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Diário de Bordo 48 – Grécia

(05/02/2017 a 25/02/2017)

Em busca de temperaturas mais amenas, depois da Bulgária e da Macedônia, planejamos dirigir ao sul, o mais próximo possível da costa. E o país que atendeu aos nossos quesitos foi a Grécia. Mas claro que não fomos para a Grécia só para fugir do frio. Ela já estava em nossa lista de desejos há muito tempo.

A Grécia é um dos destinos mais populares do mundo e não é para menos. Situa-se no extremo sul da Península dos Balcãs, possui uma extensa costa e milhares de ilhas, sendo a maioria delas não habitadas. Geralmente as fotos que vemos da Grécia são dessas ilhas paradisíacas no Mediterrâneo. Mas por viajamos de carro, é sempre mais difícil e custoso visitar as ilhas, então nossa opção foi por explorar somente a parte continental grega. Os 20 dias que estivemos lá foram poucos com tamanha diversidade encontrada – montanhas, caminhadas, monastérios, ruínas, praias, vilas, vida rural, cidades, natureza e muito mais.

Era baixa temporada para o turismo e por isso, grande parte da infraestrutura estava fechada. Mas para nós, que somos autossuficientes com nosso carro, isso foi perfeito, pois tivemos a maioria dos lugares quase só para nós, algo que deve ser impossível no verão.

Quando entramos na Grécia pelo norte, fomos logo para uma de suas maiores belezas, Meteora, cujo significado é “no meio do céu”. Já no primeiro momento que a vimos, entendemos o porque de seu nome. Pilares rochosos que levaram aproximadamente 60 milhões de anos para se formarem sobem rumo ao céu e no topo deles, a quase 400m de altura, encontram-se monastérios praticamente suspensos no ar. Acredita-se que os primeiros monges vieram para a região no século 9 e estes viviam isolados dentro de cavernas, reunindo-se esporadicamente só para rezar. Aí no final do século 14 a Grécia passou a ficar ameaçada pelo Império Otomano, então três monges (Moisés, Gregório e Anastásio) viram em Meteora o lugar ideal para se esconder dos invasores. Posteriormente outros monges vieram a região e 24 monastérios foram construídos no topo das formações rochosas e o acesso a eles era apenas por cordas ou escadas retráteis. Durante os séculos 17 e 18, Meteora se tornou um refugio não somente para religiosos, mas para poetas, filósofos e pensadores gregos, que também fugiram da repressão otomana. Muitos acreditam que se não fosse por esses monastérios isolados, muitas tradições helenísticas teriam se perdido.

Atualmente apenas seis, dos 24 monastérios, estão em funcionamento. Destes, cinco são habitados por homens e um por mulheres, mas cada um hospeda menos que 10 pessoas. Em 1920 foram construídas escadas de acesso e hoje uma estrada serpenteia no meio das formações dando acesso aos monastérios e a mirantes. As novas condições de acesso quebraram um pouco da sensação de isolamento e inacessibilidade, mas mesmo assim o lugar continua impressionante e algo imperdível para quem visita o país.

Visitamos dois monastérios, o Ágios Stéphanos (Santo Estêvão), fundado em 1400, que hoje é um convento e o Megálos Metéoros (Grande Meteoro ou Mosteiro da Transfiguração) que é o mais alto, maior e mais antigo dos seis. O primeiro possui uma igreja com o interior todo pintado. Não há um milímetro sem tinta e as pinturas possuem muitos detalhes. Por fora da igreja as imagens são fortes, representando o pecado, o sofrimento e a vida mundana entre o céu e o inferno. Dentro as imagens são de uma vida elevada, da trajetória de Jesus e haviam muitas pinturas de reis, santos e pessoas importantes. No segundo monastério pudemos ver como era e é a vida monástica, conhecemos a antiga cozinha, a vinícola, a igreja e um museu. A vontade era de explorarmos mais a região, que possui diversas trilhas e é o paraíso da escalada. Na verdade, queríamos mesmo é ter voado de paramotor para apreciar suas belezas de cima, mas a previsão de tempo era ruim para os dias seguintes, então acabamos seguindo em frente.

A Grécia é considerada o berço do mundo ocidental. Foi lá que surgiu os conceitos de democracia, os Jogos Olímpicos, a filosofia, a literatura e o teatro ocidental, a historiografia, a ciência política e a maioria dos princípios científicos e matemáticos. Esses conhecimentos surgiram principalmente na Grécia Clássica, período em que os gregos prosperam nessas áreas. O país é repleto de ruínas dessa época e nós tivemos a oportunidade de visitar algumas das mais importantes, como Delfos, Atenas e Olímpia.

De acordo com a mitologia grega, Zeus soltou duas águias em lados opostos do mundo e elas se encontraram na cidade de Delfos, fazendo dela o umbigo do mundo e o centro religioso da Grécia Antiga. A partir do século 6 a.C., nas encostas do Monte Parnaso iniciou-se a construção do Santuário de Apolo, um dos deuses gregos mais venerados. Milhares de peregrinos iam a Delfos para consultar o oráculo – uma mulher de meia idade chamada Sibila, que sentava na entrada de uma gruta que expelia fumaça. Após sacrificarem uma cabra ou carneiro, os fiéis faziam perguntas ao oráculo, que após inalar os vapores expelidos, tinha seu espírito possuído por Orfeu, filho de Apolo, que lhe fazia revelações proféticas. Então um sacerdote transcrevia as mensagens aos fiéis. Várias pessoas importantes, inclusive Alexandre – O Grande (da Macedônia) consultaram o oráculo e muitos fatos da história do mundo, como guerras, viagens e negócios foram influenciados por essas mensagens. Nós também fizemos nossas perguntas, mas não recebemos nenhuma resposta. Dizem que o oráculo foi silenciado em 390 d.C., quando o templo foi destruído pelos romanos cristãos como forma de acabar com o paganismo.

A Antiga Delfos está inserida num lugar lindo e ao redor das ruínas do Templo de Apolo, há ruínas de várias capelas, os chamados tesouros, construídas pelas cidades-estados gregas para guardar as oferendas ao Deus Apolo em forma de comemoração ou agradecimento aos seus benefícios. Eram tantas doações que Delfos ficou muito rica e funcionava como uma espécie de banco na época. No complexo muitas estruturas são réplicas, mas as peças originais nós pudemos aprecia-las no museu. É incrível a quantidade e qualidade de detalhes e tudo numa escala monumental.

Depois de Delfos veio Atenas, a capital da Grécia moderna e uma das cidades mais antigas do mundo. É uma cidade enorme, com mais de três milhões de habitantes e nessas cidades, geralmente, temos dificuldade de achar um lugar bom e barato para ficar. Dessa vez achamos um estacionamento bem no centro, onde pudemos estacionar e passar a noite no carro.

Com o Lobo num lugar seguro, saímos a pé para conhecer a cidade. No alto de um morro um dos principais símbolos da Grécia se destacou, a Acrópole de Atenas e essa é uma ruína que merece respeito, tanto por seu tamanho e imponência, como por sua beleza. O lugar foi habitado até o século 6 a.C., quando foi destruído pelos persas. Depois que o oráculo de Delfos anunciou que este sítio deveria se tornar a morada dos deuses, uma cidade de templos ali se ergueu. O principal templo, que insiste em se manter de pé até hoje, é o Parthenon, dedicado a Deusa da sabedoria Atena, patrona da cidade que levava seu nome. No domínio Bizantino o Parthenon foi transformado numa igreja. Posteriormente os otomanos o usaram como uma mesquita e foi quando transferiram a estátua de Atenas (com 12m de altura e toda de ouro) para Constantinopla. Lá ela desapareceu. Em 1600 os venezianos causaram o maior estrago no edifício, quando o atingiram com uma bala de canhão. O detalhe é que lá dentro armazenava-se pólvora, então oitenta por cento se danificou. Em 1900 os ingleses saquearam boa parte das riquezas e hoje, o que restou dessa cidade de templos pode ser visto no Museu da Acrópole. Ali está a prova, muito bem preservada, de que os gregos eram realmente mestres em arquitetura e escultura. Imaginar tamanha técnica há mais de 2500 anos atrás fez nossos queixos caírem.

Atenas possui tantas ruínas gregas, romanas, bizantinas e otomanas que chega a cansar. Imaginem que em algumas das obras mais importantes do mundo, depois de vermos tantas, chegamos a pensar: “Ah, mais uma!”, como se fosse algo insignificante. Os Deuses gregos devem ter ficado loucos.

Alguns quilômetros ao sul cruzamos o Canal de Coríntio para entramos na Península do Peloponeso, onde encontramos uma Grécia bem rural, com muitas plantações de oliva e cítricos. As flores abundavam por todos os lados e anunciavam a chegada da primavera. Dirigimos por estradas cênicas acompanhando penhascos a beira-mar e assim que deixávamos a costa, saíamos do nível do mar para ultrapassar os 1000m de altitude. Oitenta por cento do território grego é montanhoso e o interior da Península do Peloponeso é assim também. No caminho, tanto na costa como nas montanhas, cruzamos por desfiladeiros de natureza exuberante (alguns com monastérios pendurados em suas encostas) e por lindas vilas de pedra.

Em Náuplia subimos a pé até o Castelo Palamidi, de onde tivemos uma vista espetacular da cidade com seus casarões de três andares, pés-direitos altos e balcões. E no final do dia caminhamos por suas ruelas arborizadas com tangerineiras cheias de frutas. Mas a grande atração da península foi Monemvasia, uma pequena vila medieval do ano 583, localizada numa ilha rochosa conectada ao continente por um dique artificial. A parte antiga da cidade, chamada castro, está dividida em duas zonas, a parte baixa, com ruas estreitas para pedestres e a parte alta, que está em ruínas, com exceção de uma igreja restaurada. Neste lugar tiramos fotos típicas de cartão postal da Grécia: a vila com fachadas rebocadas em tons naturais e ao fundo o mar azul e cristalino. Impossível não se render aos encantos deste lugar.

Em Gythio, antigo porto de Esparta (uma das cidades-estados mais poderosas da Grécia Antiga; foi ela, inclusive que destruiu Atenas) passamos em frente a ilha de Cranae, que dizem ser o local onde o príncipe de Tróia casou-se com a princesa de Esparta, desencadeando a Guerra de Tróia. Esta guerra ficou conhecida na história devido a tática usada por Esparta para invadir as muralhas impenetráveis de Tróia. Em determinada fase da guerra, os espartanos disserem aos troianos que estariam desistindo da guerra, e como prova da intenção de paz, deixaram de presente um imenso cavalo de madeira. Quando os troianos trouxeram o presente para dentro de suas muralhas, não sabiam que dentro dele estavam escondidos soldados espartanos. A noite, quando Tróia dormia, esses soldados saíram do cavalo e abriram os portões da cidade, facilitando a entrada dos demais soldados gregos para destruírem a cidade. Foi desse episódio que surgiu a expressão “presente de grego”, que significa receber um presente ou dádiva que lhe traz prejuízos ou que não acontece beneficamente, como era para ser. Uma surpresa ruim inesperada, ou cilada.

Na península de Mani chegamos ao nosso ponto mais ao sul da Europa: 36° 39’ 43,6”N, 22° 23’ 27,45”E. Dali para frente, rumamos ao norte novamente. Mas ainda havia uma ruína em nosso caminho que não poderíamos deixar de visitar, Olímpia. Nós não assistimos os Jogos Olímpicos no Brasil no ano passado, então, em compensação, fomos ao local onde esse grande evento começou, em 776 a.C. E para nossa surpresa, a bandeira brasileira estava hasteada na frente da prefeitura da cidade. As ruínas estão viradas em ruínas. Para tentarmos visualizar como aquilo era antigamente, tivemos que usar muita imaginação. Mas a energia de se estar ali e só de pensar em tudo que se sucedeu ao longo desses mais de 2.500 anos, foi de arrepiar.

Deixamos o Peloponeso de ferry e dirigimos para Lefkada. Ali os dias de céu azul passaram a fazer parte de nossa viagem e nosso termômetro chegou a registrar 19°C, sensação de calor que nós nem lembrávamos mais como era. A costa oeste desta ilha possui praias paradisíacas, com mar azul turquesa contrastando com penhascos brancos. Acampamos na praia Porto Katsikie cujas águas azuis nos convidaram para uma remada. De longe o mar parecia calmo, mas tivemos dificuldades para colocar e tirar a canoa d’água, pois na realidade, ele estava bem agitado. Remamos a beira dos penhascos que possuíam grutas e cavernas escondidas e a sensação de flutuar naquela imensidão azul cristalina foi indescritível.

Ao norte passamos por mais uma cidade agradável, Joanina, com um castelo as margens de um lago e quando vimos, já estávamos na fronteira da Albânia. A tão esperada Grécia estava ficando para trás. De lembrança, trazemos as lindas imagens que podem ser apreciadas neste diário e dois litros de azeite de oliva comprados direto do produtor. Não poderíamos ter melhor souvenir.

 

Veja mais:

 

Itinerário percorrido

Itinerário Grécia

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