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Diário de Bordo 52 – Namíbia 3 e Angola

Diário de Bordo

(05/03/2009 a 31/03/2009)

Angola, um país que não verá a crise mundial!

Ainda na Namíbia, visitamos o renomeado Parque Nacional Etosha, chamado de “The great white place of dry water” – O grande lugar branco da água seca, devido localizar-se num salar formado por um lago que secou há milhões de anos atrás. Com as chuvas que não paravam de cair, a planície do Etosha estava praticamente debaixo d’água e quando comprávamos nossas entradas, não fomos estimulados pela atendente que disse que nessas condições, não veríamos nenhum animal. Que bom que neste mundo existem pessoas sinceras… mas quem disse que ela estava certa? Além da paisagem estar belíssima com tanta água, vimos animais de dar com o pé como zebras, gnus, springboks, oryx, jackals, girafas e impalas da cara preta, as quais são endêmicas da região. Também vimos uma hiena preguiçosa; três leões machos, famosos por serem um dos maiores leões da África; pela primeira vez o rinoceronte preto, que está em perigo de extinção e, xanananã… quando estávamos a procura de mais leões, encontramos duas chitas (a mãe e um filhote).

As chitas estavam longe de nós e só com a cabeça aparecendo no meio do capim. Ficamos um tempo as olhando no binóculos e estávamos pensando em seguir a procura de outros animais, quando as duas levantaram. Estava um calor de rachar e elas pareciam impacientes. O Roy empolgado começou a falar que elas estavam indo caçar, pois não haveria outro motivo para estarem andando nesse calor por nada. Ninguém acreditou, mas ele começou a insistir numa mistura de brincadeira, sonho e intuição. Resolvemos esperar e as duas chitas começaram a ir em direção ao grande grupo de veados a nossa esquerda. Aproximaram-se aos poucos, sumiram no mato e depois reapareceram do lado dos veadinhos. Tudo isso aconteceu durante cerca de uma hora. De repente a mãe desapareceu no mato novamente e depois de alguns segundos era veado correndo pra tudo que é lado e a Chita foi atrás, numa corrida lenta, escolhendo a sua presa. Escolha feita, foi um disparo que os metros que a separavam do escolhido diminuíram drasticamente que até foi difícil de acompanhar (as chitas podem atingir 105km/h). Quando faltavam apenas alguns centímetros para as garras da felina encostarem no springbok, o veado, esperto, mudou o seu rumo e quebrou as pernas da bichinha, já sem fôlego para continuar. Um dia do caçador e outra da caça!!! A mãe cansada caminhou sentido ao filhote que assistia a aula de longe e que veio consolar a mãe com suas lambidas. E nós, de olhos arregalados e coração na mão, seguimos viagem.

Passada rápida em Grootfontein para dar uma olhada no maior meteoro que já caiu na Terra e Rundu, no extremo norte da Namíbia, foi nosso destino e local de última tentativa para conseguir o visto angolano. Fomos super bem recebidos na embaixada e em 5 minutos já estávamos preenchendo os formulários e deixando os passaportes para pega-los em dois dias. Passado esse tempo, antes de irmos na embaixada, fomos no banco e quando esperávamos na fila, veio um homem e furou a nossa vez (coisa normal aqui na África). Não deixamos por menos e fomos cutucar o indivíduo e dizer para ele voltar para a fila, mas óbvio que ele fez cara feia e nos ignorou. Depois de algum tempo, nos demos conta que o cara era o tal angolano da embaixada que nos deu o visto. Na hora bateu o desespero!!! Só falta, agora, depois de tudo estar certo, o homem desistir de nos dar o visto por causa do mal entendido. Fomos para a embaixada rezando e no final, não é que o conseguimos! Foi até difícil de acreditar que depois de tantas tentativas frustradas foi tudo tão fácil. Apenas dois dias de espera, sem precisar de uma carta convite e obtivemos visto de turismo para 30 dias… somente tivemos que pagar o dobro do preço e “sem recibo”, é claro.

Entramos em terras angolanas no dia 14 de março e após cruzarmos a muvuca da borda, voltamos a dirigir do lado direito da estrada, coisa que não fazíamos há muito tempo. Foram várias as vezes que nos pegamos andando na contramão, mesmo que estivéssemos dirigindo em nosso lado original (como no Brasil).

Angola está reconstruindo seu país após 27 anos de Guerra Civil disputada entre os seus principais partidos: o MPLA, partido do governo liderado por José Eduardo dos Santos, e UNITA, o partido de oposição sob a liderança de Jonas Savimbi. As Nações Unidas estimam que mais de 1,5 milhões de pessoas perderam suas vidas na batalha e 4 milhões foram internamente deslocadas. A guerra terminou somente em 2002, com a morte do líder do partido de oposição e com o conseqüente aumento do poder do MPLA, com José Eduardo dos Santos no poder até hoje. Há quem diga que o país está mais para uma ditadura do que para uma república. Eleições já eram para ter acontecido no ano passado, foram postergadas para esse ano e pelo que tudo indica, não irão acontecer novamente. Falar mal do governo abertamente, nem pensar, pode resultar em morte.

A longa guerra civil causou grandes danos políticos e sociais no país. 70% da população vive abaixo da linha da pobreza e metade está desempregada e mesmo assim a Angola é o país que mais está crescendo economicamente no continente africano. Isso deve-se ao país ser o segundo maior produtor de petróleo e exportador de diamantes da África sub-saariana. Com tanto dinheiro rolando, tudo está em reconstrução e muitos investimentos externos estão sendo feitos, incluindo do Brasil. O maior desafio é conter a descontrolada corrupção e a falta de transparência do governo.

As estradas angolanas são famosas como sendo as piores da África, mas há quem diga que são as piores do mundo. Em 2001, num total de 51.429km de estradas, apenas 5.349km eram pavimentadas, o resto… é um buraco do lado do outro e alguns são crateras largas o suficiente para engolir o carro inteiro. Não é uma tarefa fácil dirigir nesse país e mesmo os carros 4×4 designados para tais situações, vão além de seus limites. Mas o futuro promete e com a ajuda dos chineses, a rede rodoviária angolana está sendo aos poucos construída e pavimentada.

Então, nosso progresso rumo a Lubango começou lento, com cada roda em um buraco diferente. Uma hora ou outra apareciam tanques e carros de guerra abandonados na beira da estrada, mostrando-nos que a guerra foi uma realidade. Andar pelas redondezas desbravando, nem pensar, pois ainda existem muitas minas terrestres. O governo estima que existam 80.000 sobreviventes de explosões de minas e anualmente, acontecem cerca de 800 mortes ou lesões sérias.

Lubango está localizada no Platô da Leba a uma altitude de 1.700m, sendo a cidade de maior altitude em Angola. Distingue-se por ser uma das três cidades do mundo a possuir uma estátua gigante do Cristo Redentor guardando de braços abertos a cidade a seus pés. Os outros dois estão no Rio de Janeiro e em Lisboa. Ali perto também visitamos um lugar chamado Tundavala, o qual é um paredão de 1.300m de altura despencando sobre um imenso vale de deixar pra trás muitos cânions que já visitamos. As vistas lá de cima são magníficas e se cair ali, morre de fome antes de chegar no chão, hehehe. Pra seguir para a costa, tivemos que descer o platô ziguezagueando pelas curvas ao lado do precipício. Foi coisa espetacular mesmo, que não esperávamos ver na Angola.

Devido a corrente marítima fria de Benguela e também ao deserto do Namibe ao sul, a costa sudoeste, da borda com a Namíbia até Luanda, é árida ou semi-árida, um desertão mesmo. Dirigimos por areias fofas por uns 60km para o sul costeando o Oceano Atlântico. Encalhamos (segunda vez que tivemos que usar o highlift jack – macaco de alta elevação – e as sandtracks – pranchas de aço), coletamos moluscos na praia, tivemos um encontro com os golfinhos surfando e brincando nas ondas, encontramos diversos ossos gigantes de baleia, dirigimos por entre cânions escultóricos, nos deparamos com welwitchias gigantes (aquelas plantas que falamos no diário anterior) e no final do dia deu até para jogar uma linha no mar. Outra vez fomos surpreendidos pela natureza, pois jamais imaginávamos que existia um deserto por lá.

Voltamos a boléia e às estradas ruins, mas que pelo menos já estão em reconstrução. Visitamos as praias das redondezas de Benguela e Lobito, porém o país carece de estrutura para o turismo e nem conseguimos ter acesso ao mar para vê-lo de perto. Seguimos até a capital Luanda pela costa e por incrível que pareça, por uma rodovia novinha em folha. Os angolanos não acostumados a dirigir em estradas tão boas, pisam no acelerador e os acidentes, na maioria gravíssimos, são muito comuns.

Pertinho da capital, visitamos o Miradouro da Lua, chamado assim pela semelhança com o terreno lunar. Também passamos ao lado do Museu da Escravatura de onde partiam os navios negreiros que levavam escravos angolanos para o Brasil.

O navegador português, Diogo Cão, foi o primeiro a chegar em Angola pela foz do rio Zaire ou Congo (extremo norte). Foram estabelecidas relações cordiais entre os portugueses e os soberanos do Reino do Congo, com intensas trocas comerciais, mas esta relação foi quebrada quando os portugas iniciaram a ocupação e administração da orla costeira através do estabelecimento de várias capitanias. Paralelamente, devido as necessidades de mão-de-obra nas terras brasileiras, iniciou-se o comércio de escravos que se manteve até o século XIX, quando Sá da Bandeira conseguiu aprovar em Portugal a abolição da escravatura. Depois de muita luta contra o domínio português, os angolanos conseguiram sua independência no dia 11 de novembro de 1975. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer oficialmente a independência de Angola. Em seqüência dessa data, começou a sofrida e quase que interminável Guerra Civil.

Enfim, Luanda! Assim que chegamos na cidade (por pouco não encontramos o Papa), nos deslocamos ao Clube Naval que recebe os viajantes que conseguem ingressar em território angolano e os deixa ficar de graça em suas instalações. No estacionamento do clube, ao som de músicas brasileiras que tocavam num restaurante da vizinhança, pudemos contemplar a melhor vista da cidade, que tem tudo para ser uma das mais bonitas da África. Na “moderna” Luanda, os casarios portugueses na beira-mar dividem cenário com os modernos prédios ao fundo, salpicados por quase centenas de andaimes de novos prédios sendo construídos.

A cidade foi planejada para abrigar em torno de 300.000 habitantes, que hoje, segundo dados imprecisos, já passa dos 3 milhões. A beleza e tranqüilidade é transmitida só de longe, pois estar no meio do centrão não é coisa fácil. Enquanto vendedores ambulantes e pessoas simples batalham nas ruas pela sua sobrevivência, carrões novos e de última geração (Hummers, Land Cruisers da Toyota, BMWs, Mercedes, etc.) desfilam no meio da pobreza. Com vidros fechados e ar condicionado no máximo, isolam-se da realidade de seu país. Lixo, tem em todos os cantos e em grande quantidade, prédios abandonados, trânsito desorganizado e muito, mas muito congestionamento.

Luanda é a cidade mais cara do mundo para se viver e no país inteiro tudo é muito caro, incluindo a comida que é importada em sua maioria. Um pão de forma = 4 dólares, 1.5L de guaraná antártica do Brasil = 5 dólares, camping = 20 dólares/pessoa, restaurantes = 30 dólares/pessoa no mínimo, aluguel de uma casa boa com 2 quartos = 15.000 dólares pra cima, só o combustível que é barato.

Pelo breve contato que tivemos com o povo angolano, pudemos encontrar pessoas alegres, simpáticas e receptivas. Ouvimos dizer que eles não gostam muito de brancos, principalmente portugueses, mas têm um carinho especial pelos brasileiros, devido a nossa cultura ser muito consumida por eles (música, novelas, literatura e futebol). Eles até tentam falar com o nosso acento e muitas gírias do Brasil podem ser escutadas.

Por lá também, tivemos o prazer de conhecer o brasileiro Mário, de Presidente Prudente – SP, que mora em Luanda e trabalha para uma construtora também brasileira. Fomos convidados por ele para comer uma picanha e tomar uma Nova Schin em sua casa na companhia de mais 7 brasileiros. Também conhecemos pessoalmente um casal de sul-africanos, Mari e Charles, que por contato de outros amigos propuseram-se a nos ajudar com a Carta Convite para conseguir o visto angolano. Nem precisamos da carta, mas valeu a pena, pois no fim pudemos conhecer essas duas pessoas queridas.

Depois de cinco dias, resolvemos seguir viagem, só que demorou um pouco para realmente sentirmos o vento entrando pela janela. Primeiro, levamos quatro horas e meia para cruzar o congestionamento de Luanda. Geralmente pedimos para o GPS nos guiar pelo caminho mais curto, porém nem sempre ele nos leva para os melhores lugares e terminamos no meio da vila e consequentemente no meio de um tumulto da pezada. Vencido o congestionamento, agora foi a vez de enfrentar quase uma hora e meia na fila do posto de combustível para abastecer. Que sufoco! Quando finalmente caímos na estrada, não tínhamos nem feito 60km, o carro começou a fazer um barulho estranho e o motor superaqueceu. Paramos o carro na hora e já com o capô aberto não tínhamos a menor idéia do que estava se passando.

Quando vimos que não havia água no radiador, o enchemos e aos poucos, a temperatura voltou ao normal. No caminho de volta pra Luanda, após poucos quilômetros, o marcador pulou para o vermelho novamente. Descobrimos então que uma mangueira d’água havia se rompido, mas como podíamos concerta-la ali mesmo, ficamos felizes, pois não precisaríamos voltar para aquele caos que é Luanda. 10km adiante, mais um superaquecimento e agora o desespero pegou, pois estamos num país caro, com mão-de-obra desqualificada, quase final de sexta-feira e tínhamos data para entrar e sair da República Democrática do Congo (nosso próximo destino).

No outro dia de manhã bem cedo voltamos para Luanda. A concessionária da Land Rover estava fechada no sábado, mas tivemos a sorte de achar 3 irmãos mecânicos que entendiam muito de Land. Descobrimos que o superaquecimento causou a queima da junta do cabeçote e tivemos que desmontar o topo do motor. Ainda bem que o cabeçote não empenou e nenhum outro dano foi causado ao coração do Lobo da Estrada. 3h da tarde já estávamos deixando Luanda novamente, agora para não voltar mais.

Foi no norte que o bicho pegou, pois caímos na pior estrada te todo o percurso até agora. Foram 165km de sofrimento, num total de 10h dirigidas em dois dias. Nossa média não passou dos 16km/h e nossa velocidade máxima foi de apenas 52km/h. Nas baixadas cruzávamos poças d’água que de tão fundas, seriam uma barreira para veículos sem snorkel. Nas subidas, aí que era a pior parte, pois as águas da chuva conseguiam formar profundas erosões. O suor escorria não apenas pelo esforço, mas também devido ao calor e alta umidade no ar. A noite, de tão cansados nem tínhamos vontade de comer.

Cruzamos diversas vilas no meio do nada, onde os locais ficavam surpresos em ver um carro por lá e o mais legal é que podíamos nos comunicar em português com eles. Numa delas, nos distraímos abanando para eles, caímos num buraco e quase tombamos. Uma das rodas dianteiras já estava no ar. Aí ocorreu um episódio que comprova uma das grandes características africanas. Pedimos ajuda para o pessoal que literalmente rodeou nosso carro, mas eles falaram que ajudariam só se pagássemos. Mas o engraçado é que quando vêm um carro e principalmente um branco, todos estendem suas mãos pedindo comida, dinheiro e acham que temos a obrigação de dar sem nada em troca e quando chega a hora de eles ajudarem ao próximo, nem se mobilizam. Pegamos nossa pá, cavamos para uma das rodas traseiras nivelar com a outra e caímos fora, tristes com essa realidade.

Fora as condições da estrada, dois novos problemas apareceram: vazamento de ar (turbo) e água (radiador), que ocorreram devido a má montagem do motor após a troca da junta do cabeçote. Entretanto, de metro em metro, fomos vencendo os desafios e chegamos sãos e salvos na borda com o República Democrática do Congo.

Álbum: Namíbia 3

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Álbum: Angola

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