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Diário de Bordo 14 – Colômbia 1

(22/12/2014 a 07/01/2015)

Colômbia, 60 anos em busca da PAZ…

Dia 22 de dezembro de 2014 cruzamos a fronteira para visitarmos pela terceira vez a Colômbia. Mas nesta última, nossa história com esse país começou quando ainda estávamos em Sucre, Bolívia, onde fomos presenteados, por um casal de viajantes argentinos, com um seriado colombiano chamado Escobar: El patrón del mal. A partir deste dia foram várias as noites que assistimos os episódios da tal novela, que nos deixou extremamente curiosos em visitar a Colômbia novamente para saber como estava sua situação política e social. Também queríamos entender melhor a história tão trágica e cruel que viveram nossos vizinhos.

O assassinato, em 1948, do candidato liberal à presidência Jorge Eliécer Gaitán foi a gota d’água para dar início a um período conhecido como La Violencia, quando os partidos colombianos liberal e conservador entraram em conflito por disputa de poder. Os liberais aliaram-se a grupos socialistas numa guerra civil contra os conservadores que durou 16 anos (1948 a 1964). Em 1964, temendo o crescimento da guerrilha comunista, influenciada pela revolução cubana, os liberais mudaram de lado e se aliaram aos conservadores contra os socialistas. Os guerrilheiros adeptos do socialismo, sob a liderança de Manuel Marulanda, fundaram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC), com o propósito de implantar o socialismo em território colombiano. Outros grupos de esquerda também se formaram como o Exército de Libertação Nacional (ELN) com ideais guevaristas. Em 1968 foi aprovada uma lei, pelo então governante, que dava liberdade para a formação de milícias paramilitares para combater os guerrilheiros de esquerda. Esses grupos de direita, em 1997, juntaram-se e fundaram as Autodefensas Unidas da Colômbia (AUC), sob o comando de Carlos Castaño e Salvatore Mancuso. Cada uma das formações citadas, a seu modo, visava chegar ao poder não pelos procedimentos democráticos, mas pela luta armada revolucionária.

Durante os anos 80 surge um novo elemento para complicar ainda mais o panorama colombiano: o tráfico de drogas, tendo como seu maior ícone Pablo Emilio Escobar Gaviria. Ele conquistou fama mundial como o Senhor da Droga quando, no auge de seu império, dominou 80% do tráfego mundial de cocaína. Era o cabeça do Cartel de Medellín e foi considerado mundialmente o mais brutal, ambicioso e poderoso traficante da história. Tornou-se um dos homens mais ricos do mundo, chegando a faturar cerca de um milhão de dólares por dia (1kg de pasta de coca poderia custar até USD 60.000,00 nos EUA). Suborno, corrupção e intimidação foram características dominantes em sua forma de agir. Sua principal tática era conhecida como “plata o plomo” (dinheiro ou chumbo) que dava somente duas escolhas: aceitar o suborno ou ser assassinado. Matou diversos membros do governo, um jornalista, explodiu um avião e o prédio de segurança de Bogotá, além de ter financiado a invasão da Suprema Corte Colombiana pelo grupo guerrilheiro M-19. Escobar foi responsável por mais de 6.000 homicídios durante sua atuação e proporcionou um dos períodos mais obscuros na história da Colômbia. Inimigo para alguns, também era idolatrado por outros, principalmente na cidade de Medellín, onde distribuía dinheiro entre amigos, familiares e pobres. Na tentativa de ocultar seus negócios e obter apoio popular para iniciar uma carreira política (sim, chegou a sonhar em ser o presidente da Colômbia), Pablo Escobar realizou várias obras beneficentes, tanto na área dos esportes como na construção de comunidades para os carentes. Tal prestígio o ajudou muito, já que a grande maioria escondia informações das autoridades para protegê-lo. Sua história é longa e terminou no ano de 1993, quando foi morto em Medellín. Uns festejaram, mas outros choraram e revoltaram-se por sua morte. Hoje, por mais irônico que seja, lugares que fizeram parte de sua vida tornaram-se pontos turísticos, incluindo seu túmulo que recebe milhares de visitas por ano. Até nós ficamos com vontade de conhecer Medellín e tudo o que fez parte desta triste história, mas por ficar muito longe de onde estivemos no país, essa visita terá que ficar para a próxima vez.

Quanto as guerrilhas, na década de 90, estavam com força total. Devido aos seus ideais, obtiveram grande apoio popular e as FARC chegaram a dominar cerca de 40% do território colombiano. Após adotarem o narcotráfico e realizarem práticas de guerrilha (principalmente os sequestros) como uma forma de financiamento, tiveram perda de prestígio. Em outubro de 2000 o governo colombiano em parceria com os EUA criou o Plano Colômbia para combater o narcotráfico (considerado o causador de toda a violência) e através de operações militares, conseguiu banir os grupos guerrilheiros de grande parte do território colombiano. Muitos se reinseriram na sociedade e, os que ainda resistem, se concentram nas regiões sul, na fronteira com o Equador e na Amazônia. Recentemente, os líderes, tanto das FARC como do ELN, se dispuseram a sentar e a iniciar uma negociação de paz. Se algum dia a Colômbia vai conseguir estar totalmente em paz, não sabemos, mas o país está muito tranquilo para se viajar e, com certeza, está sendo o mais receptivo da América do Sul.

O dia 24/12 se aproximava e o plano era irmos até a cidade colonial Popayan para celebrarmos o Natal. Mas antes disso, na cidade fronteiriça Ipiales, visitamos o Santuário Las Lajas, um monumento religioso que está localizado dentro do cânion do rio Guáitara. O lugar tornou-se sagrado depois que uma mãe com sua filha (1754), que caminhavam pelo cânion, avistaram a imagem de Nossa Senhora numa grande rocha de pedra. A igreja de pedra branca e cinza estilo neogótico foi construída no início do século XX em substituição a uma pequena capela. A Virgem del Rosario, está pintada numa rocha ao fundo do altar, onde dizem ser o ponto exato de seu aparecimento e as escadarias de acesso ao santuário possuem em seus muros diversas placas de agradecimento a santa pelos milagres realizados.

E como havíamos planejado, no dia 24 de dezembro chegamos a Popayan. Estacionamos nosso carro nos arredores do centro histórico, na frente de um posto policial e ao lado de uma igrejinha. Não era um lugar muito propício para passarmos alguns dias, mas pelo menos seguro ele ia ser. A noite fomos a pé para o centro e não poderíamos ter escolhido cidade melhor para esta data. A Ciudad Blanca, como também é chamada por sua arquitetura colonial de fachadas brancas, é linda e com tanta gente em suas ruas, possuía uma atmosfera muito agradável. Fomos a um albergue ligar para casa (nos deixaram usar o WIFI) e depois, num restaurante suíço-italiano, jantamos uma saborosa pizza com cerveja colombiana.

A Colômbia é dominada pela Cordilheira dos Andes, que está dividida em três ramos: Cordilheira Ocidental, junto a costa do Pacífico; Cordilheira Central, entre os vales dos rios Cauca e Magdalena; e Cordilheira Oriental no nordeste. É por isso que dirigir neste país não é tarefa fácil. São curvas e mais curvas, serras e mais serras. Pelo menos o deslocamento lento nos dá a chance de ter mais tempo para admirar as paisagens proporcionadas por essa condição geográfica. Nas partes mais baixas, planas e quentes, o que chamou a atenção foram as árvores – sombreiros –  plantadas ao longo da estrada. As vezes chegavam a formar túneis com uma sombra deliciosa para viajar.

De Popayan seguimos viagem por uma dessas estradas lentas, mas belas, pelo meio do Parque Nacional Puracé, onde a paisagem é formada por uma vegetação exótica de páramos e frailejones. Nesse dia a noite chegou antes do esperado e como nosso carro apresentava problemas com as luzes e por nosso livro guia desaconselhar viajar a noite pela presença de guerrilhas nessa região, decidimos pernoitar ali, ao lado de uma ponte. A noite foi tranquila, mas noutro dia, próximo de onde acampamos, topamos com três homens armados, vestidos com roupas militares, mas com botas sete léguas ao invés de coturnos e os identificamos de cara. Roupas militares + botas sete léguas = guerrilheiros. Aiaiai… Um deles também usava um lenço vermelho, o que poderia indicar que eram paramilitares das Autodefenças. Não paramos para perguntar e tocamos em frente até San Agustín. Depois reparamos que haviam diversas trilhas que adentravam na mata e que devem acessar seus acampamentos.

Há 5.000 anos atrás duas culturas primitivas viviam nos vales adjacentes dos rios Magdalena e Cauca. Separados por montanhas intransponíveis, os rios eram suas vias de locomoção. Nas proximidades de San Agustín, onde os dois vales ficam muito próximos, essas duas civilizações se encontravam para comercializar, adorar e enterrar seus mortos. As rochas vulcânicas lançadas para longas distâncias, pelos hoje instintos vulcões da região, foram o principal material usado pelos hábeis escultores que as transformaram em grandes monumentos. O resultado foram mais de 600 estátuas espalhadas em uma área coberta por uma densa vegetação. Pouco sabe-se sobre essas civilizações que desapareceram muitos séculos antes da chegada dos espanhóis, mas seu legado é de um grande valor para a humanidade, sendo o maior grupo de monumentos religiosos e esculturas da América do Sul.

As tumbas contém uma elaborada arquitetura funerária com corredores, colunas de pedras, sarcófagos e impressivas estátuas representando deuses e seres sobrenaturais. Semelhante ao que acontecia no norte do Peru, pessoas importantes daquelas sociedades eram enterradas com todos os seus pertences e oferendas, porém, por esta ser uma região úmida, pouca coisa resistiu ao tempo. Erosões, terremotos e intervenções humanas também foram os causadores da degradação do que ali fora enterrado. Para conhecermos a maioria desses sítios arqueológicos, ficamos três dias na cidade, sendo que nosso acampamento, o fizemos na praça principal de San Agustín. Depois que não aguentávamos mais ver estátuas, seguimos viagem em busca de paisagens diferentes. Esta paisagem encontramos no Deserto de la Tatacoa.

Tatacoa não é realmente um deserto e sim um bosque tropical seco. Há milhares de anos atrás foi um mar e, atualmente, é um grande depósito de fósseis de animais gigantes que habitavam a região naquela época. Moluscos, tartarugas, roedores, tatus, bichos-preguiça, jacarés, etc. Alguns exemplos dos fósseis podem ser vistos no Museu Paleontológico de Villavieja, cidade que dá acesso ao deserto.

Ficamos quatro dias neste lugar espetacular. No auge do calor (registramos 37ºC embaixo de nosso toldo) buscávamos por sombra e água fresca e quando o sol dava uma trégua, caminhávamos por entre as formações de terra vermelha e pelos jardins de cactos com mais de 4m de altura. Diz que o Deserto de la Tatacoa é um lugar privilegiado por suas condições geográficas (localização próxima a linha do Equador) e atmosféricas (sem poluição de luz e sonora) e por isso é perfeito para a observação de corpos celestes. Como a lua estava crescente e muito clara, poucas estrelas eram vistas, mas mesmo assim as noites foram magníficas.

O Roy fez um voo de paramotor e teve uma vista privilegiada do deserto ao amanhecer do dia 31/12/14 e as 19h deste mesmo dia, fomos a Villavieja para passar a virada de ano. O pequeno vilarejo estava agitado com uma banda que tocava na praça central. Após uma janta mais ou menos ainda tínhamos que esperar por três horas até a meia-noite e estávamos caindo de sono. Então, entramos no Lobo que estava estacionado na praça e capotamos. Mas lá pelas 23h, fomos acordados com crianças jogando terra pela janela de nosso carro. Bom, como a festa não estava tão convidativa e para fugir das inoportunas crianças, resolvemos voltar para o deserto para passar a virada de ano lá. Sentamos a luz da lua em companhia dos cactos e destampamos algumas cervejas Club Colombia. Assim foi o nosso Ano Novo, mais tranquilo impossível.

Visitar a Colômbia e não saborear um café, a bebida mais comum deste país, é como não tê-lo visitado. A região mais indicada para esta experiência é a chamada Zona Cafeteira ou Eixe Cafeteiro. Foi para lá que nos dirigimos, ainda mais que temos um viciado em café a bordo.

A Colômbia é o terceiro maior exportador de café do mundo e o único que produz somente café arábica. Os grãos foram trazidos da Venezuela no início do século 18 por padres jesuítas. As condições climáticas da Zona Cafeteira se demostraram ideais para o crescimento do café arábica já que sua localização, próxima a linha do Equador, permitia que o café fosse plantado em altitude, onde os grãos maduram mais lentamente. Isso resulta em um grão mais denso e de um sabor mais consistente quando torrado. Chuvas frequentes possibilitam uma floração constante e assim, são feitas duas grandes colheitas por ano. Em uma mesma planta encontramos flores, grão verde e maduro, mas isso impossibilita o uso de maquinas para sua colheita. Tudo é feito manualmente pelos coletores que viajam de região em região de acordo com as safras. Os grão são lavados, sua casca externa retirada e aí são selecionados por decantação. Os grãos melhores e mais pesados afundam e os que secaram na planta ou possuem broca (inseto que come o café) boiam. A retirada da casca antes de secar o grão é um diferencial do café colombiano. Esse processo tira grande parte da acidez e dá ao produto um ótimo aroma.

Estivemos nas cidades Salento, Filandia, Pereira e Chinchiná, que possuem arquitetura paisa, ou seja, típica das fazendas cafeteiras. E hoje em dia muitas fazendas de café desta região adotaram o turismo como uma segunda forma de arrecadação e recebem turistas do mundo todo. Nós visitamos a Hacienda Guayabal, onde conhecemos um pouco da história, da plantação, colheita, seleção e secagem dos grãos. Terminamos o passeio provando alguns tipos de café expresso que, dependendo da temperatura, tem um sabor diferente. Como descreve-se o passeio em Guayabal: “Un tránsito mágico, del grano a la taza…”.

A atração da Zona Cafeteira não foi apenas o café, mas também o jeep, o veículo mais usado pelos fazendeiros. Os primeiros Jeeps Willys que chegaram ao país foram os modelos militares, vindos dos EUA em 1950, com subsídio do governo. E não demorou para que fossem adotados como o principal meio de transporte entre as montanhas nas zonas rurais e urbanas. Ainda hoje são usados para transportar de tudo, desde passageiros, porcos, frutas e verduras, móveis e também café. E nunca estão cheios o suficiente. Sempre cabem mais coisas, mais um passageiro. Na quadra do mercado municipal de Chinchiná contamos mais de 50 Jeep Willys estacionados. Nos disseram que final de semana são muito mais… Caramba!

Se os Jeeps Willys chamaram nossa atenção, o Lobo da Estrada chamava a atenção dos colombianos. Eram muitas as pessoas que o admiravam, fotografavam e o rodeavam. Numa dessas, conhecemos uma família colombiana que nos convidou para passarmos alguns dias em sua casa em Manizales, capital mundial do café. Passamos três dias na ótima companhia de Maria Helena, Jorge, Carlos, Gloria, Juan Estevan, Rafael e Felipe. Foi oportunidade para lavarmos roupa e descansarmos, além de passear pelas redondezas e experimentar ótimos pratos colombianos.

Tivemos sorte que estava acontecendo a Feira de Manizales, uma das mais antigas das Américas que inaugura a temporada internacional de touradas. Além das Touradas que atraem grandes figuras nacionais e internacionais, a Feira de Manizales é conhecida por seus eventos, concertos, exposições e pelo Reinado Internacional do Café, com a escolha da rainha. A feira tem raízes espanholas, sendo inspirada na Feira de Abril de Sevilla, adotando vários de seus costumes, mas também tem muitos costumes regionais. As touradas não nos chamam a atenção, então visitamos a exposição de esculturas de solda e metal de nosso amigo Jorge e assistimos a um show de salsa de um grupo de Cali. O grupo que se apresentou foi o último campeão mundial no ritmo. Achamos que nunca vimos alguém dançar tão rápido.

Com nossos amigos colombianos também visitamos o Parque Nacional Los Nevados, onde está situado o Vulcão Ruiz, com 5321 metros de altitude. Nós chegamos somente até 4.500m, pois este vulcão está em atividade intensa, soltando muitas fumarolas e com altos riscos de avalanches. Mas meio caminho foi suficiente para podermos desfrutar de uma beleza sem igual. Imagina se pudéssemos continuar…

Nossas experiências aqui na Colômbia estão sendo muito positivas, então, esperamos que este país seja presenteado com muita PAZ nesse ano que segue.

Itinerário percorrido

Itinerário Colômbia 1

Fotos

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