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Diário de Bordo 63 – Venezuela 4

Diário de Bordo

(30/09/2009 a 13/10/2009)

A segunda parte de nossa viagem pela Venezuela foi marcada pela beleza da Gran Sabana…

…grande savana em português, que é um território ao sul do país de uma altitude acima dos 1.000 metros, repleto de uma natureza sobrenatural com lindas planícies, rios, cachoeiras e mais de cem Tepuys (montanhas com o topo plano sustentados por altas paredes verticais). Com tantas atrações que a Gran Sabana possui, a região já virou destino preferido dos turistas, mas também não é pra menos, pois é aqui que se situa o majestoso Monte Roraima e a maior queda d’água do mundo, o Salto Angel, com seus nada menos que 979 metros de altura. Infelizmente, o Salto Angel vai ficar para uma próxima, pois para se chegar lá, principalmente na época de chuvas, é necessário pegar primeiramente um avião, depois um barco e ainda fazer um trecho a pé, o que não é nada barato.

Nós, ainda em companhia do casal de alemães Mike e Anne, dedicamos um bom tempo para a Gran Sabana, pois queríamos acampar as margens de algumas das inúmeras cachoeiras, bem como fazer a caminhada para o Monte Roraima. E por entre os diversos acampamentos e todas essas cachoeiras, incluindo a do interior de nosso carro que até parecia o Salto Angel quando chovia, fomos curtindo bons off-roads, muita fotografia e milhões de mosquitos borrachudos.

Em São Francisco de Yuruaní, pegamos algumas informações sobre o Monte Roraima e descobrimos que se apenas contratássemos um guia (o que é obrigatório) para fazer esta grande caminhada, o preço estaria dentro de nossa expectativa. Saímos da estrada principal e rumamos a Paraitepuy, último vilarejo possível de chegar-se de carro e onde inicia a caminhada. Paraitepuy abriga a tribo de índios Taurepang, sendo ela uma das 116 etnias de toda região.

Preparamos nossas mochilas e no outro dia partiríamos, mas Anne Christine amanheceu com febre e tivemos que postergar nossa partida. E foi enquanto esperávamos que uma história muito interessante e um pouco assustadora aconteceu, a menos de 150 metros de nosso acampamento. Foi assim: passou o primeiro índio, depois mais um, mais dez e quase a vila inteira. Não queríamos dar uma de bisbilhoteiros, então, apenas o que vimos naquele momento foi um senhor, ainda com vida, sendo socorrido por seus companheiros.

Imaginamos que aquele senhor ficara doente e morasse naquela direção… mas que nada, a história verdadeira nos foi contada quando alguns dos índios vieram nos perguntar se no dia anterior, no horário que chovia muito forte, havíamos visto ou ouvido algo anormal, já que estávamos ali tão perto. Esse pobre senhor, que faleceu depois de algumas horas, foi atacado por outros dois índios de uma outra etnia, que tiveram o intuito de simplesmente matar. Pelo que nos contaram, isso é um fato que acontece com certa freqüência e estes índios assassinos estariam dopados por uma droga que os antepassados utilizavam quando caçavam, para ficarem fortes e mais rápidos (O cumi, como ouvimos em uma conversa). O corpo de quem mata uma pessoa, após o ataque, é invadido por um espírito do mal, causando uma dor infernal no coração, músculos, juntas e esta, é somente aliviada quando o assassino bebe do sangue da vítima, livrando-se também do mal espírito.

Para nós, segundo eles, não existiria nenhum risco, pois não somos alvo dessa matança, mas uma coisa é certa, o facão passou a ficar mais perto, hehe, eu hein!!! Bom, até o próximo dia, quando começamos nossa pernada rumo ao Monte Roraima, os próprios índios da vila faziam patrulhas, cada um nas encostas de uma parte da mata, que segundo eles, os assassinos estariam por ali vagando, uivando como lobos e agindo como animais, possuídos pelo mal espírito. Impressionante!

Falando sobre a caminhada, o dia da partida foi o primeiro dos 5 planejados e com uns quilinhos a mais nas costas, dentre comida, barraca, equipamentos fotográficos e outros, esse dia foi bem cansativo e rendeu uns calinhos nos pés da Michelle. Segundo dia, em uma inclinação pequena, caminhamos quilômetros e mais quilômetros para subimos até 1.870 metros de altitude, tendo partido de perto de 1.000 metros. A segunda noite dormimos na base do paredão e por isso, o local é conhecido por acampamento base. Chegamos no topo do Monte Roraima pelas 12:00hs do terceiro dia, 2.875 metros de altitude, após uma subida muito puxada e inclinada, debaixo de chuva.

Já estávamos fascinados com essa montanha só pelo caminho até o topo, onde percorremos planícies, mata fechada, rios e cachoeiras, mas quando chegamos lá em cima, a paisagem mudou drasticamente e parecia que estávamos num outro mundo. As pedras tomavam conta, mas por entre elas, visitamos o vale dos cristais; as piscinas de águas cristalinas batizadas de jacuzis; fomos a La Ventana, que é uma espécie de janela natural na borda do paredão e pudemos contemplar sua flora, compostas de espécies únicas (metade dos 2.000 exemplares de plantas são encontrados somente ali), dentre elas algumas flores carnívoras. Nosso acampamento no topo foi no que os locais chamam de hotéis, que são cavernas naturais escavadas pelo tempo, onde acampamos protegidos da chuva. O visual de lá era de perder de vista.

O Monte Roraima possui algumas lendas e uma delas conta que foi ali que nasceu Macunaíma, filho do sol e da lua, índio guerreiro cheio de poderes, que se tornou herói dos Macuxis. Mas além destas lendas, o Monte Roraima possui curiosidades que são bem verdadeiras, como o Ponto Triplo, o qual infelizmente não visitamos devido ao tempo curto, mas é onde encontram-se as 3 nações: Venezuela, Guiana e Brasil.

Quarto dia, quando nos pusemos de volta a mesma trilha que subimos, já sentíamos por não ter planejado a estada de mais um dia no alto do Monte Roraima. Mas como diz o velho ditado: “O que é bom, dura pouco”… tivemos que descer. Caminhamos morro abaixo cerca de 8h até o Rio Tek, para que no quinto dia, voltássemos a Paraitepuy.

E foi no momento em que partimos dessa vila indígena, agora com nossos carros, que as perninhas começaram a tremer. Não por termos caminhado tanto e as mesmas estarem doídas, mas pelo motivo de que nesse dia, após exatamente 958 dias, estaríamos voltando para a terra amada, o nosso Brasil. Estávamos muito felizes, mas tão felizes que muitos talvez nem entendessem! Ao mesmo tempo, aquele friozinho na barriga, pois isso indica que nossa viagem está em sua reta final.

Quando chegamos na borda, tudo estava fechado, tanto na Venezuela como no Brasil, pois os oficiais estavam em horário de almoço. Então, em conversa com um dos militares, negociamos nossa ida ao Brasil, cidade de Pacaraíma, só para almoçarmos em uma churrascaria e depois voltaríamos para a Venezuela novamente para regularizar nossos passaportes, para então cruzar oficialmente para o Brasil. Fizemos isso e lá na churrascaria do Negão, a apenas 1 km da borda, desfrutamos de uma Antarctica e do melhor churrasco dos últimos tempos, tudo em um atendimento de primeira.

E de repente ouvimos, ali, nesta churrascaria: – “Ei, vocês não são de São Bento?” “Lembram de mim?” Era o Eduardo, de Florianópolis, que vive a algum tempo na Europa, mas que há quase dois anos atrás cruzou conosco o passe mais alto em que já estivemos, o Thorung La Pass (5.416 metros de altitude), no Circuito Annapurnas, Himalaia, Nepal. Incrível, esse mundo é pequeno mesmo!!!

Álbum: Venezuela 4

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