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Diário de Bordo 35 – Índia 4

Diário de Bordo

(22/04/2008 a 05/05/2008)

Coincidências acontecem…

Queremos começar este diário com uma história engraçada que nos ocorreu saindo a primeira vez de Delhi, rumo ao Taj Mahal – Agra. No caminho, quando estávamos bem tranqüilos dirigindo por uma das movimentadas rodovias da India, um pezão no pedal e outro no painel, sempre naquele tranquinho dos 80/h, de repente, fomos surpreendidos por um carro ao nosso lado, onde estava um brasileiro gritando: “Hei, hei, hei, vocês são do Brasil? Encosta o carro aí para conversarmos…”

Paramos e conhecemos Gustavo, brasileiro do Piauí, e Mônica, sua esposa de Moçambique, que por sinal também possui o português como língua mãe. Conversa vai, conversa vem, o Gustavo nos contou que trabalha na Embaixada Brasileira em Delhi e que há alguns dias atrás havia assinado uma carta de recomendação para dois brasileiros que queriam fazer o visto para o Irã. “Uéh”, dissemos, pois também fizemos uma carta dessas!!! Buscamos uma cópia de nossa carta, e estava lá… a assinatura do Gustavo, haha.

Bom, contamos rapidamente esta passagem para dizer que quando voltamos a Delhi, depois daquelas cidades que visitamos e que contamos no diário passado, passamos dois relaxantes dias na casa do Gustavo e Mônica, relembrando um pouquinho do que é a comida brasileira, com direito até a feijão com arroz. Lá, conhecemos também os brasileiros Rodrigo e Paola e passamos ótimos momentos com todos, nos divertindo com as histórias engraçadas das experiências com os indianos.

Mas a vida continua e ela nos faz seguir nosso rumo… desta vez sentido Rishikesh, cidade próxima as montanhas do norte e que é cortada pelo rio Ganges, o qual por ali ainda é limpo e banhável, só que frio de doer. Rishikesh, além de bonita, é conhecida como a Capital Mundial do Ioga, por seu clima zen e também pelos sadus e peregrinos que celebram diariamente o ganga aarti com cantorias, sinos e oferendas às margens deste sagrado rio.

Mesmo com todo aquele calor que fazia, resolvemos dar-nos a chance de entrarmos no clima da cidade e fizemos um ótimo curso de ioga, de apenas 16 horas distribuídas em 4 dias. Sabíamos que não seria tempo suficiente, mas o que queríamos mesmo era despertar o interesse pela coisa e continuar com esta arte através dos livros, nos quais buscamos uma pequena definição para este diário:

“Yoga is nota an ancient myth buried in oblivion. It is the most valuable inheritance of the present. It is the essential need of today and the culture of tomorrow.”

Swami Satyananda Saraswati

Ioga é a ciência que direciona o ser humano a uma vida mais correta, trabalhando os aspectos físicos, vitais, mentais, emocionais, psíquicos e espirituais. A palavra deriva do sânscrito yuj, aderir, que em termos espirituais, descreve a união da consciência individual com a consciência universal. Através de sua prática, o corpo e suas diferentes funções não demoram para trabalhar em harmonia e em perfeita coordenação. De acordo com cientistas médicos, a terapia através da ioga traz ótimos resultados devido ao balanço criado no sistema nervoso e endócrino, que diretamente influenciam em todos os outros sistemas e órgãos do corpo. Do corpo físico, a ioga leva aos níveis mentais e emocionais.

Tivemos bons dias em Rishikesh, principalmente pelo rio Ganges estar ali ao lado, então, quando o calor pegava, nada melhor que um mergulho de dois segundos nas suas águas congelantes.

Próximo destino foi Shimla, paraíso das montanhas para os indianos de maior poder aquisitivo, que vão para lá para curtir um clima mais agradável quando o verão pega forte em suas cidades. Por estar localizada a mais de 2000 metros ao nível do mar, a paisagem se assemelha com as montanhas do Nepal, com aqueles paredões super bem aproveitados, mas com a diferença de que no Nepal, estes paredões eram intercalados por pequenas casas e por terraços de plantações, e aqui na India, eram construções sobre construções.

Visitamos Shimla só de passagem e rumamos ainda mais ao norte do país, para conhecer uma pequena cidade nas montanhas, chamada McLeod Ganj, que é famosa por um simples motivo, ser a sede principal do governo tibetano em exílio e residência de Sua Santidade o 14th Dalai Lama, líder político e religioso do Tibet.

O atual Dalai Lama, por seu nome original Tenzin Gyatso é, além do Papa, a única pessoa a quem se atribui o título de Sua Santidade. Nascido em 1935, foi exilado para a India em 1959, dez anos após a China comunista ter invadido e tomado posse do Tibet, transformando-o em apenas um estado da República Popular da China. Dalai, que significa na língua mongol “Oceano” e Lama, em tibetano “Guru”, traduz-se “Oceano de Sabedoria” recebeu o premio Nobel da Paz em 1989 por sua campanha pacifista pela autonomia do Tibet.

McLeod Ganj, mesmo que quase dois meses depois dos últimos massacres ocorridos no Tibet, estava praticamente em luto. Cartazes e faixas com fotos marcantes das matanças ocorridas, protestavam contra a severidade do governo chinês. Uma cena bonita que pudemos presenciar, foram centenas de monges tibetanos orando em seu templo, muito provável em prol da paz em seu país. Visitando uma cidade como esta, sentindo a paz que ali existe, fica difícil entender tamanha brutalidade dos chineses contra um povo tão pacifista, que porém luta por seus direitos.

Agora, nossa trajetória pelo território indiano está chegando por seu fim, pois de McLeod Ganj, rodaríamos apenas uns 250km e já chegaríamos em Amristar, cidade maior nas redondezas da fronteira com o Paquistão. Mas, parece que a India, na expedição Mundo por Terra, queria se fazer mesmo inesquecível… e conseguiu!!! Chegamos em Amristar e logo fomos procurar por uma coordenada de GPS que amigos nossos tinham nos passado e a qual era de uma pensão onde poderíamos estacionar o carro, usar chuveiro, banheiro, etc. Quando chegamos lá, seu preço estava totalmente fora de cogitação, então o jeito foi rodar pela cidade a procura de outro espaço. Rodamos, rodamos, rodamos e nada, pois a cidade é muito grande e as pessoas estão em todos os lados. Perguntamos para uns policiais se não poderíamos estacionar nosso carro em frente ao posto policial, mas os mesmos recusaram e nos indicaram o estacionamento do Templo de Ouro (maior atração da cidade) como sendo o melhor local para pernoite.

Bom, legal, pensamos! E no caminho, por entre aquelas ruazinhas movimentadas da cidade antiga, demos de cara com uma cancela fechada frente a um trilho de trem que estava por vir. Isso, em qualquer outro lugar no mundo, seria algo totalmente normal, onde os carros aguardam a cancela se abrir, sinalizando que o trem já passou. Mas na India a coisa é mesmo diferente… pois tudo pode acontecer. Primeiramente que eles já baixam a cancela com alguns minutos de antecedência para evitar qualquer acidente, já prevendo os imprudentes indianos. Porém, quando os indianos vêm que ainda dá tempo para cruzar antes do trem passar, arrastam suas motos, lambretas, bicicletas por baixo da cancela e aquilo vira um tumulto sem igual. Mas OK, pelo menos quando o trem vem, eles param de cruzar!!! Mas imaginem agora um cruzamento de trem onde a rua que é cortada pelo trilho possui duas mãos, a que vai e a que vem. Num mundo racional, os carros e motos iriam aguardar pelo abrir das cancelas em uma fila, respeitando uns aos outros, e quando a cancela se abrisse, o primeiro carro iria cruzar, dando espaço para o segundo, terceiro, … e tudo fluiria normalmente em poucos segundos. Mas aqui é novamente diferente, pois dos dois lados do trilho, centenas de carros e motos invadem os dois lados da rua, ou seja, a mão e a contramão, com o intuito de furar a fila. Gente, aí nós perguntamos: “Como isso pode funcionar se os dois lados da rua (lado de lá e de cá do trilho) e as duas faixas (esquerda e direita) estão tomadas por carros, motos, tratores, carroças, tuk-tuks, etc.???” Se o primeiro arranca e cruza o trilho ele vai pra onde, se estão vindo centenas de carros em sua contramão??? Incrível! Andamos nosso primeiro metro em nada menos de 7 minutos após o abrimento da cancela e isso porque éramos um dos primeiros da fila. O interessante é que isso não é uma particularidade deste cruzamento ou desta cidade. Nós já sabíamos com antecedência e inclusive já tivemos experiências iguais em outros cruzamentos.

No entanto, a despedida da Incrível India não terminou por aqui!!! Dirigimos nosso carro pelo centrão da cidade, onde supostamente se encontrava o Templo de Ouro de Amristar. Por sorte ou azar, era domingo e noite de lua nova, exatamente um dia importante onde peregrinos da religião Sikin vêm em caravanas para visitar o templo. Depois de algumas horas, conseguimos entrar num pequeno estacionamento e fomos atacados, no bom sentido, por mais de vinte curiosos querendo ver nosso carro. Fomos jantar pela última vez uma comida típica indiana e seguimos para visitar o templo ainda à noite, o que transforma o seu ouro em um espetáculo a parte. Sério, acreditamos que este foi o templo mais bonito de toda a nossa viagem. Esplêndido mesmo, e o que o tornou ainda mais bonito, foram as milhares de pessoas com turbantes e saris coloridos, que circulavam pelo templo e que banhavam-se em sua água sagrada. Único inconveniente desta visita, talvez pela quantidade de peregrinos, foi que definitivamente não tivemos sossego, pois muitos, mas muitos destes peregrinos não paravam de nos importunar. Só estando lá para acreditar, pois eles parecem tão legais, hahaha, mas foi de pedir trégua e se mandar pro carro para dormir, o que foi outra missão impossível devido ao barulho, criançada escalando em nosso carro para nos espiar, caminhões + caminhões com cargas de peregrinos chegando de todas as partes e tudo mais. Cedíssimo já estávamos de pé, visitando mais uma vez o templo para ver seu esplendor a luz do dia. Depois da visita e de mais um dia sem sossego, voltamos ao carro para trocar um pneu que amanheceu vazio.

É, esse dia foi duro, mas acho que a India não teria se completado se não tivesse acontecido tudo isso. Lá pelo meio dia, felizes da vida, rumamos para a borda entre India e Paquistão, onde tivemos também uma grande surpresa. Esta foi, até agora, uma das mais organizadas, bonitas, e bem estruturadas bordas de todos os países que cruzamos até agora, só perdendo, talvez, para Singapura.

Só para um breve entendimento, pois sobre o Paquistão iremos falar em nosso próximo diário, este país antes de 1947 fazia parte da India, e a Inglaterra, que na época ditava as regras por aqui, dividiu as terras para separar os Hindus dos Muçulmanos, os quais estavam sempre em conflitos. Naquela época, inclusive, morreram milhares de pessoas pelo simples encontro que virou em guerra, quando os muçulmanos da India rumavam para o Paquistão e os Hindus do Paquistão vinham sentido a India. Estes conflitos criaram uma espécie de inimizade entre os dois países, o que gerou  (isto é nossa percepção) uma gana de um querer ser melhor que o outro. Essa gana transformou esta borda em um showzinho a parte, onde ambos os lados fazem diariamente a cerimônia da bandeira, a qual acontece desde 1947.

Nem a India, tampouco o Paquistão podem ficar para traz, portanto tudo ali é do melhor. Os melhores, maiores e mais treinados soldados prestam, em ambos os lados, uma idêntica cerimônia de desasteamento da bandeira, com direito a animadores de torcida e tudo (estes animadores servem também como provocadores da outra torcida). Os soldados, quando marcham, chegam a encostar suas canelas na testa e em sincronia dão um show de sapateado. Para alguns, talvez esta cerimônia é algo sem lógica e por isso não gostam, mas pra nós, aquilo foi um espetáculo sem igual. Nos divertimos a bessa, talvez até pelo motivo de estarmos no lado paquistanês sentindo aquele alívio, depois dos 60 dias mais tumultuados de nossa viagem (Índia), que porém, deixarão saudades.

Atualmente estamos em Islamabad e hoje, nos dirigimos para um lugar, que na opinião de muitos, é uma das rodovias mais bonitas do mundo, a Karakorum Highway, região onde o Karakorum 2 (K2), segunda montanha mais alta do mundo, arranha o céu.

Álbum: Índia 4

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