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Diário de Bordo 17 – Panamá 2

(25/02/2015 a 05/03/2015)

Nuthin Wong

Ajeita a vela, liga o motor, puxa os tirantes “A” até que a vela esteja sobre a cabeça, puxa um pouco os freios para tirar a inércia da vela, dá meia volta sentido horário e, ao mesmo tempo que acelera, corre… Com alguns passos estará no ar!

Basicamente foi assim que nos entretivemos no oeste do Panamá no lado do Pacífico. As praias nos ofereceram condições ideais de voo de para-motor: vento não muito forte e vindo de um lugar sem barreiras (como árvores, prédios ou montanhas), boa área de decolagem e pouso, sol, calor e um visual espetacular.

A primeira praia que voamos foi a Venao, uma praia quase que exclusiva de surfistas que fica ao sul da Península de Azuero. Ali formam boas ondas e o que nos chamou a atenção foram alguns californianos setentões e também setentonas com suas longboards arrepiando no mar. Nos disseram que desde que se aposentaram vivem no país, em casas que eles mesmos construíram e se dedicam ao surf sempre que há boas ondas. Uns caras muito “buena onda” como dizem os argentinos. Ficamos surpresos, pois o Panamá e a vizinha Costa Rica são países que recebem muitos aposentados que se mudam para lá definitivamente, especialmente europeus e americanos. São países mais livres das famosas regras, tem boa infraestrutura, apenas duas estações climáticas e em nenhuma faz frio, deve ser fácil para imigrar burocraticamente falando e o principal, tem praias e montanhas. Uma qualidade de vida que a maioria busca depois de aposentado.

Quanto ao voo na Praia Venao, foi maravilhoso, especialmente quando seguíamos os pelicanos. Esses sim tem o dom de voar e impressionam o quão próximo voam da água, a centímetros apenas. Quando vem uma onda sobem só o suficiente para desvia-la e quando fazem uma curva, para que não molhem a ponta das asas, também ganham um pouco de altura, tudo milimetricamente calculado. Para pescar sobem a alguns metros para procurar por peixes e se os veem, se lançam verticalmente com suas asas em formato de flecha. Apesar da velocidade que pegam, não conseguem afundar. É engraçado, se parecem com uma bola de tênis jogada na água. Quando sucedem na investida da pesca, por terem que abrir seus bicos enormes ao alto, afim de que o peixe desça para a garganta, intrometidas gaivotas tentam roubar sua comida. Depois que nós voamos, passamos um bom tempo na água rodeados por esses pelicanos pescando. Tentávamos filma-los, mas como são muito rápidos, era muito difícil.

Outro voo que fizemos foi em Las Lajas, a praia mais extensa do Panamá. Como a amplitude da maré no Pacífico é muito grande, com maré baixa a faixa de areia que tínhamos para decolar e pousar era perfeita. A noite, nesta mesma praia, comemos belos camarões ao bafo que havíamos comprado de vendedores de estrada. Foi de lamber os beiços!

Do Pacífico cruzamos de volta ao Atlântico para conhecer uma das atrações turísticas mais visitadas no país, Bocas del Toro. A natureza nesse cantinho do Panamá, próximo a Costa Rica, já nos dava uma amostra do que veríamos nesse país vizinho, com floresta tropical, montanhas e muita umidade. Subimos a quase 1.300 metros de altitude e vimos o Vulcão Baru de longe. No outro lado desta serra, quase no litoral, percebemos uma forte presença indígena, os quais possuem suas casas em palafitas e totalmente abertas, com meias-paredes e teto de palha.

Bocas del Toro é o nome tanto da província, como de sua capital. Diferentemente do arquipélago de San Blas, que conhecemos ao leste deste país (veja o Diário de Bordo 16), com ilhas de areia branca e vegetação só de coqueiros, ali no oeste, as seis ilhas de Bocas del Toro são cobertas por floresta e mangue. Nós chegamos na região via Porto Almirante, que se situa ainda no continente e de lá pegamos um barco-taxi para ir a Bocas del Toro capital, situada na ilha Colón. Esta é uma cidade relativamente grande, com hotéis, resorts, belos restaurantes, etc. O boom do desenvolvimento desta ilha veio com estrangeiros, que, enlouquecidos com o potencial turístico, passaram a comprar terras para montarem seus negócios. Apesar de Bocas ter perdido com isso sua natividade, ainda é um lugar charmoso, especial para quem quer passar uns dias de férias.

Assim que o barco-taxi nos deixou em Bocas, logo pegamos outro para ir a Isla Bastimentos. No caminho contornamos a Ilha Carenero, que tem seu nome derivado de “careening”, um dito náutico que significa atracar em um lado de uma ilha afim de fazer manutenções. Cristóvão Colombo, em 1502, fez exatamente isso, mas além das manutenções em sua embarcação, segundo nosso livro guia, atracou ali para se curar de uma dor de barriga. Contornando a Ilha Carenero, vimos uma bela praia de surf!

Apesar da Ilha Bastimentos estar a apenas 10 minutos de barco de Bocas del Toro, é um mundo    totalmente diferente. Na vila que desembarcamos, chamada Old Bank, nos chamou a atenção que negros se comunicavam em algo parecido com o inglês. Curiosos como sempre, mais tarde fomos perguntar o porque disso. Nos disseram que no passado houve uma grande imigração de jamaicanos para lá. Mas como isso já faz um tempo, esse inglês se misturou com o espanhol e com a língua indígena e resultou no dialeto Guari-Guari, um inglês panamenho crioulo.

De Old Bank iniciamos uma caminhada por uma trilha pelo meio da mata que vai até a Praia Red Frog, em português, Praia das Rãs-morango. Devido a mata ser bastante fechada e úmida, caminhamos em meio a muita lama. Houveram deslizes, tombos, suor e muita risada. Chegamos primeiramente na praia chamada Wizard, ou Praia Primeira, e em seguida na Praia Segunda. Por este lado da ilha estar exposto ao mar aberto, as ondas e as correntes são muito fortes, deixando as praias não muito próprias para banho, mas com uma natureza maravilhosa onde a floresta se conecta diretamente com o mar. E o mais impressionante, tínhamos tudo isso só para nós. Caminhar por essas praias não foi fácil e levamos muito tempo para percorrer poucos metros, pois com a maré alta, quase não achávamos caminho para passar.

Depois de 3 horas, estando nós enlameados até nos cabelos, demos uma parada para admirar o que viemos procurar nesta ilha: as rãs-morango, animais de apenas 2cm que dão nome a nossa praia destino. Vimos uma, duas, três, cinco, ou mais… e muitas carregavam em suas costas um pequeno girino de sua criação, para deposita-lo na água das bromélias. Para saber mais sobre as rãs-morango, clique aqui.

Caminhamos mais alguns metros por entre a mata e a praia e, de repente, entramos em uma espécie de Beverly Hills. Lembram daquele seriado? Igual. Chegamos a um lodge/restaurante cheio de guarda-sois, barzinhos a beira da praia e tudo tomado por estrangeiros. Foi um choque para nós, quando definitivamente não esperávamos ver aquilo depois do caminho que tomamos para chegar ali. Contrastava nesta praia uma menina indígena que passava por entre os guarda-sois para vender suas empanadas. Essa era a única comida barata. O caminho que usamos para chegar nos barcos que nos levariam novamente a Ilha Colón, onde situa-se Bocas, foi por onde todos haviam chego a Praia Red Frog. Havia uma calçada de brita e uma de areia, ou seja, um lado para quem calça tênis e outro para quem está descalço.

Voltamos novamente ao continente para trabalhar em um projeto que alguns amigos nos aconselharam fazer, já que no mês anterior havíamos sido roubados na Colômbia e nos levaram tantos equipamentos de foto e video valiosos. Usando a ferramenta de financiamento colaborativo CATARSE, descrevemos em texto e vídeo exatamente o que passou e quais eram nossas intenções com o projeto, além das seleções das recompensas que daríamos a cada colaboração. Bom, este projeto está no ar (https://www.catarse.me/pt/mundoporterra) faz 5 dias apenas, tendo uma duração de 60 no total. Escreve-lo foi, de certa forma, até divertido, pois fazíamos as previsões caso atinjamos o objetivo e víamos a quantidade de cartões postais que deveríamos enviar aos apoiadores. Hehe, seria quantidade de passar dias escrevendo cartões postais…

E lá na internet-café onde trabalhávamos, um senhor falava no skype ao nosso lado. Tinha cabelo comprido, barba grisalha e usava roupas sociais, mas um tanto quanto desatualizadas e muito surradas. Quando terminou sua conversa, pediu-nos desculpas pelo incomodo de ter falado alto. Dissemos que não nos importávamos com isso e bla, bla, bla… e a conversa terminou num barzinho ali ao lado tomando latinhas de Atlas, uma cerveja panamenha.

Seu nome é Clive e seu cargo nesse mundo é ser capitão do barco Nuthin Wong, um veleiro de casco de ferro, dois mastros, bi-quilha, de quarenta e seis pés que ele mesmo construiu antes de partir para uma viagem. É sul-africano, mas quando construiu seu barco já morava no Canadá. A viagem que mencionamos é de volta ao mundo e Clive começou há nada menos que 25 anos atrás. Desde então está a caminho de casa, aliás, “em casa” para ele é literalmente em seu barco, como refere-se no título de seu livro “No fixed address”, em português, “Sem Endereço Fixo”. Que figura esse cidadão, que teria assunto para conversar uma tarde inteira, só falando dos ataques que sofrera de piratas, imagina então do resto!!! Já está há dois anos no Panamá, pois seu barco está em reforma em um estaleiro. Depois de toda a cerveja que tomamos, levamos Clive ao seu barco e fomos convidados para noutro dia visita-lo.

Já que ali estávamos com nossa casa, pensamos em fazer daquele lugar, naquela noite, o nosso endereço. O local era muito perto de um mangue e Clive já tinha nos alertado da existência de uns mosquitinhos e como repelente usava óleo de bebe para os espantar. Não demos muita atenção, mas quando começamos a ajeitar a casa, o pavor começou! Fomos atacados por maruíns, mas milhões deles, que não sabíamos de onde vinham, muito menos por onde entravam em nosso carro. Não lembramos de ataque pior em toda nossa vida, pois esses mordiam até na cabeça. O jeito foi fugir para o cais do ferry onde já havíamos dormido antes e lá a coisa melhorou. Caramba, que sufoco!!!

Noutro dia voltamos para ver a simplicidade que vive Clive. Seu barco é dos mais rústicos, casco de ferro preto, uma cabine com uma cozinha e a frente, um quarto para tripulantes. Seu dormitório fica ao fundo. Praticamente não possui equipamentos e sua resposta para isso era: – Meu barco já foi muito mais equipado, mas parei de comprar para não ter que repartir os equipamentos com os piratas. O nome do barco surgiu da época de sua construção, onde muitos vinham dar pitacos e encontrar defeito. Ele sempre respondia: – Is nothing wrong with it. It´s a copy of the chineses, whose been building these boats for more than 2.000 years! (Não tem nada de errado com isso. É uma cópia dos chineses, que já fazem esse barco há mais de 2.000 anos). De tanto repetir “nothing wrong” (que nada estava errado) surgiu o nome de seu barco: Nuthin Wong!

Para quem quiser saber mais do Nuthin Wong ou ler seu livro em inglês, segue seu web-site: http://nuthin-wong.blogspot.com

Itinerário percorrido

Itinerário Panamá 2

Fotos

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