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Diário de Bordo 56 – Mali 2

Diário de Bordo

(12/05/2009 a 23/05/2009)

No leste de Mali, o cenário monótono do Sahel transforma-se numa paisagem dramática com mais de 20 rochas brotando no meio da planície em forma de mesas ou agulhas, algumas com até 600m de paredão.

A região, chamada de Vale dos Monumentos de Mali, está na lista dos melhores lugares para escalada técnica no continente africano. Mesmo não sendo um escalador, vale muito a pena visitar a região e sentir-se pequeno frente a tamanha grandeza dessas montanhas. Apesar de o massivo Hombori Tondo, com seus 1.155m de altitude, ser o ponto mais alto do país, a montanha que mais chama a atenção é “A Mão de Fátima”. Ela possui esse nome pois assemelha-se com a mão da filha do profeta Maomé (a mão de Fátima é um símbolo que representa proteção no islamismo).

Acampamos uma noite por ali e de manhãzinha, para nossa surpresa, fomos surpreendidos por uma tempestade de areia, que de uma hora para outra, fez a montanha quase sumir a luz do dia. Com visibilidade baixa, rumamos ao oeste, onde no caminho localiza-se o delta interno do Rio Níger, que serpenteia pelas planícies formando diversos canais e lagoas, até chegarmos na importante cidade portuária de Mopti.

Mopti foi construída em três ilhas conectadas por diques e, por esse motivo, é conhecida por alguns como a “Veneza de Mali”. A importância desta cidade cresceu na época dos franceses devido ela possuir a localização estratégica, na junção do Rio Bani com o Rio Níger. Durante a época seca, estação atual, as águas estão no seu nível mais baixo e as ilhas deixam de ser ilhas e seu porto deixa de ser tão movimentado. Mesmo assim, os pequenos barcos táxis, chamados de pirogues e as grandes pinasses, com seus toldos e bandeiras coloridas, trazem e levam passageiros e todos os tipos de mercadorias o dia inteiro.

Sentados numa das vendinhas às margens do porto, experimentamos um saboroso peixe frito e participamos de uma rodinha de chá com o povo. Essas rodinhas são o passatempo predileto dos malianos durante os dias quentes e uma oportunidade para socializar com os amigos. Eles chamam de “Chá Africano”, porém somente o jeito de se fazer é mesmo africano, pois o chá é o verde da China. São usadas duas chaleiras bem pequenas (uma para ferver e outra para misturar com o açúcar) e apenas dois copos (do tamanho certo, número oito) que passam de mão em mão em três rodadas. A primeira, como nos disseram, é chamada de morte, pois o chá é bem forte e amargo; a segunda, quando geralmente adiciona-se hortelã ou gengibre, chama-se vida, pois é um pouco mais fraco, porém ainda amargo; a terceira quando o chá é mais doce e suave, é chamada de amor. No preparar o chá, quem opera as chaleiras tenta fazer tudo em um processo bem demorado, cheio de enfeites e frescuras, que é para dar espuma e consistência ao chá… e principalmente, para manter os amigos por mais tempo. Quem toma primeiro são os mais velhos, depois as mulheres, visitas, homens e por último as crianças.

Depois de nos embebedarem de tanto chá, os locais conseguiram nos convencer a fazer um passeio de pirogue pelas redondezas de Mopti. A nossa única condição foi que deveria ter muito chá, hehehe. Fomos deslizando pelas águas do Rio Bani até o seu encontro com o Rio Níger e depois caminhamos um pouco pelos bancos de areia onde homens arrumavam seus barcos, crianças brincavam e as mulheres lavavam roupa. Para finalizar, nada melhor do que um banho refrescante nas águas do terceiro maior rio da África.

Dali, a estrada nos levou para Djenné, a qual é considerada a cidade mais bonita do Sahel e famosa pela sua arquitetura de adobes em estilo sudanês. Mas o principal atrativo de lá, é a Grande Mesquita de Djenné, o maior edifício de lama do mundo. Essa mesquita foi construída em 1220, reconstruída em 1907 e em 1988, junto com o centro histórico da cidade, foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO.

A primeira cidade estava originalmente localizada há 2km de sua presente localização, num sítio chamado de Djenné-Djeno ou Djoboro. Escavações arqueológicas comprovam que Djenné-Djeno foi fundada em 200 a.C e desenvolveu-se como um grande complexo urbano muralhado em 850 d.C. Em 1400 d.C o local foi abandonado por razões desconhecidas.

Passamos 3 dias em Djenné, esperando para ver o importante mercado local que acontece todas as segundas-feiras. Assim como acontecia há 100 anos atrás,  ainda hoje, diversas charretes com pessoas de toda a região fazem uma peregrinação comercial para a cidade. Bambaras (80% da população maliana), bozos (pescadores que vivem ao longo do rio Níger), songhays, tuaregs e fulanis encontram-se aqui para ganhar os poucos trocados que garantem a sua sobrevivência nas inférteis e árduas terras de Mali. Eles espalham suas mercadoria na praça principal em frente a grande mesquita e transformam a cidade numa mistura de cores, sons e odores nos mais variados tipos de mercadorias.

Claro que aproveitamos para reabastecer nossa despensa com todas aquelas especiarias (amendoim, tâmaras, cebola seca, chá verde e de hibiscos, etc.) e assim, continuamos nossa viagem passando por estradas secundárias que hospedam outras camufladas e tradicionais vilas em barro. Neste trecho, furamos nosso terceiro pneu de toda a viagem e de tardezinha, em nosso acampamento, recebemos uma inesperada visita de mulheres de uma tribo da redondeza, chamada Fulani.

Chegando em Bamako (capital do país), fomos direto providenciar nosso visto para a Mauritânia. E na salinha de espera, dividimos lugar com um grupo de holandeses que fazem parte de uma expedição chamada Holland Africa Tour. A frota é composta por um caminhão 4×4, um 6×6 e um 8×8, sendo que este último já participou como carro de apoio do Rally Paris-Dakar, na década de 80. O objetivo de suas viagens pela África é, além da aventura, de levar doações para as vilas de difícil acesso, como aquelas que estão no meio do deserto. Para saber mais detalhes desse pessoal, acessem www.hollanafricatour.nl.

Como os holandeses estavam indo para o mesmo destino que nós, decidimos viajar juntos até a borda da Mauritânia e no caminho, ambos tivemos nossas experiências com esses expressivos caminhões. O Roy na boleia do 6×6 e a Michelle de carona no 8×8, contemplando de uma visão panorâmica. Mas o momento mais emocionante desta viagem, foi quando paramos para descansar nas proximidades de uma pequena vila, onde um senhor fazia uma corda utilizando fio de saco de batata e as mulheres, com seus muitos filhos, nos assistiam curiosos. Neste momento, como parte de seu trabalho pela África, nossos amigos trouxeram algumas doações e surpreenderam os locais dando-as de presente. Roupas para as mulheres, brinquedos para as crianças, canetas pra todo mundo e 3 belas cordas para aquele simples senhor, que ficou sem reação ao ver o que havia ganho. Ver a alegria dessa gente foi de encher os olhos de lágrimas!!!

Nesse dia nosso objetivo era dirigir até a borda e puxamos o tranco até tarde da noite. Carimbamos nossa saída de Mali e acampamos em frente ao posto da aduana, cansados dos quilômetros rodados. Foi somente no outro dia de manhã que nos demos conta de onde estávamos e que já pisávamos nas areias do Deserto do Saara.

 

PS 1 – Um dos produtos comercializados em grande escala aqui na costa oeste africana são as Kola Nuts (Castanhas de Kola), extraídas de uma árvore muito cultivada na borda da floresta tropical. Antes da chegada do café, do chá e do tabaco, por conter cafeína, a kola era a principal droga não alcoólica na região, um desestimulador de apetite e um estimulante suave usado na receita original da coca-cola. Pode ser encontrada em 3 variedades: vermelho escuro, rosa e amarelo, sendo a última a melhor e mais cara. Quebra-se em pequenos pedaços e mastiga-se para extrair seu líquido amargo (que na nossa opinião é horrível). Dar e receber kola nuts é uma forma tradicional de demonstrar amizade por alguém.

PS 2 – Gostaríamos de relembrar a todos que vem nos acompanhando de conferirem nossa localização no Google Maps, que pode ser acessado clicando-se na nossa atual localização do Nós Estamos. Vale a pena entrar lá e ver as extraordinárias fotos aéreas (na coluna Satélite) do maior deserto do mundo.

Álbum: Mali 2

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