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Diário de Bordo 58 – Marrocos

Diário de Bordo

(01/06/2009 a 24/06/2009)

A mistura de uma sociedade conservativa e liberal, de um povo secular e islâmico, de um meio rural e urbano, de uma tradição árabe e berbere, de uma necessidade de fazer dinheiro e hospitalidade, faz do atual Marrocos um país de contrastes!

Os primeiros habitantes conhecidos do Marrocos foram nômades que possuíam um parentesco distante com os egípcios. Então chegaram os fenícios, depois os romanos, que chamaram aqueles nômades de ‘berberes’, querendo dizer bárbaros. Em seguida vieram os bizantinos e por último os árabes (no século VII) difundindo o islamismo. Os berberes assumiram o controle no século XI e governaram, não só o Marrocos e reinos vizinhos, mas também a parte sul da península ibérica. A França tomou o controle em 1912 e cedeu à Espanha uma porção de terra no extremo norte. Porém, sobre pressão tanto pelos marroquinos como pelos países aliados, a independência começou a ser negociada e foi adquirida em 1956.

Na década de 70, quando o Marrocos estava altamente endividado, seus governantes viram uma oportunidade no país vizinho ao sul, rico em minérios e principalmente fosfatos, e aclamaram aquele território. Em 1975, invadiram os limites do Saara Ocidental com a chamada Marcha Verde, constituída de 350.000 voluntários desarmados. A Espanha, com grande influência na região, evitou o conflito e conduziu a assinatura de um acordo em que eram satisfeitas as ambições marroquinas. A Argélia e a Mauritânia também entraram no conflito de interesses e apesar das terras atualmente serem ditas marroquinas, essa questão ainda não está bem resolvida.

Vindos de 520km de puro deserto, entramos em mais deserto, mas agora com uma estrada perfeita. Devido aos ventos fortes que vinham do Oceano Atlântico e as diversas paradas policiais querendo controlar todos os nossos passos neste território instável, foram necessários 5 dias para cruzarmos os mais de 1.500km do sul do Marrocos (anteriormente Saara Ocidental). Nessa quase uma semana na estrada, encontramos cidades monocolores, onde homens enchiam os cafés e as mulheres eram malmente vistas. Passamos também por diversas vilas de pescadores, os quais pescavam em penhascos de 30m de altura e cruzamos planícies intermináveis, onde uma vez ou outra apareciam dunas enormes perdidas no meio do nada. A solidão foi quase cem por cento do tempo a nossa companheira, só indo embora quando dividíamos a estrada com um dos diversos Land Rovers antigos que encontramos no caminho.

Chegando na cidade costeira de Agadir nos deparamos com um gigante, as Montanhas Atlas! Essas montanhas, que cruzam diagonalmente o Marrocos da costa atlântica até o norte da Argélia (quase 1.000km de extensão), formam a maior cadeia montanhosa do norte da África e têm como o seu ponto culminante o Jebel Toubkal  (4.167m). Não é por menos que na língua berbere as Montanhas Atlas são chamadas de ‘Idraren Draren’, ou seja, Montanha das Montanhas.

A maioria das vilas berberes, com suas construções de barro, situam-se penduradas montanhas abaixo, enquanto que as margens dos rios e riachos no fundo dos vales são tomadas por terraços irrigados que aproveitam cada gota d’água de uma região predominantemente seca. Já as partes mais altas, onde não encontra-se água facilmente, são inabitadas. Os únicos que aventuram-se por essas bandas são os pastores com seus rebanhos de ovelhas e dromedários.

Diversos vales serpenteiam ao longo das montanhas, sendo que os mais famosos são o Dadès Gorge e o Todra Gorge. No primeiro, penhascos retorcem-se de uma maneira extraordinária e paredões brotam do leito de um pequeno rio. Já no segundo, a parte mais impressionante é quando o vale estreita-se a apenas alguns metros de largura e os paredões de pedra avermelhados sobem até 300m de altura. Mais ao norte da cadeia, as montanhas são cobertas por florestas de cedros centenários e noutras, durante o inverno, são estações de ski.

É possível passar dias e mais dias nas altitudes do Marrocos, dirigindo acima dos 2.000m,  caminhando pelas diversas trilhas, assistindo o movimento local ou procurando fósseis e cristais, os quais são muito comuns na região. Os acampamentos nessa parte também são os melhores, seja na beira dos rios cristalinos ou no alto das montanhas com as melhores vistas.

Intercalando com nossos ziguezagues nas montanhas, visitamos também diversas cidades marroquinas. Marrakesh possui o maior souq (mercado tradicional) do país e uma das praças mais movimentadas da África, a Djemaa el-Fna. Todos os dias ao entardecer, essa praça é invadida por acrobatas, encantadores de serpentes, curandeiros, músicos, dançarinos, contadores de história, barraquinhas de comida vendendo cabeças de cabra ou o prato nacional chamado de tajine ( feito com carne e vegetais ao bafo, cozidos lentamente num prato tradicional de barro)… mas achamos que esse espetáculo tornou-se muito comercial, deixando de ser uma realidade local e tornando-se coisa pra turista ver. Ouvimos tanto falar de Marrakesh e apesar de sua beleza, modernizada pelo dinheiro do turismo, acabamos nos decepcionando um pouco.

A magia que faltava em Marrakesh, encontramos em cidades como Taroudannt, cercada por uma muralha ainda impecável, e também em Ouarzazate, com sua cidade antiga linda e famosa, por ter sido o cenário de vários filmes como: O Gladiador, Lawrence das Arábias e Jesus de Nazaré. Mas foram Fés e Chefchaouen com suas medinas (cidades antigas) que ficamos encantados mesmo.

Fès é a maior cidade medieval islâmica do mundo que ainda é habitada. Sua medina, fundada no século IX e declarada Patrimônio Mundial da UNESCO em 1981, possui milhares de ruas estreitas que cruzam mercados, bazares, lojas, restaurantes, pequenas fábricas, mesquitas e residências escondidas atrás de cada esquina. Andar por ali é extremamente confuso e é impossível de não se perder, o que faz parte da diversão! São tantos sons, cheiros, pessoas, que não dá pra descrever o que acontece num dia naquelas ruelas, isso que nem sabemos o que se passa por detrás das paredes. Um exemplo disso são as tanneries, fabriquetas rudimentares onde trabalhadores processam o couro de cabra, vaca e camelo por míseros 4 dólares por dia de trabalho. Se os vendedores das lojas de couro não nos levassem para os terraços de suas lojas, jamais saberíamos da existência das tanneries no meio da medina.

Chefchaouen, localizada ao norte do país, é uma das cidades marroquinas mais bonitas, tendo sua medina com edifícios azuis e brancos, um prazer para os olhos. Aqui também dá para se perder, não só nas ruelas, mas em adjetivos para descrever a sensação de estar ali.

Depois de tantas montanhas e cidades, já estávamos com saudades do Deserto do Saara. Dirigimos, então, rumo ao sudeste do país onde encontra-se o Erg Chebbi, um campo de dunas formadas pela movimentação das areias pelo vento. Nossa intenção por lá era de realizar um de nossos sonhos: andar de camelo! E foi o que fizemos… numa caravana de 5 camelos, entramos 6km nas dunas até um acampamento de tendas onde passaríamos a noite no deserto. O extrovertido guia berbere animou nossa noite com muita música e piadas. Embebedados pelo whisky marroquino (chá verde com hortelã), à meia-noite deixamos as tendas para escalar uma duna de mais de 200m de altura e quando voltamos, cansados de andar na areia fofa, dormimos a céu aberto. No outro dia cedinho, acordamos com os primeiros raios de sol e vimo-nos inseridos num cenário alaranjado fascinante. Pena que sempre chega a hora de voltar!!!

Rumamos agora para o norte e nosso destino foi as Montanhas Rif, situadas ao longo da costa do Mediterrâneo. Aqui não foi a paisagem que marcou nossa viagem, mas sim um encontro de perto com os marroquinos.

Tínhamos acabado de sair duma cidadezinha onde compramos pão, quando um carro passou ao nosso lado abanando e com uma barra quadrada marrom na mão do passageiro. Pensamos que havíamos esquecido a carteira, a qual possuía o mesmo formato e cor. Quando paramos o carro, descobrimos que não era nossa carteira e os dois marroquinos vieram falando: “Hashish, Hashish!” Demorarmos alguns segundos até entender que o que nos ofereciam era maconha. Explicamos que não fumávamos, mas mesmo assim nos convidaram para tomar um chá em sua casa ali perto, então, aceitamos. No começo ainda insistiram para experimentarmos ou para tentarmos ajudá-los com contatos para comprar e transportar as paradas, porém quando viram que não iriam conseguir nada com a gente, tudo se transformou e a barreira que nos separava dos verdadeiros marroquinos foi quebrada.

Copos e mais copos de chá, com direito a passeio pela plantação de hashish e tudo. Juntou quase toda a familiarada, homens com homens reunidos na sala de TV e mulheres com mulheres, ensinando a Michelle a fazer o típico couscous marroquino. Isso provou mais uma vez que a hospitalidade islâmica é 100%. (Infelizmente, a pedido de nossos amigos, as fotos foram censuradas de nosso site). Acabamos passando a noite ali mesmo e noutro dia quando partimos, com os olhos mais atentos, percebemos que tudo o que se plantava na região era maconha. E na beira da estrada mesmo, bem na cara dura.

Pesquisando mais a fundo, descobrimos que a maior parte da droga consumida na Europa é produzida no Marrocos (80% das 3.000 toneladas fumadas todo ano) e segundo o relatório de 2005 do Centro das Nações Unidas contra a droga e o crime, representa 31% da produção mundial. Porém o kif, marijuana, maconha, hashish, ou seja lá como for chamada, é uma tradição marroquina que data desde o século XVI. Somente na década de 70, com a explosão da demanda européia, que a droga passou a ser produzida para exportação. Atualmente ela é ilegal no Marrocos, mas nada que uma molhadinha na mão da polícia não resolva, como disseram nossos amigos.

Dali, mais um pulinho e já estávamos as margens do Mar Mediterrâneo e quando soubemos que a tarifa das balsas que cruzam para a Europa iria dobrar (alta estação), não pensamos duas vezes e compramos nossos tíquetes. Somente a alguns metros da borda é que deu aquele friozinho na barriga e nos demos conta que, após 11 meses e 9 dias, a aventura na África havia acabado.

Cruzamos a fronteira sem muito esforço e, de tão fácil, quase que sem carimbos de entrada para a Espanha. Entrando em Ceuta (território no extremo norte africano que pertence a Espanha), um clima no ar nos dizia: “Bem vindos ao primeiro mundo!!!”

 

MAPA MARROCOS

MAPA ÁFRICA

Álbum: Marrocos

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