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Diário de Bordo 43 – Etiópia

Diário de Bordo

(16/08/2008 a 03/09/2008)

Mesmo sendo tão rica em história, cultura e natureza, a Etiópia permanece tão pouco conhecida para o mundo. Mas esse, com certeza, é um dos fatores que a torna tão atrativa para se explorar!

“Etiópia” é uma palavra grega que significa o país dos “caras queimadas” e sua história começa muito antes que nossas imaginações consigam sequer imaginar. Quatro milhões e quinhentos mil anos a.C., comprovado através de fósseis de ancestrais humanos a exemplo de Lucy, o mais velho e mais completo hominídeo já descoberto no mundo. Este país também foi lar de uma das primeiras civilizações cristãs da história.

No que adentramos no país, vindos do Sudão, pudemos perceber de pronto a grande diferença. Era gente pra todos os lados, agito, chuva, lama, crianças quase sem roupas e descalças. Não podemos deixar de mencionar que foi perceptível que este país possui um dos menores índices de desenvolvimento humano do mundo, consequência de recentes guerras com a Eritreia, fome, secas periódicas e a alta densidade populacional, o que praticamente quadruplicou nos últimos 65 anos.

Mas foi com alegria que seu povo nos recebeu e praticamente todos, mas todos gritavam: you, you, you… you!!! A gente respondia: you, you, you… e tocava em frente, devagar e sempre, respeitando a velocidade imposta pelo barro, buracos, animais e outros! Subíamos serras, descíamos serras onde tudo era muito verde,  semelhante a certas paisagens do Brasil! Quando acampávamos, a noite, um minuto era muito e já tínhamos as primeiras visitas, os shepherds, que são as crianças, jovens ou adultos que passam o dia inteirinho com as cabras, ovelhas, vacas, etc…

Passamos por Gonder, uma cidade mais ao norte do país e de lá seguimos logo para as Montanhas Simien, lugar onde se encontra os picos mais altos da Etiópia (acima de 4.500 metros). Acreditem se quiserem, mas pegamos neve por lá… em uma caminhada rumo ao segundo pico mais alto. Como definitivamente não estávamos preparados para o frio e chuva, tivemos que abortar a subida e assim, proteger nossa principal arma de fogo, a maquina fotográfica. E falando em arma de fogo, cabe aqui uma curiosidade: obrigatoriamente tivemos que ter, junto a nós, uma pessoa armada para escolta. O porquê não sabemos, mas uma coisa é certa, a Etiópia está repleta de civis bem armados andando pelas ruas e cuidando de seus animais!

Mas a experiencia que tivemos com as pessoas nativas da região e com os animais que habitam as montanhas valeram cada minuto naquele mau tempo. Quanto aos animais, os que merecem destaque são os Walia Ibex, que vimos descendo verdadeiros penhascos de forma impressionante; os Gelada Baboons, com os quais estivemos a menos de metro de distância e os Lobos da Etiópia, que são raramente vistos e infelizmente não tivemos a sorte do encontro.

Voltando a estrada novamente, rumamos para Bahir Dar, onde se encontra o Lago Tana, nascente do Nilo Azul, principal rio que abastece as águas do Rio Nilo. Mas para chegar lá, foi muito chão e sempre passando por campos repletos de agricultura, que é de onde 80% da população do país sobrevive. O café é muito exportado e é de ótima qualidade.

Um fato engraçado que nos ocorreu em um de nossos acampamentos as margens da estrada, foi quando um nativo veio a nós e pediu um pote ou copo para beber água, pois já ali ao lado passava um riacho bem limpo. Ai pensamos, puxa, temos uma garrafa de plástico para 6 litros que não usamos mais e isso seria bem legal para se transportar água para o trabalho. A demos e o homem ficou bem feliz… encheu com um pouco de água, tomou um gole e seguiu para a montanha. Mas no caminho, ainda na parte baixa, vimos que ele escondeu a garrafa no matagal, talvez para pegá-la no outro dia… e seguiu subindo o morro. Logo após, já de cima, somente o escutávamos quando gritava para a redondeza, mas claro que não entendíamos, pois era em sua língua. Cinco minutos se passaram e ai chegaram umas 10 pessoas nos fazendo gestos de que queriam beber água…, mas quando fomos dar água, não era isso o que queriam. Todos aqueles 10 também queriam um pote para beber água!!! Putz, pensamos, que cara sacana. Aqueles brados foi para avisar toda a vizinhança que lá embaixo, tinha uns caras legais que estavam distribuindo garrafas d’água. Bom, a história terminou quando à noite chegamos a subir aquela montanha para procurar a garrafa que o cidadão escondeu no mato, talvez para fazer somente uns furinhos imperceptíveis no fundo, mas, pra sorte dele, quase tropeçávamos na luz da lanterna e não encontramos a maldita garrafa, hehehe…

A charmosa capital Addis Ababa nos serviu para, além de outras pendências, consertar uma das lentes de nossa câmera fotográfica, que repentinamente parou de funcionar no auto-focus. E a lente que deu pane foi justo aquela, 70 – 300mm, que usaremos cada vez mais aqui na África para fotografar os animais mais de perto. Mas a sorte foi tamanha que além de concertada, não nos custou nada e ainda mais, saímos de lá com um presente, duas pequenas baterias extras (26 amperes cada) para nosso carro!

Seguindo rumo ao Quênia, que será o próximo país que viajaremos, tínhamos duas opções: a primeira e mais fácil, seria descer pela principal rodovia e cruzar a borda por Moyale e de lá, entrar no Quênia também por sua principal rodovia, que porém está em condições precárias; outra opção, que já era sugestão de amigos (desde que encontrássemos mais um carro para viajar em comboio), era de entrar no remoto Omo Valley e de lá, entrar em terras quenianas por uma de suas mais remotas fronteiras, perto de Omorate, a qual nos levaria ao Lago Turkana.

Pesquisamos um pouco sobre o Omo Valley e não demorou nada para tomarmos a decisão. Este remoto lugar no sudoeste da Etiópia está repleto de tribos e de uma cultura que se perdêssemos, jamais iríamos nos perdoar. A última cidade com maior estrutura e onde pudemos abastecer foi Arba Minch e dali, seriam mais de 1.300km sem postos de combustível, oficinas ou outro tipo de socorro, se precisássemos. Na verdade, este remoto lugar provavelmente deixará de ser remoto em pouco tempo, pois trabalhos pesados nas estradas indicam a vinda do asfalto e aí, aquela dúvida de sempre: o progresso nesta região, vale mesmo a pena???

A cada quilômetro que progredíamos, as paisagens mudavam, pois estávamos agora em regiões baixas, quentes e desérticas. Os primeiros contatos com as tribos foi assim, naturalmente, sem mais nem menos… e estávamos no meio deles, mais boquiabertos que nunca. Impressionante, lindo, selvagem, sei lá como descrever!!! E passamos a entender que aquilo ainda existe e é real. Queríamos fotografar tudo, mas ao memo tempo não queríamos invadir a vida deles com esses equipamentos de última geração. Na verdade, nosso desejo era de apenas estar entre eles e ser igual a eles… entender, viver, sentir, sem ser considerado um alienígena branco de outro mundo.

Visitamos um mercado em Jinka e lá encontramos pessoas de tribos como: Mursi, com suas extravagantes características onde as mulheres, cobertas apenas por panos, partem seus lábios (para colocação de um prato) e orelhas; Ari, onde homens usam apenas uma tanga colorida e cabelos exóticos. Em Key Afar, acampamos e fomos visitados por nativos e crianças da tribo de Banna. Em Arbore, as crianças todas pintadas corriam atrás do carro, mas foi em Turmi onde tivemos nossa melhor experiência: perambulamos por mais de duas horas em meio a calorosa tribo Hamer, onde aparentemente fomos bem recebidos, ou seja, nem fomos percebidos. As lindas mulheres desta tribo possuem um marcante estilo de cabelo, onde com resina e ocre, elas enrolam e enrolam seus cachos e os fazem tão particular. As roupas, que deixam muita coisa de fora, são mesmo de couro, mas um couro todo colorido com missangas e conchas! Sério, não parecia verdade! Os homens desta e de outras tribos, quando matam um animal ou inimigo, são permitidos a usarem um adorno de barro em seus cabelos (o qual pode durar até uma ano), onde vezes levam penas de avestruz.

Procurávamos acampar sempre longe das vilas, simplesmente escondidos no meio do deserto, mas éramos achados pelos peregrinos armados e seus animais. É claro que eles nunca perdiam a oportunidade de pedir alguma coisa, dinheiro, comida, bebida, assim como foi em toda a Etiópia, mas estas visitas eram algo muito diferente e jamais esqueceremos.

Passamos ainda por Dimeka e seguimos para Omorate, vila que hospeda tribos como Galeb e Dhasanech. Tudo foi tão lindo que acabamos até esquecendo das terríveis estradas que tivemos que encarar em certos trechos. Ainda em Omorate, carimbamos nossos passaportes num posto avançado da imigração, comemos o último Injera (comida típica da Etiópia) e seguimos por uma estradinha desértica com as vilas mais desoladas que cruzamos em todo o trajeto e enfim, em meio ao nada, quando olhamos em nosso GPS, descobrimos que há 300 metros atrás, já havíamos cruzado a borda para o Quênia!

 

Animais mais marcantes que vimos na Etiópia:

Gelada Baboons: Animal exclusivo da Etiópia, os Gelada Baboons são característicos por viverem em grandes grupos e serem os únicos primatas que se alimentam de grama. Entre os não-humanos primatas, são os mais hábeis, possuindo um complexo sistema de comunicação e um sofisticado meio social, quando as fêmeas é que decidem quem é o poderoso chefão. Vivem acima de 4.000 de altitude e estão ameaçados de extinção.

 

Walia Ibex: Na década de 90 o Walia Ibex passou de especia ameaçada para criticamente ameaçada, existindo apenas cerca de 400 exemplares nas Montanhas Simien – Etiópia. Os machos possuem longos chifres curvados para trás (ate 110cm) e uma barbicha comprida, enquanto que as fêmeas possuem pequenos chifres. Seu habitat e nos paredões das altas montanhas e o mesmo possui uma habilidade incrível para locomover-se nesses paredões de 90 graus de inclinação.

 

Kirk’s Dik-dik: Identificados por seu tamanho miniatura, alcançando no máximo 45cm de altura. São monógamos, ou seja, sempre fieis a somente uma parceira… e segundo os locais, quando um do par morre, o outro simplesmente deixa de comer e tem vida curta, pois não sobrevive sozinho. Demarcam seus territórios com suas próprias fezes e acostumados ao clima árido, não precisam praticamente beber água.

Álbum: Etiópia

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