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Diário de Bordo 18 – Austrália 4

Diário de Bordo

(04/08/2007 a 17/08/2007)

Foi como viajar de São Bento até o Rio de Janeiro (+/-1.000km so de ida) somente por estradas de chão, para atingir o Cape York no extremo norte da Austrália… E mais emocionante do que estar lá foi o caminho percorrido!!

Finalmente, no dia 28 de julho, cruzamos o Trópico de Capricórnio e a mudança de temperatura foi perceptível. Agora aproveitamos nossos dias de camiseta, bermuda e chinelão e às vezes o sol está de rachar.

Ainda em Cairns passamos dois dias organizando nossas coisas e tratamos da extensão do nosso visto, quando três meses vai ser pouco tempo para conhecer a Austrália (pretendemos ficar aqui até o dia 01 de outubro). Subimos a costa norte sem fazermos muitas paradas, pois nosso grande objetivo por essas bandas era montar um acampamento no Cape York.

O Cape York é uma das zonas mais selvagens e despovoadas da Austrália, conhecida como a “Última Fronteira”, a qual aloja belos parques nacionais onde se revezam selvas, montanhas e pântanos. A península possui duas estações bem definidas: a úmida que dura de novembro a abril, quando os rios alagam tudo tornando as ruas intransponíveis (parecido com o norte do Brasil); e a seca, nos meses restantes, quando as nuvens de poeira dominam a paisagem. Mas como já falamos, o que valeu mesmo nessa aventura foi tudo o que passamos e o tanto de poeira que comemos. Agora sim podemos dizer: “Eu estive no Cape York!”… e essa aventura relatamos passo a passo para vocês.

Num de nossos acampamentos anteriores conhecemos nossos vizinhos de porta, um casal australiano da Tasmânia que está viajando a Austrália. Conversa vai, conversa vem, falamos que gostaríamos de comprar equipamentos de pesca para tentarmos garantir a nossa janta. O senhor, muito querido, entrou em seu motor-home e trouxe duas carretilhas e duas varas de pesca meio antigas, porém funcionando, as quais nos deu de presente. Seguimos aquele dia com o sorriso na orelha, pois agora poderíamos pescar… Nossa primeira tentativa de pesca foi num lugar chamado Archer Point, onde paramos para passar uma noite. Foi um fiasco total, primeiro porque a Michelle não parava de fazer uma nozeira na linha e depois o Roy, tentando ajeitar melhor uma das carretilhas a deixou cair e ela flupt dentro do mar. Ficamos super chateados que em nosso primeiro dia de pesca já tínhamos perdido uma das carretilhas, mas a comédia não acabou por aqui…

Para quem não sabe, um dos integrantes da Expedição, mais conhecido como Royvolver, costuma ter ataques de sonambulismo. Os últimos meses tinham sido tranqüilos, porém, neste mesmo dia, ele resolveu aprontar durante a noite. Foi umas três vezes para o banco do motorista e em uma delas, DORMINDO, ligou o carro e começou a manobrar para frente e para trás. No outro dia quando acordamos, vimos a segunda carretilha de pesca no chão e totalmente quebrada, assim como a vara, pois o Roy tinha passado por cima de ambas durante as suas manobras noturnas. Em menos de um dia, ficamos sem equipamentos de pesca novamente, sniff, sniff. Agora, esconder a chave do carro tornou-se uma rotina para a Michelle… enquanto que o Roy fez até um bilhete para ele mesmo, o qual coloca no volante dizendo: “Volta pra cama seu sonâmbulo babaca. Você está dormindo, caso você veio até aqui à noite. Ass: Eu mesmo.”

Pode???

Depois de cruzar as florestas tropicais chegamos na pacata Cooktown, onde as pessoas vivem para pescar. Foi nessa cidade que entre junho e agosto de 1770, o famoso Capitão Cook aportou para reparar seu barco, após bater em um recife de corais perto de Cape Tribulation. Em Cooktown fizemos um pit-stop para comprar comida e novos equipamentos de pesca e nos encantamos com a cidade. Subimos em um mirante com uma vista de 360º de onde é possível ver o mar, o rio Endeavour e a cidade, com seu ritmo devagar com tudo voltado para a pesca. Até demos umas arremessadas de linha do píer, mas foi só para molhar a isca mesmo.

Ainda bem que exploramos a barreira de corais mais ao sul, pois quanto mais norte vamos, mais perigoso fica entrar no mar. Existem praias paradisíacas que convidam para um mergulho, ainda mais com esse calor, mas entrar na água? De jeito nenhum!!! Primeiro por existirem diversos tubarões rondando o pedaço; segundo, porque existem dois tipos de águas vivas em quase toda a extensão da Grande Barreira de Corais. A maior possui tentáculos com mais de metros de comprimento, enquanto a menor possui apenas alguns centímetros, sendo que ambas podem ser mortais para o ser humano após o doloroso contato com esses animais. Por último, aqui na Austrália, existem os crocodilos-de-água-salgada, além dos de água doce, é claro.

O crocodilo-de-água-salgada é o maior reptil existente na atualidade e pode ser extremamente perigoso para o homem. A sua distribuição estende-se pelos Oceano Indico e Pacifico, desde a costa do Vietnã às Ilhas Salomao e Filipinas, sendo mais comum no Norte da Australia e Nova Guine. Este crocodilo habita rios e estuários, mas, como o nome indica, pode também ser encontrado em zonas costeiras de mar aberto (até 200km da costa). Os machos podem medir até 7 metros de comprimento e pesar até 1200 kg, enquanto que as fêmeas raramente crescem além dos 2,5 metros. O crocodilo-de-água-salgada é um animal exclusivamente carnívoro e, enquanto jovem, alimenta-se de anfíbios e pequenos peixes, passando os adultos para presas de maior porte como tartarugass, búfalos, macacos e outros animais que consegue apanhar. As presas são normalmente caçadas quando se deslocam para beber nos rios e são mortas com uma única dentada. Após a captura, o crocodilo normalmente consome a carcaça no fundo do rio. O maior desses bichinhos foi capturado na cidade de Normanton, no ano de 1957 e ele possuía só 8,63m de comprimento. Ainda não vimos nenhum desses “grandes lagartos”, mas é bem provável que eles já viram a gente, hehehe.

Bom, mas se vocês acham que só na água estamos em perigo, estão muito enganados. Das 10 cobras mais venenosas do mundo, 8 são australianas e o mais curioso é que do primeiro ao sexto lugar, a Austrália está invicta na lista. A número um que é chamada de Taipan, quando filhote, já possui veneno suficiente para matar 100 homens em uma só picada. Portanto, além de evitarmos tomar banho de rio e mar, sempre é bom olhar por onde andamos pois na estrada já cruzamos com várias cobras.

Deixando os perigos de lado e voltando a falar de aventura… Nossa primeira parada na península de Cape York foi na cidade, ou melhor, vilarejo de Laura. Ficamos sabendo com o pessoal do centro de informações, que éramos os dois primeiros brasileiros, em dois anos, a visitar o Cape York (segundo informações que eles tinham). Ficamos super honrados… Eles também nos indicaram falar com o senhor Harold, dono da vendinha, para obtermos informações de lugares legais para pescar. Chegando lá, Harold foi muito legal e receptivo, nos deu várias dicas e adorou saber que nós viemos do Brasil. Falou que há muito tempo atrás conheceu um casal de brasileiros que deu a volta ao mundo de avião. Pegamos um livro que justo estavamos lendo, do Gérard Moss, brasileiro que deu algumas voltas ao mundo de avião e mostramos a foto dele com sua esposa para o senhor e ele os reconheceu. Harold ficou super empolgado em ver a foto do casal que havia se hospedado em sua casa. Ele nos perguntou se gostaríamos de ver o primeiro carro que chegou na pontinha mais ao norte da Austrália e dissemos que sim. Pensamos que ele iria trazer uma foto, um folder, ou sei lá o que, mas de repente veio ele, todo metido, dirigindo um carro verde minúsculo. Era um Austin, idêntico ao primeiro veículo a alcançar o Cape York, e detalhe, do ano 1928. O Roy até foi dar uma volta com ele.

As estradas da região eram largas e praticamente retas, mas tinha horas que dava vontade de chorar, pois a rua estava virada em corrugations, as famosas costelas de vaca. Era de tremer até a alma, todas as nossas coisas dentro do carro começavam a vibrar e chegavam a trocar de lugar. Até nós dois, quando víamos, entávamos em bancos trocados, hehe. Na viagem encontramos vários cockatoos, pássaros branco e amarelo muito comuns aqui na Austrália, os quais fazem uma bagunça e barulheira danada e viajamos também por entre milhares de cupins, que pareciam castelinhos de areia com diversas torres, onde alguns alcançavam até 5m de altura. Quase todos os rios, fora os grandes, estavam secos, mas seus leitos mostravam que um dia passou um rio por ali e que quando a estação da chuva voltar, eles estarão lá novamente, cheios de crocodilos e peixes.

Pescamos no Kennedy River, onde, em nossa conversa de perscador, o menor peixe já tinha passado de 10kg. Pescador sempre aumenta a história um pouquinho, né? Eles não foram tão grandes assim, talvez passaram perto, mas conseguimos garantir uma janta e um almoço com essa diversão. Passamos também por Weipa, cidade mineira movida pela pesca e pela extração de bauxita e tomamos banho de cachoeiras cristalinas. Sim, tomamos banho de rio, pois por incrível que pareça, alguns rios não possuem crocodilos, pois estes não conseguem escalar as cachoeiras. O caminho para todos esses lugares foi rodado entre nuvens vermelhas de poeira, sendo que até criamos uma rotina diária, a de limpar o carro no final da tarde, porque parecia que toda a poeira do mundo tinha entrado no carro. Ainda bem que os móveis são vermelhos…

Querendo evitar a tremedeira da estrada principal, decidimos pegar uma rota alternativa conhecida por Old Telegraph Road. Esta é a trilha original por onde, nos anos de 1880, passava a linha do telégrafo que comunicava Cairns com a Ilha Thursday. A linha possuía apenas dois cabos e o código morse era transmitido via estações repetidoras, as quais hoje tornaram-se áreas de camping, abastecimento e suprimento de necessidades aos aventureiros que por ali se arriscam. Durante a Segunda Guerra Mundial, seis cabos foram usados para transmitir os sinais, também com o uso de repetidoras, porém em 1962, as comunicações passaram a ser feitas através de microondas e a Linha do Telégrafo deixou de existir. Apenas a trilha continuou sendo útil, pois este era o único acesso ao norte. Nos anos 70 foi construída uma nova rodovia seguindo o mesmo curso da trilha antiga, mas ainda existem alguns trechos da Old Telegraph Road, a qual tornou-se um desafio para os aventureiros.

A Old Telegraph Road é muito mais curta que a estrada principal, porém muito mais lenta por possuir muitos buracos, costelas de vaca, árvores por entre as quais o Lobo passava raspando, erosões, barrancos e vários rios de água cristalina para cruzarmos. E foi num desses rios que nos metemos em uma encrenca, pois o rio era fundo demais e como nós não temos snorkel em nosso carro, a água entrou pelo filtro de ar e foi parar no motor. O carro simplesmente parou no meio da água quando estávamos entrando em uma parte mais rasa. Para ajudar, esse deveria ser um rio de crocolilos… e todos deveriam estar rindo de nós e cobiçando o jantar. Tentamos dar a partida, mas o carro nem deu sinal de vida e então decidimos guinchá-lo para fora da água para vermos o que fazer. Mas guinchar como, se estávamos sem motor funcionando e nosso guincho é mecânico? O jeito foi guinchar pela manivela e manualmente. Força Roy e abre o olho Michelle, pois os crocs podem estar por aí! Não havia rastro de nenhum carro saindo da água, o que significava que ninguém tinha passado por ali a algum tempo e que era bom já irmos nos acostumando com a idéia de acampar lá mesmo. Quando estávamos quase tirando o carro do meio da água chegou um grupo de aventureiros e por sorte havia um mecânico entre eles. UFA! Por pouco não quebramos o motor do Lobo da Estrada no meio do nada. Abrimos os bicos-injetores e quando giramos o motor a água espirrou para fora. Saíu água até pelo cano de escape mas felizmente, após a operação, o nosso Lobo saiu ileso.

Acabamos fazendo novos amigos, com os quais acampamos nesta noite. No local deste acampamento, um motoqueiro sul-africano não teve a mesma sorte, sendo que sua moto, uma BMW GS-1200 com um pouco mais que 2.000km, baqueou dentro do rio. O que fazer? Não podíamos deixá-lo com os crocodilos… Ryan acabou passando os próximos seis dias conosco, pois estava muito longe de casa e com dificuldades de locomoção, devido a península ser, de certa forma, isolada. Nesses seis dias juntos, ajudamos Ryan buscar sua moto e embarcá-la no navio sentido a civilização; tomamos mais banhos de cachoeira; fizemos bons acampamentos; pescamos e em uma dessas pescarias o Roy pegou um barramundi, peixe muito apreciado na região; e alcançamos o tão esperado Cape York, com suas águas azuis e infestadas de croc-croc. Era tão frustrante ver aquela imensidão azul a nossa frente, com suas areias brancas, e não poder dar um mergulho se quer.

De volta à civilização, nos despedimos de nosso primeiro companheiro de Expedição, o Ryan, e seguimos rumo ao Outback, deserto australiano. A paisagem desses últimos dias foi muito parecida com a do Chaco argentino: plana, retas intermináveis, sempre a mesma vegetação e longas distâncias a percorrer. O único entretenimento que tínhamos era, de vez em quando, desviar dos passarinhos que estavam no meio da rua e tomar cuidado para não atropelar cangurus. Porém no final do dia, esta monotonia sempre era quebrada por pores-do-sol indescritíveis e por noites estreladas.

 

PS 1: É incrível a quantidade de moscas que existem aqui na Austrália, sendo impossível ficar parado sem ter dezenas delas nos perturbando. Dizem que no verão é pior ainda e que não dá para ficar sem roupas compridas e chapéus de rede.

PS 2: Para quem pensa que estamos comendo mal, aí vai o cardápio dos banquetes que comemos ultimamente: Pernil de porco assado no forno, x-salada, yakosoba, diversos tipos de saladas, maionese de batata, churrasquinho, nhoqui, klöse, panqueca, omelete, pão, pão-de-queijo, macarronada, mas não podemos negar que de vez em quando apelamos para os enlatados e principalmente para o miojão. Ah… e tudo isso regado a um belo vinho!

PS 3: “Gostaria de agradecer a todos pelo carinho que recebi no dia do meu aniversário. Espero que continuem nos acompanhando e nos dando força nessa aventura. Abraço, Michelle.”

PS 4: Gostaríamos de agradecer a Dani, Cleiton, Katiusia, Natascha, Vivi, Tante Popi (desculpe se esquecemos de alguém) pela dedicação e esforço para montar a Exposição da Expedição Mundo por Terra no 5º Encontro de Veículos Antigos, que aconteceu no último final de semana em São Bento do Sul. Também agracedemos a Cleusa Nalu Tascheck pelo espaço cedido para a exposição e principalmente a todos que prestigiaram o nosso estande. OBRIGADO!!!

Álbum: Austrália 4

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