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Diário de Bordo 7 – Brasil 2

(05/09/2014 a 27/09/2014)

Comitiva Esperança…

Quem não conhece a música “COMITIVA ESPERANÇA” de Almir Sater e Paulo Simões? Pois bem, para quem quiser ouvir Sergio Reis e Almir Sater cantando-a, clique aqui. Esta música foi tema da novela “O Pantanal”, gravada na década de 90 nas terras onde andamos nesses últimos dias. A sua letra retrata um pouco da nossa emoção em conhecer mais a fundo este maravilhoso pedaço de Brasil.

 

Letra original da música em negrito.

Nossa viagem não é ligeira, ninguém tem pressa de chegar

A nossa estrada, é boiadeira, não interessa onde vai dar

Onde a Comitiva Esperança, chega já começa a festança

Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguá

Vai descendo o Piquiri, o São Lourenço e o Paraguai...

 

Nosso ritmo de viagem também é assim, em passos lentos e sem ter pressa de chegar. Apesar de sabermos nosso destino, dificilmente sabemos o que veremos depois da próxima curva ou do próximo rio. Onde faremos nossa próxima refeição ou pernoite, simplesmente acontece da oportunidade de se achar um lugar com uma vista bonita. Assim como os boiadeiros da Comitiva Esperança, temos uma liberdade que só é possível a cavalo por essas bandas ou com uma casa sobre rodas, que é nosso caso.

Há muitas comitivas nesse território que é imenso, pertencente a três países: Brasil, Bolívia e Paraguai. Por ser tão extenso (+/- 250.000 quilômetros quadrados), é composto por diferentes vegetações. Há Floresta Amazônica, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Chaco. E como seu próprio nome diz, o Pantanal é uma extensão de terra alagadiça, uma das maiores do planeta. No Brasil são cerca de 125.000km2, dos quais 65% situam-se no Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. Sua altitude media é de 100 metros acima do nível do mar.

Quem dita as regras no Pantanal são as chuvas, que dividem a vida por ali em dois períodos distintos. Entre maio e outubro o da seca, quando os campos e bancos de areia são descobertos das águas e os rios voltam a seus leitos naturais. De novembro a abril as chuvas caem torrencialmente nas cabeceiras dos principais rios e tudo volta pra debaixo d’água. O aguaceiro, que devido a vários fatores tem baixo escoamento, eleva o nível das baías permanentes, cria outras, transborda os rios e alaga os campos, deixando de fora apenas morros isolados que passam a ser verdadeiras ilhas dentro de um mar de interior.

Dentro deste contraste da natureza, a vontade de desbrava-la era imensa, principalmente pela possibilidade de ver, na vida selvagem, a destemida onça-pintada.

Começamos nosso embrenho pelo Pantanal Norte, via Rodovia Transpantaneira, que inicia a 100km ao sul de Cuiabá, em Poconé, e ao longo dos seus 150km, cruza 120 pontes. Já imaginou uma estrada com praticamente uma ponte para cada quilometro? A estrada é uma reta só, linda demais e te leva até Porto Jofre. Logo nos primeiros quilômetros pudemos constatar a grande diversidade de animais e pássaros. Nós levamos exatas 24 horas para fazer este percurso, de tantas vezes que paramos. Cervos Pantaneiros, veados campeiros e mateiros, capivaras, porcos monteiros, catetos, jacarés, tuiuiús, carcarás, ariranhas, tatus, quatis, graxains, garças, tucanos, emas, papagaios, araras de todas as cores, seriemas, curicacas, mutuns, etc… Muita vida mesmo.

Mas a maior chance de se ver onças, apesar de também ser possível na Transpantaneira, é embarcando num barco em Porto Jofre para navegar os rios da região. A onça é mais facilmente vista nas barrancas do rio, quando vem beber água e se refrescar, pois nessa época do ano as temperaturas são muito quentes.

Em Porto Jofre pernoitamos num camping, onde conhecemos Renata e William, um casal de biólogos de Brasília que em suas férias vem seguidamente para essa região para contemplar a vida animal. Falamos do nosso sonho de ver a onça e eles prontamente ofereceram seu barco, já que noutro dia teriam que viajar a Poconé. Nós aceitamos na hora… Agora pensem em nossa empolgação quando falaram que viram seis onças no dia anterior??? E mais, em conversas via internet semanas mais tarde, ficamos sabendo que eles viram, nos 10 dias em Porto Jofre, nada menos que 12 exemplares desse felino.

A noite fez muito calor, sendo que foi até difícil dormir. Mas noutro dia, ao amanhecer, já estávamos embarcados para navegarmos em três rios: o Cuiabá, o Piquiri e o Três Irmãos. Dizem que a densidade demográfica de animais naquela região é uma das maiores do Brasil. Quanto a onça, mais um indício: no dia anterior a nossa chegada, para quem levantou bem cedo, pode ver uma delas do próprio acampamento, da para acreditar? Ela perambulava por um pequeno banco de areia a meros 50 metros do camping.

Enquanto o barco deslizava por aquelas águas, nossos olhares não saiam da mata. Tinha vezes que, sinceramente, chegávamos a ver a onça, mas só em nossos pensamentos. Até brincávamos um com o outro que quase havíamos visto ela, pois haviam determinadas sombras tão convidativas, que até nós, se fossemos onças, estaríamos ali deitados. Então, nós “quase” vimos a onça por muitas vezes…

De repente nosso piloteiro foi informado, via rádio, que outro barco havia visto uma onça. Passou as coordenadas e fomos voando para lá. É dessa forma que aumentam as possibilidades de se ver o felino, sendo que praticamente todos barcos que ali navegam estão a procura da onça. Mas chegamos tarde.

E a caça continuava. Aliás, já era de tarde e nada da tal da onça! Até que ouvimos mais um chamado pelo rádio. Nos aproximamos do local e ainda de longe, avistamos outros barcos parados. Dessa vez ela não escapa, pensamos! Dito e feito, lá estava ela, um pouco longe da margem, mas dava para ver bem. Levantava, deitava, girava e caminhava. Percebemos nitidamente que estava incomodada com o calor e insetos. A única coisa que talvez tenha nos desapontado um pouco foi ela possuir um localizador em seu pescoço. Talvez sem ele nem a tivéssemos visto, mas é algo que não faz parte de sua natureza. Segundo o piloteiro, é uma das únicas onças da região que possui esse equipamento, que foi, provavelmente, colocado por uma empresa de turismo, pois a onça é o maior atrativo dali. Mas mesmo assim valeu a pena. Aquela onça não tem culpa de estar com o colar e era linda e exuberante como qualquer outra. E que dentes!

 

Tá de passagem, abre a porteira, conforme for pra pernoitar

Se a gente é boa, hospitaleira, a Comitiva vai tocar

Moda ligeira, que é uma doideira, assanha o povo e faz dançar

Oh moda lenta que faz sonhar

Onde a Comitiva Esperança chega já começa a festança

Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás

Vai descendo o Piquiri, o São Lourênço e o Paraguai…

 

Há uma certa similaridade entre nós e esta música. Para conhecer o Pantanal do Sul, assim como os boiadeiros da comitiva, fomos muito bem recebidos pelos mato-sul-grossenses em suas cidades. Agradecemos pela hospitalidade e amizade em Campo Grande de: Argeu e Sonja, Iandara e Ricardo, Nelson e Jéssica, Romeo, André e Ana Paula, Álvaro e Christiana, Armando e Carla, toda equipe da Land Car, coordenada pelo Denilson; em Aquidauana de: Kleber, Rhobson e Lise, Leonel e Ângela; e em Corumbá de: Pedro e Nicole, Chico e Marlene e demais amigos mato-sul-grossenses. Gente muito hospitaleira, que nos auxiliaram em tudo o que precisamos.

A entrada no Pantanal do Sul se deu via Aquidauana, quando rodamos 70km numa estrada de aterro até a estrada pantaneira da Fazenda Retirinho. Ali já apareceram os primeiros animais, inclusive o tamanduá-bandeira, que há tempos já estávamos procurando. O aterro termina e vira estrada pantaneira, com muita areia e alguns atoleiros, mesmo que a época era de seca. Fomos neste dia até a Fazenda Barra Mansa, as margens do Rio Negro e quem fez esse trajeto conosco foi o animado casal Argeu e Sonja, com seu Troller, mas tiveram que voltar naquele mesmo dia devido a alguns compromissos.

Tomamos um belo banho no Rio Negro para refrescar e de repente a Michelle gritou: “Ai meu Deus!!!” Era porque um jacaré cuidava de nossos chinelos logo na saída do rio, e nós ali dentro da água ainda, kkkkk. A noite, no acampamento, focamos com nossa lanterna um veado mateiro. Mantivemos a luz em seus olhos e com isso ele veio direto ao nosso encontro! Chegou a ficar um metro de distância por vários segundos.

Noutro dia, contrariando um pouco alguns conselhos de que não se viaja sozinho no Pantanal, seguimos em frente, sentido a Fazenda Rio Negro, onde a novela “O Pantanal” foi gravada. A partir desse dia que começamos a entender um pouco mais como funciona esse lugar mágico. Se assemelha muito a qualquer outro lugar no Brasil, mas o que seriam cidades que você vai cruzando em uma viagem, ali eram fazendas. Todas as estradas são particulares, mas precisam dar passagem aos viajantes, até porque a maioria das fazendas não possuem acesso por via pública. E o tamanho delas nos chamou a atenção. Tem fazenda de menos de 10.000 hectares, mas há fazenda que passa de 50.000. Todas de pecuária, com muitas cabeças de gado.

No caso das comitivas, como diz a música, são viagens lentas de transporte de gado, com quantidades acima de mil cabeças. Para isso, existe uma prática entre as fazendas, que cedem pouso e comida aos boiadeiros e pastagem aos bois. É um sistema muito interessante de cooperativismo!

Para nós, por exemplo, nos foi autorizado acampar na Fazenda Rio Negro. Ficamos duas noites por lá e durante o dia, remamos uma espécie de barco canadense no Rio Negro e fizemos um belo voo de paramotor sobre a fazenda, além de vários banhos de rio, junto aos jacarés, para refrescar do calor que era muito intenso.

Dali para frente passamos pelas fazendas: Tupanciretã, Fazendinha, São Jorge, Santa Maria, Retiro e Firme. Podemos até estar enganados com alguns nomes e pode ser também que passamos por algumas que nem sabíamos. O que acontece é que não tínhamos um roteiro de GPS. Íamos basicamente pelos rastros de pneus e pela intuição, pois formam-se centenas de estradas para todos os lados interligando as fazendas. Além dos desvios, quando são feitos para evitar regiões alagadiças ou atoleiros. E portões que não acabavam mais, ressalta a Michelle, a menina da porteira.

Por falar em atoleiros, não conseguimos ficar longe deles. Neste dia de deslocamento, na fazenda Tupanciretã, pegamos várias regiões alagadas. Dizem ser as vazantes, que dificilmente secam e ali o bicho pegou. Passamos por várias sem ter problemas, mas em duas encalhamos, com a água entrando levemente pelas portas.

Quando se tem algo para fixar o guincho, tudo bem, mas e quando não tem? O jeito é macaquear o carro com o high-lift-jack (conhecido por muitos como Chicão) e erguer as rodas para utilizar as pranchas de desatolar.

 

É, tempo bom que tava por lá,

Nem vontade de regressar

Só vortemo eu vô confessar

É que as águas chegaram em Janeiro, deslocamos um barco ligeiro

Fomos pra Corumbá.

 

Última noite no Pantanal, com chuva, acampamos na Fazenda Firme (região da Nhecolândia) e noutro dia cedo chegamos na Curva do Leque, Estrada Parque, que cruza o Rio Paraguai (balsa) e liga o Pantanal com Corumbá.

Fomos pra Corumbá!!! E terminamos esse trajeto em Corumbá, ouvindo a música Comitiva Esperança no show do Almir Sater em comemoração aos 236 anos da cidade. Até nos arrepiamos.

Parece tudo perfeito, não é? Até a música parece ir contando nossa história! Mas nem tudo é 100% alegria. Motivados por um ronco estranho vindo debaixo do carro e, também, devido termos pego águas profundas no Pantanal, fomos checar o óleo dos diferenciais e caixas, pensando que a água pudesse ter entrado e provocado algum problema.

O resultado foi:

–       diferencial dianteiro sem água e óleo no nível;

–       diferencial traseiro com um pouco de água, então trocamos o óleo;

–       caixa de marchas, perfeita;

–       caixa de transferência, nada de água, mas também quase nada de óleo.

Por este motivo acima, acabamos tendo que voltar 420km até Campo Grande para fazer mais manutenções. Trocamos um rolamento do diferencial traseiro e abrimos a caixa de transferência. Aparentemente sem grandes danos, mas a cantoria das engrenagens agora nos acompanha pelas estradas. Nosso plano, então, é viajar até Santa Cruz de La Sierra – Bolívia e ver como tudo isso se comporta. Se precisar, teremos mais pit-stops a fazer…

Nos vemos na Bolívia!

 

PS 1 – Apesar do leste do Pantanal estar seco, o oeste, nas proximidades da Curva do Leque estava debaixo d’água até uma semana antes de nossa passagem por lá. Isso deu-se devido a chuvas fora de época que aconteceram na cabeceira do Rio Paraguai, o maior rio da região.

PS 2 – Em todo o Pantanal pegamos muito calor. A brisa, que amenizava um pouco a situação, ia embora junto com o sol. A noite que nós mais sentíamos. E se não fosse suficiente aquele ar quente parado, ele dava condições perfeitas para os mosquitos e outros insetos. Nós contamos, numa noite, mais de 65 mordidas de mosquito em apenas uma perna do Roy.

PS 3 – Um fato cômico. No caminho de Corumbá até Campo Grande, quando voltávamos para verificar o problema na caixa de transferência do Lobo, a ponte do Rio Paraguai estava em obras, deixando apenas uma via para os carros passarem. Paramos na barreira para esperarmos os carros em sentido contrário passarem e nesse tempo a Michelle avistou um gatinho, muito pequeno ainda, sozinho naquele lugar e entrou debaixo do carro a nossa frente. Ela desembarcou e foi lá tira-lo, já que ele poderia ser atropelado quando o carro começasse a andar. Vendo aquilo, um homem do DNIT se mobilizou e veio ajuda-la, mas assustou o gato, que veio embaixo de nosso carro e, acreditem, entrou num espaçamento de 2cm, entre a roda e o disco de freio do Lobo. Como este gato devia estar em fase de crescimento, quando fomos tira-lo de lá, ele não saia por nada. Não passava por aquele espaço tão pequeno. Conclusão: nossa fila andou, parou, andou, parou e nós lá, macaqueando o carro e tirando a roda para podermos tirar o gato!

Itinerário percorrido

Itinerário 7

Fotos

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