativa era alta, especialmente por sabermos antecipadamente da grande quantidade de lagos que existem nesse país, que é considerado o país do mundo com a maior área alagada em proporção ao seu território. Era verão e pelo jeito, nossa canoa seria a melhor forma de aproveitarmos a natureza nórdica. Mas havia mais um motivo que nos deixava ansiosos – reencontraríamos Helena, Marcus e seu filho Davi, amigos que não víamos desde nossa festa de despedida há três anos atrás.

Helena e Davi vieram a nosso encontro em Porvoo. Após os abraços de reencontro, fomos caminhar na cidade que é a segunda mais antiga do país, conhecida por suas casas em madeira do século 18 e 19 muito bem preservadas e pela catedral do século 15. É curioso que trinta por cento da população de Porvoo fala sueco como língua mãe. Isto se dá pelo país ter pertencido ao Reino da Suécia no passado. Em 1808 e 1809, porem, durante a Guerra Finlandesa, foi a vez das forças do Império Russo conquistarem o território. Somente em 1917 que o governo finlandês passou a agir no sentido de garantir sua autonomia e declarou independência. Apesar da guerra civil, guerras contra a União Soviética e contra a Alemanha Nazista que aconteceram após a independência, hoje, a Finlândia é considerada o segundo país mais estável do mundo (depois da Dinamarca) se considerarmos os indicadores sociais, econômicos, políticos e militares. Na década de 70, o país atingiu um dos melhores níveis de renda e qualidade de vida do mundo e numa pesquisa recente, ganhou a primeira posição no World Happyness Report (espécie de relatório mundial da felicidade) onde foi considerado o país mais feliz do mundo.

Em Helsinque, a capital, onde nossos amigos moram, Marcus nos aguardava com uma torta de cogumelos, salada e vinho e a conversa para nos atualizarmos do que aconteceu com cada casal nos últimos anos se estendeu noite adentro.

Nós ficamos alguns dias na cidade e, guiados pelos amigos, fizemos vários passeios – alguns a pé, outros de carro, bicicleta ou canoa. A canoa nos rendeu boas risadas. Roy e Marcus, num descuido, viraram a canoa e experimentaram as águas congelantes do Golfo da Finlândia.

Helsinque é uma cidade limpa, organizada e bonita, tanto por sua natureza, quanto pela sua arquitetura, com apenas edifícios baixos. Os finlandeses, alias, são conhecidos mundialmente pelo seu design. A resposta para isso, segundo um conhecido nosso de São Petersburgo, é que eles tem todas as necessidades da pirâmide de Maslow atendidas e lhes sobra tempo e tranquilidade para criar. Maslow disse que as necessidades de sua representação piramidal devem ser satisfeitas de baixo para cima, ou seja, não se consegue satisfazer uma necessidade de cima sem que se tenha satisfeito as de baixo primeiro. São elas: (1)fisiológicas básicas; (2)segurança; (3)amor/relacionamento; (4)estima; e (5)realização pessoal. Um cidadão dificilmente estará realizado, se não tiver o que comer, segurança, uma casa, uma família e assim por diante. Se a conclusão de nosso conhecido procede, não temos certeza, mas seu ponto de vista não deixa de ser interessante.

Conhecemos a Biblioteca da Universidade, com seu design interno simples e cativante. Visitamos igrejas, museus, mercados, praças e palácios e ficamos felizes ao ver que, mesmo que tão criativos, os finlandeses deixaram um espaço para a arte brasileira numa passagem subterrânea da cidade – uma pichação dos artistas “Os Gêmeos”. Nós visitamos também a Ilha Suomenlinna, com ruínas de fortificações antigas construídas para proteger a cidade dos russos.

Mas os finlandeses possuem outra característica que nos deixou surpresos. Isso é peculiar também nos demais países nórdicos. São muito reservados, tímidos e respeitam muito a privacidade alheia. De tanto respeito, são feitas até piadas: dizem que quando um finlandês quer sair de seu apartamento, abre discretamente a porta para ver se não há ninguém circulando no corredor. Se houver, ele espera a pessoa sair, para que não precise “pagar o mico” de cumprimenta-la ou de ter que dividir o elevador com ela.

O verão nos países nórdicos é uma delícia, pois a luz do dia praticamente não se extingue. Numa oportunidade em que os homens (Marcus e Roy) fizeram um passeio de bicicleta, viram o sol se pôr pela meia-noite e nascer duas horas depois. O passeio percorreu trilhas e plataformas sobre a região alagada da cidade, que levavam a locais próprios para a observação de pássaros. Tudo lá é feito com muito zelo e capricho, mostrando que os governantes realmente trabalham para o povo.

Nós seguimos viagem para o Nordeste do país e nossos amigos, que estavam no começo de suas férias de verão, foram para ao Oeste para participar de um concerto musical. Mas o plano era de nos reencontrarmos para passarmos mais alguns dias juntos.

Como a natureza era o que nos chamava, deixamos a cidade e fomos em busca dos lagos e da ótima infraestrutura que o país tem para se acampar. Há inúmeros campings gratuitos com banheiros limpos (com papel higiênico) e churrasqueiras, onde inclusive a lenha é fornecida gratuitamente. Junto a pilha de lenha era sempre deixado serrote e machado para que pudéssemos pica-la, quando a lenha cortada acabasse. Na Finlândia existe uma regra chamada “every man’s right”; em português: “direito de todo homem”. Isso significa que mesmo que hajam terrenos particulares, todos, sem exceção, podem passar por ele, desde que seja a pé. É uma terra sem porteiras.

Um passeio maravilhoso de dois dias que fizemos com nossa canoa foi no Parque Nacional Kolovesi. É uma região de lagos, com ilhas por todos os lados, que criaram labirintos para os barcos. O que mais nos atraiu para lá foi que não são permitidos barcos a motor, então o silencio e a total interação com a natureza estavam garantidos. Nós remamos diversos quilômetros em dois dias, as vezes por partes abertas e outras por passagens estreitas, sempre atentos a movimentos que pudessem acontecer na água, pois o parque é habitat de uma espécie de foca rara, conhecida por Foca Anelada de Saimaa. Chegamos a ver uma por um brevíssimo momento, quando se atirou na água da barranca do lago. No camping que pernoitamos, as 23hs, ainda estávamos fotografando com a melhor luz do dia, quando o sol se aproxima do horizonte.

O Parque Nacional Koli foi mais um destaque da viagem. Localiza-se as margens do Lago Pielinen, com suas ilhas estreitas e compridas. De uma montanha com aproximadamente 350 metros de altitude foi possível ver o lago todo, que é muito bonito. A propósito, essa é uma das paisagens preferidas dos finlandeses, já que é um dos únicos lugares do país onde é possível se ter uma vista do alto. Em Koli nós tentamos, inclusive, decolar nosso paramotor para fotografar o lago de outros ângulos, mas infelizmente não conseguimos, mesmo depois de inúmeras tentativas. Terminamos nosso dia num lindo lugar para acampar, mas com a sensação amarga da missão aérea não cumprida.

Marcus, Helena e Davi, a partir desse acampamento, aderiram a nossa expedição na natureza. Com eles passamos mais uma semana pingando de lago em lago, de um acampamento para outro. Foi muito legal. E pela paixão e conhecimento do Marcus por comidas que podem ser extraídas da floresta, passamos a olhar mais para o chão do que nunca, sempre a procura de cogumelos e frutos silvestres. Numa noite o Marcus preparou cogumelos que coletamos numa caminhada, refogados na manteiga com alho poró. Deliciosos.

Nesses dias junto a eles nós aprendemos muito sobre as tradições do país, do tipo: salsicha assada e marshmallows com bolacha e chocolate. A salsicha se parece bem industrializada, e o costume é que cada um asse a sua em um espeto em formato de garfo longo, que geralmente são disponibilizados nos campings.

A Finlândia também é sinônimo de sauna. A propósito, “sauna” é um nome finlandês, um dos únicos dessa língua que se tornou internacionalmente utilizado, já que foi inventada nesse país. Dizem que existe uma sauna para cada 2 pessoas, ou melhor, existe quase uma sauna em cada casa. Quando surgia uma oportunidade, aproveitávamos, pois mesmo que viajávamos no verão, o clima estava frio. A melhor que experimentamos ficava num camping, mas o único horário livre que conseguimos foi a meia noite. Mesmo assim foi uma delicia, ainda mais quando intercalávamos o calor com um mergulho no lago gelado. Sentíamos nosso sangue pulsar nas veias.

O Parque Nacional Hossa foi o último que conhecemos na companhia de nossos amigos. Lá, pela latitude elevada, passamos a ver muitas renas e sentir na pele, cada vez mais, a presença dos mosquitos. Foi aniversário da Helena e para comemorarmos, continuamos acampando, caminhando, remando e jogando conversa fora até altas horas da noite. Para se ter uma ideia do quão claras nossas noites estavam, numa delas jogamos baralho até as duas da manhã, sem qualquer luz de lanterna ou lampião.

Infelizmente o período de férias de nossos queridos amigos havia chegado ao fim, então tivemos que nos separar. Eles voltaram para a capital Helsinque e nós continuamos nossa viagem ao norte, para voltarmos pela quinta e última vez à Rússia. Dessa vez para a inóspita região da Península de Kola.

Itinerário percorrido

Itinerário Finlândia

Fotos

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