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Diário de Bordo 28 – Camboja

Diário de Bordo

(26/12/2007 a 04/01/2008)

Viajar pelo Camboja é…

…ficar maravilhado com o esplendor dos templos de Angkor, é sorrir com as pessoas queridas e amigáveis, é ficar maluco enquanto dirige entre as milhares de motos em Phnom Penh, é chorar quando deparar-se com sua brutal história e é viajar por um mundo que viveu um pouco do paraíso e do inferno. Viajar pelo Camboja é aprender a olhar a vida com outros olhos…

Chegamos à borda Tailândia/Camboja ainda com um pé atrás, pois não sabíamos se iríamos conseguir entrar com o nosso carro no país. Depois de enfrentamos a imensa fila da imigração, seguimos o fluxo em direção a aduana, onde fomos surpreendidos pelo carro que estacionou ao nosso lado: uma Land Rover 110 com placa da União Européia! De dentro dele, saíram os franceses Thierry e Coralie, com olhares curiosos e querendo saber a nosso respeito. Eles estavam saindo do Camboja, o que comprovava que era possível entrarmos dirigindo o Lobo. Nossa entrada foi de uma forma muito fácil, apenas com uma fotocópia autenticada do documento do veículo, a qual foi carimbada com a data de entrada e assinada pelos oficiais.

Depois de duas horas de conversa e troca de experiências com os novos amigos, seguimos nosso caminho sentido a Siem Reap, cidade que é o portão de entrada dos Templos de Angkor. Foram quase 4h de viagem para rodar apenas 150 km por uma estrada empoeirada e esburacada até chegar ao lugar mais turístico do Camboja, que chega a receber quase 1 milhão de visitantes por ano. Rumores dizem que uma companhia aérea tailandesa paga uma comissão para um partido político cambojano, para este manter a estrada precária, fazendo com que a maioria dos turistas que se dirigem a Siem Reap, voem de Bangkok com esta empresa aérea. Pode??? Mas chegar a Siem Reap é como chegar a um oásis no meio do deserto. Hotéis 5 estrelas e uma estruturada incrível para o turismo, o que não tem nada haver com o que vimos do país no caminho até lá e infelizmente poucas pessoas vêem o real Camboja, pois chegam ali de avião.

As ruínas de templos da região, consideradas parte do Patrimônio Mundial (UNESCO), são o que restou das capitais angkorianas do Império Khmer, o qual floresceu entre os séculos IX e XII na região do Camboja. Estendendo-se por mais de 400km2, incluindo áreas florestais, o império chegou a abrigar cerca de um milhão de pessoas, enquanto que na mesma época, Londres possuía apenas 50.000hab. Foram encontrados mais de 1.000 templos, dentre os quais, Angkor Wat, Angkor Thom, Bayon, Preah Khan, Pren Rup e Ta Prohm merecem destaque. No ano de 1434, após serem saqueados pelos tailandeses, a cidade de Angkor foi abandonada e a capital foi transferida para as proximidades de Phnom Penh, deixando a sua monumental, porém indefesa cidade, às intempéries do tempo e ação da vegetação ao seu redor.

Compramos um tiquete que nos permitia visitar por três dias o complexo de Angkor. Dirigimos o nosso carro dentro das muralhas do antigo império, caminhamos por todos os lados, subimos e descemos diversos templos, torramos debaixo do sol, tiramos muitas fotos, vimos o pôr-do-sol aqui, o nascer do sol ali e confessamos que foi de cansar de tanto ver templos, mas valeu muito a pena!!

No dia 29 de dezembro, tivemos que voltar 100 km por aquela estrada horrível que tínhamos pego na vinda e Siem Reap foi ficando para trás, até que desapareceu entre as nuvens de poeira. Cruzamos a planície lacustre formada pelas inundações do Tonlé Sap (Grande Lago), que tem cerca de 2.590km² de superfície durante a estação seca e 24.605km² na estação das chuvas. Esta planície densamente povoada é dedicada ao cultivo de arroz, é uma fonte riquíssima em peixe de água doce e constitui o coração do Camboja. Dirigimos sentido a cidade de Kompong Chhnag, onde ouvimos falar que existia, nas águas do rio Tonlé Sap, uma cidade flutuante.

Pegamos um barco a remo que nos custaram apenas quatro dólares e fizemos um passeio de quase 2h por essa cidade flutuante. Algumas casas eram construídas sobre uma base de bambu, outras sobre barcos e outras eram os próprios barcos. Ficamos impressionados ao ver que eles têm de tudo: cachorro, gato, porco, galinha, pato, jardim, aquários onde mantêm os peixes vivos e frescos, igreja, bares, restaurantes, mecânicas para barcos… mas o ponto mais forte foi ver o dia-a-dia das pessoas, com as crianças brincando, mulheres cozinhando e lavando roupa no rio, homens pescando, arrumando os barcos e fazendo suas redes. Sensacional experiência.

Em contra partida, na capital Phnom Penh, não começamos nosso dia com o pé direito. Eram 7h da manhã, horário de grande tumulto na rua, quando viramos para a direita para entrarmos em um posto de combustível e batemos com uma moto que nos ultrapassava pela direita. A esperta da mulher caiu, porém, saiu ilesa e sem nenhum ferimento grave. E não levou um minuto e fomos rodeados por uns trinta caboclos que quando viram que éramos estrangeiros e que o carro também era de fora, começaram a induzir a mulher a nos pedir dinheiro, alegando que nós éramos culpados. Depois de muita discussão a mulher assumiu a culpa, mas continuou dizendo que nós teríamos que pagá-la, pois nosso carro é maior que a sua moto. Ficamos indignados, porém resolvemos pagar os muito bem negociados U$ 20,00 pelos seguintes motivos: não queríamos mais ficar com aquelas pessoas ao nosso redor nos enchendo o saco; se fossemos a polícia, talvez teríamos que pagar ainda mais pois aquele simples xérox, com o qual tínhamos entrado com o nosso carro no país, talvez não fosse um documento oficial e porque estamos no país deles e temos que seguir as suas leis, mesmo que sejam as mais absurdas.

Na verdade, nem sabemos se existe alguma lei por aqui, pois tudo é permitido, principalmente se falando de motos. Vale ultrapassar pela direita, pela esquerda, andar na contramão, furar sinal, cruzar a rua sem olhar, ignorar os pedestres, buzinar para tudo e todos, andar sem capacete, carregar crianças (vimos uma moto com 1 adulto e 4 crianças e todos sem capacete), andar em 5 pessoas em uma moto, andar sem luz, sem espelho retrovisor, carregar animais, toda a mudança e tranqueiras que conseguirem empilhar na moto e assim por diante. Como vamos alegar que uma pessoa está errada se tudo pode? O negócio é pagar e cair fora o quanto antes.

Mas depois de todo esse tumulto, não tivemos nem tempo de pegar um fôlego, pois já o perdemos quando visitamos o Museu Tuol Sleng ou Khmer Rouge S21 Prision. O Khmer Vermelho (Khmer Rouge em francês) foi o partido comunista do Camboja que em 1974, após o término da Guerra do Vietnã, assumiu o poder do país através da conquista de Phnom Penh. Liderados por Pol Pot, o objetivo do grupo era transformar o país em maoísta, baseado no cooperativismo. A primeira medida realizada foi tirar todo mundo das cidades e enviá-los aos campos de arroz para realizarem trabalhos escravos. Famílias foram separadas e todos eram obrigados a trabalhar, desde velhos, doentes e crianças.  Não era permitido conversar, cantar, amar e qualquer forma de revolta era vista como uma ameaça e as pessoas eram executadas ali mesmo. Não existia mais uma moeda local, tudo era oferecido pela China, o Big Brother, e a contagem do tempo e data também foram abolidas e aquele momento era para ser o ano zero.

As pessoas que possuíam educação também eram aniquiladas na hora, pois o grupo queria formar uma população burra, a qual aceitaria mais fácil as suas exigências. Não se sabe exatamente quantos morreram nas mãos desse governo durante seus 4 anos de domínio. Aparentemente 2 milhões de pessoas foram mortas, mas muitos que morreram de cansaço e fome nem foram contabilizados, podendo chegar em torno de 3 milhões.

Este Museu que visitamos, S21, foi o mais secreto órgão do Khmer Rouge e serviu como prisão e lugar de tortura dos chamados “inimigos” do regime, ou seja, pessoas que demonstrassem alguma ameaça. Os prisioneiros eram torturados e obrigados a dizer nomes de pessoas relacionadas a ele, familiares, amigos, os quais também seriam capturados e liquidados nos chamados Campos de Matança. Somente nesse local, foram torturadas e assassinadas cerca de 12.000 pessoas.

Os soldados do Khmer Vermelho eram apenas crianças, principalmente meninos de 10 a 15 anos sem nenhuma educação, os quais foram tirados de suas vilas e educados para servir ao grupo. Eles também passaram a ser prisioneiros do regime, pois se não obedecessem, poderiam ser as próximas vítimas.

Depois de terem sido derrotados pelo Vietnã, os guerrilheiros fugiram para o oeste e durante os anos 80, montaram uma guerrilha na selva contra os vietnamitas, sendo armados e financiados pela China, Tailândia e indiretamente pelos Estados Unidos. O regime do terror terminou somente em 1998 com o triunfo da democracia. O líder Pol Pot foi morto, porém muitos dizem que ele ainda pode estar vivo.

Saímos do museu horrorizados e com o coração apertado. A que ponto chegam as pessoas… matar seus próprios irmãos… sua própria nação… (sem palavras!)

Bom, o Ano Novo estava chegando e rumamos sentido ao sul, sentido as praias cambojanas. Nossa virada de ano foi na pacata cidade de Krong Kep. Jantamos um peixe grelhado com vegetais e estava uma delícia. Fomos para o nosso carro esperar a meia noite, porém acabamos dormindo. Acordamos, por sorte, cinco minutos antes da virada esperando ver os fogos de artifício, mas o silencio pairou no ar e nem demorou muito para dormirmos novamente, hehe. No outro dia, em companhia de nosso grande amigo André, nos deliciamos com os camarões na pimenta preta e esses foram de lamber cada dedo umas dez vezes.

Na praia seguinte, Sihanoukville, fizemos mais amigos: Casper, holandês que está rodando o mundo em um caminhão e o casal Marie e Rick, ele, amante da música popular brasileira e apaixonado pelo Brasil. Na companhia do casal, experimentamos uma das especialidades da cozinha cambojana, aqueles embriões de galinha (na verdade, esse era um embrião de pato). O gosto não é nada mal. O problema é quando você olha para o que você está comendo e vê aquele pintinho, todo bonitinho, com penas, ossinhos, bico e órgãos a se formarem… aí é que o negócio não desce e é necessário adicionar muita pimenta e limão. Mas não frouxamos, não!!!!

Como é lei, a vida boa e tranqüila não dura para sempre e tivemos que seguir viagem novamente rumo à Tailândia e isso ficará para o próximo diário.

 

PS1 – O Camboja foi o único país no qual nos deparamos com pedintes de rua. Eles são na maioria crianças e aleijados, que foram vitimas das minas terrestres e do Khmer Rouge. No Complexo de Angkor fomos furtados, não sabemos por quem, mas levaram nosso estimado adesivo do Kiwi lá da Nova Zelândia.

PS2 – Sugestão de filme: interessados em saber um pouco mais sobre a época do Khmer Rouge, compramos um filme chamado Killing Fields (1984). É um filme de Roland Joffé sobre o jornalista americano Sidney Schanberg e seu assistente cambojano durante e depois a guerra civil no Camboja.

Álbum: Camboja

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