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Diário de Bordo 19 – Austrália 5

Diário de Bordo

(17/08/2007 a 04/09/2007)

Por incrível que pareça, este país é grande mesmo. Dos 40.000km rodados até agora, mais de 15.000km foram só na Austrália e isso que ainda temos muita poeira a levantar no meio do Out-back, que é esse desertão imensurável.

Out-back, que ao pé da letra significa “tudo o que está para trás”, pode também ser conhecido como interior, área deserta, ou ainda melhor, na esquina do nada com coisa nenhuma. Engloba 2/3 de todo o território australiano sendo habitado por somente 10% de toda a população e isso, claro, deve-se ao estéril solo (grossa areia avermelhada) que, mesmo com poderosos fertilizantes, é inviável para a agricultura. Além disso, as temperaturas podem ser bastante variadas, sendo que a mais alta registrada foi acima de 50 graus e as noites de inverno, no entanto, quase sempre apresentam números negativos. Algumas das cidades que se localizam nessa terra de extremos possuem habitações subterrâneas, o que ameniza estas grandes oscilações, ficando em seu interior com 24 graus centígrados tanto de dia como de noite. Apesar das desfavoráveis condições climáticas, esse deserto oferece uma beleza intocada fora de série a qual mostraremos um pouco a seguir.

Após Normanton, cidade com a qual terminamos nosso último diário, passamos dois dias em Gregory Downs acampados ao lado de um belo rio no meio do nada. E lá, o que somente valeu como registro, foi o catastroso pão de queijo, que quando ainda estava na forma, mais parecia um campo cheio de cupins, hua, hua.

Há uns 100km dali, já estávamos no Lawn Hill National Park onde caminhamos por quase todas as suas trilhas. Foram horas e horas costeando lindos desfiladeiros com seus paredões de pedra avermelhada e um rio esverdeado e cristalino. Simplesmente um oásis no meio do deserto e que ainda habita uma fauna e flora espetaculares. Mas neste mesmo dia (e mais o próximo), queimamos chão com o ponteiro da bússola indicando o oeste, pois somente para chegar à rodovia principal que corta a Austrália ao meio ligando o norte ao sul, seriam quase 1.200km, com grande parte do trajeto em estrada de chão repleta de costelas de vaca. TRRRRRRRRRRRRRRRRR!!! Parecia que tudo dentro do carro ia se desmontar… e às vezes desmontava mesmo!

Chegando nesta importante rodovia, chamada Stuart, que pudemos ver em maiores tamanhos, os gigantes trens da estrada com seus 50 metros ou mais de comprimento. Da gosto ultrapassar um, ou melhor, da gosto ser ultrapassado por um, pois com o preço alto do diesel aqui na Austrália, 90km/h é o limite para o Lobo fazer uma média de consumo razoável. Tendo Darwin como destino, Mataranka é passagem e parada obrigatória para um mergulho em seus rios de águas mornas. Passamos por Katherine, Pine Creek e deixamos a rodovia principal para seguir ao norte por dentro do Litchfield National Park, após uma breve visita a comunidade aborígine Nauiyu, uma das poucas que não se exige autorização para entrar.

Dentro do Litchfield, rodamos uns 70km por uma estrada somente para veículos 4×4, com muita areia e vários rios profundos. Diversas cachoeiras formam a paisagem local e estas, desta vez, são infestadas por turistas, ao invés dos crocodilos… e enfim chegamos em Darwin, que é a capital no Northern Territory, e se situa no Centro Norte Australiano.

Que cidade linda essa Darwin!!! Possui apenas 70.000 habitantes e tem estrutura de metrópole. Banhada pelo Mar Timor, possui um porto e um importante aeroporto, o qual na Segunda Guerra Mundial foi base dos aliados em ataques contra o Japão no Pacífico. Na época da guerra, a cidade fora atacada 64 vezes com uma baixa de 243 pessoas. Sem dúvida nenhuma, essa poderia ser a cidade ideal para morar, se os Salties, crocodilos de água salgada dessem espaço para um mergulho naquelas lindas e calorosas praias. Não nos controlamos e deixamos cinquentão naquele restaurante Tailandês que fica no fervo da cidade. Esse foi ainda um presente atrasado do aniversário da Mi.

Mas todo mundo fala desse tal de crocodilo e ainda não vimos nenhum!!! Decidimos então que seria melhor vê-los de um barco (pago) no Adelaide River do que ver um grudado em nossas canelas em alguma pescaria às margens dos rios da região. Fomos lá e vimos vários e eles eram mesmo muitos e todos vinham devorar o filezão que as mocinhas colocavam como isca. E o filé era tão bonito que até nós ficamos de olho, hehe… Mais alguns quilômetros e já estávamos no Kakadu National Park, onde rodamos 400km somente no parque. Desta vez não fomos ver natureza, mas sim a fascinante arte rupestre aborígine. De 5.000 locais com esta arte, pudemos visitar somente dois e somente estes já pagaram a viagem. São pinturas de 20.000 anos atrás bem como de 10 anos atrás e todas com uma grande riqueza de detalhes. Foi um banho de história e cultura; fascinante.

Para provocar um pouco desse fascínio nos leitores desse diário, vamos relatar algo do que pesquisamos sobre este povo, mas que porém, ainda paira confuso em nossas cabeças.

O mundo todo dormia. Tudo era quieto onde nada se movia e nada crescia e os animais dormiam debaixo da terra. Um dia, a Serpente Arco-íris acordou e rastejou pela superfície da terra. Tudo que estava em sua frente ela empurrava para o lado. Ela vagou por toda a Austrália e quando ficou cansada, se enrolou e dormiu, deixando seus rastros por toda parte. Depois de estar em todos os lugares, ela voltou e chamou os sapos e estes vieram com seus estômagos cheios de água. A Serpente passou a fazer cócega nestes, que passaram a rir… e despejar essa água por suas bocas. Essa água encheu as trilhas deixadas pela Serpente Arco-íris formando então os rios e lagos. E foi assim que a grama e as árvores cresceram e o mundo se encheu de vida.”

As crenças aborígines baseiam-se no mitológico passado chamado Dreamtime, época do sonho, tempo em que espíritos ancestrais viajaram pela terra dando sua forma física e traçando as regras para serem seguidas pelos aborígines. Essas crenças, que são tão importantes para eles, sobrevivem em histórias e cerimônias e são passadas de geração para geração. Cada local considerado sagrado para os aborígines possui rastros de algum espírito ancestral. Existem locais os quais somente homens aborígines podem ir, outros onde somente as mulheres tem acesso e tudo isso é altamente respeitado, pois a desobediência também pode trazer o castigo.

No caminho para Alice Springs, centro da Austrália, visitamos mais um lugar altamente sagrado, o qual é chamado de Devil’s Marbles. O local é formado por inúmeras pedras arredondadas com diferentes formatos e agrupamentos. Aborígines acreditam que aquelas pedras redondas são os ovos da Serpente Arco-Íris e também que pessoas da época do Dreamtime ainda vivem nas cavernas embaixo das rochas.

“Eles são pessoas reais como nós. Você pode vê-las. Há muito tempo atrás quando vim aqui com minha panela buscar água no rio, uma dessas pessoas sagradas veio e começou a brincar comigo. Eu não podia ir mais embora…                … eles podem te transformar em um deles. Eles falam: Siga-me, e você não consegue mais voltar…             … isso aconteceu com meu primo e ele desapareceu…”, dizia um aborígine sênior, herdeiro da terra.

Alice Springs foi mesmo só para um completo reabastecimento e lá fomos nós para mais um local sagrado aborígine, o Uluru – Kata Tjuta, onde se situam a Ayers Rock e a montanha Olga. Mas no caminho aconteceu algo interessante. Quando paramos nosso carro para passar a noite, a lua, quando era para ser cheia, representava ser minguante. Huehhh? Não entendemos bem e continuamos a apreciá-la e logo descobrimos que estava acontecendo um eclipse lunar total. Ficamos boquiabertos com o espetáculo e com a nitidez com que acontecia, pois no meio do deserto, aridez total, nenhuma nuvem, não podia ser melhor. Além, é claro, da surpresa, pois não tínhamos nem idéia que este eclipse aconteceria.

No Uluru – Kata Tjuta National Park, passamos o primeiro dia caminhando por entre algumas das 36 pedras que formam o Monte Olga (Kata Tjuta). Incrível esse lugar, o qual possui sua pedra mais alta medindo 546m do solo e o conglomerado todo ocupa quase 22km quadrados. Também um importante local sagrado aborígine, o Mount Olga representa para eles “Muitas Cabeças” e acredita-se que no pico desta montanha mora a cobra Wanambi, a qual é triste por morar lá e desce para o solo somente nas épocas secas. Um espetacular por do sol mudou por diversas vezes a coloração do Mount Olga, nos proporcionando muitas fotos.

O outro dia começou ainda no escuro, quando saímos de nosso acampamento para ver o sol nascer à frente do Ayers Rock, Uluru, o coração físico e espiritual da Austrália. Se algum australiano falar que essa é uma das maravilhas do mundo, desta vez não vai estar exagerando, pois estar lá é uma experiência maior do que apenas apreciar um marco da natureza.

Imaginem uma pedra só, com 348 metros de altitude e uma circunferência de quase 10km. E se isso não foi o suficiente impressionante, calculem que para dentro da terra, assim como um iceberg na água, ela possui duas vezes esse tamanho! De uma cor avermelhada, com o passar do dia e com a diferente exposição da pedra frente ao sol, a Ayers Rock vai mudando de cor, oferecendo um espetáculo de ninguém botar defeito. Como se não bastasse tudo isso, quando se caminha ao seu redor, é possível de se ver milhares de cavernas que se formaram com o passar do tempo e que, espiritualmente, representam muito para os aborígines.

Diferentes lendas explicam a existência deste local, e uma delas conta que uma serpente travava diversas guerras ao redor de Uluru, deixando várias cicatrizes na pedra. A outra lenda conta que duas tribos de espíritos ancestrais foram convidadas para uma festa, mas foram distraídos pela encantadora mulher lagarto e acabaram não aparecendo. Em vingança, o enfurecido anfitrião cantou o mal em uma escultura de lama, que veio a vida em forma de um dingo. Isso seguiu com uma grande batalha, o que resultou na morte dos líderes das duas tribos. A terra amanheceu de luto sobre todo o sangue derramado, resultando em Uluru.

Mais um por do sol de arrepiar e seguimos caminho novamente para Alice Springs, agora por uma outra estrada, a qual nos levou para Kings Cânion e para a West MacDonnell Range, onde, em companhia de novos amigos austríacos, Werner e Delphin, fizemos várias caminhadas.

Daqui, após atualizar este diário, rumaremos ao noroeste pela Tanami Road, estrada de 1.100km que cruza o Tanami Desert. Pura estrada de chão, costelas de vaca, poeira sem fim em uma inóspita região, mas que nos levará para o The Kimberley, outro imperdível território australiano.

Álbum: Austrália 5

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