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Diário de Bordo 51 – Romênia

(31/03/2017 a 10/04/2017)

Quando pensávamos em Romênia, instantaneamente vinha em nossas cabeças a história do Conde Drácula, imagens de vampiros e criaturas sobrenaturais que habitavam seus castelos e florestas, sempre com um ar de suspense. Mas a realidade deste país, que tivemos a oportunidade de experimentar, é completamente diferente: humana e pacata.

A vida nas paisagens bucólicas da Romênia nos deu a sensação de termos voltado aos tempos medievais e as cenas que aconteceram diante de nossos olhos foram de uma vida essencialmente rural. As vilas aglomeravam-se com seus casarões coloridos, muitas vezes em linha, ao longo das estradas e o tráfego não era somente de carros, mas de carroças com cavalos decorados com pompons de lã vermelha em suas orelhas e de agricultores com seus tratores, puxando uma pequena carreta onde sua esposa e/ou filhos iam de carona. Nas montanhas com pastos verdes, pastores cuidavam de suas ovelhas enquanto que nas planícies, pessoas trabalhavam na lavoura. Muito do trabalho rural era feito manualmente ou com o uso de animais.

O ocidente da Romênia é dominado pelos montes Cárpatos, a segunda mais longa cadeia montanhosa da Europa e se estende dali em diante pela Ucrânia, Polônia, Eslováquia e República Checa, com picos que alcançam 2.700 metros de altitude. Nós entramos no país pelo sul, então precisávamos cruzar para o norte da cordilheira, mas as duas estradas que gostaríamos de percorrer – Estrada Transalpina e Transfagarashan – estavam fechadas. Elas transpassam as partes mais altas dos Cárpatos romenos, mas abririam somente em junho ou julho, dependendo das condições climáticas. Como ainda era início de abril, significava que ambas ainda estavam debaixo de muita neve.

A Transfagarashan foi construída na década de 70 como uma rota militar estratégica, devido o então presidente Nicolae Ceausescu temer uma invasão soviética. O custo financeiro e de vidas foi muito alto e hoje, por estar aberta apenas poucos meses por ano, ela virou mais uma atração turística do que uma rodovia utilitária. Muitas pessoas, principalmente europeus, vem dirigir seus carros, motos e bicicletas pelas suas curvas fechadas. Esse turismo se intensificou depois de 2009, quando um apresentador famoso da TV Britânica declarou que esta era “a melhor estrada do mundo”.

Tristes por não podermos cruza-la, decidimos dirigir até onde fosse transitável, a 1.300m de altitude. Dali em diante, até os 2.042m, fomos num teleférico, de onde vimos o ziguezague inicial da estrada desaparecer debaixo da imensidão branca. Tentamos, por um bom tempo, decifrar por onde a estrada serpenteava montanha acima, pois queríamos subir até o passe para enxergamos o outro lado da montanha. Mas no caminho para lá descobrimos que em seu ponto mais alto a estrada atravessava a montanha por um túnel. E este túnel, apesar de estar fechado por um portão de ferro, possuía uma pequena porta de acesso, onde fomos espiar. Pelo GPS vimos que ele possuía 1.300m de comprimento, sendo que o Roy já se empolgou em cruza-lo a pé para vermos a vista do outro lado. A Michelle relutou no começo, pois temia que alguém fechasse aquela portinhola, nos deixando trancados lá dentro. Mas quando percebemos já caminhávamos escuridão adentro. Haviam algumas luzes, mas muitas estavam quebradas e nestas partes tudo ficava bem escuro. Fazia frio e o silêncio era quebrado apenas pelo gotejar das infiltrações de água, que se transformavam em estalactites e estalagmites de gelo. Foi de arrepiar, principalmente depois de termos assistido na noite anterior o filme Drácula de Bram Stoker para entrarmos no clima de terror da Romênia. Apreciamos a vista, a luz e o ar fresco do outro lado do túnel e voltamos rapidamente para pegar o teleférico de volta para o nosso carro. Essa foi, pelo menos, uma experiência diferente do que se tivéssemos dirigido por aquela rodovia.

Cruzamos os Cárpatos por uma estrada mais baixa que a Transfagarashan. Então, quando chegamos do outro lado, entramos na Transilvânia, região que ficou mundialmente famosa depois que o escritor inglês Bram Stoker escreveu o livro Drácula, em 1897. Há um POST em nosso website que conta mais detalhes dessa história, sobre o que é mito e o que é realidade. Vale a pena lê-lo para entender a continuidade deste diário, clique aqui.

Na Transilvânia, primeiramente, passamos um final de semana na cidade Sibiu, que possui um centro histórico lindo, com casarões um ao lado do outro acompanhando as curvas das ruas, diversas igrejas com torres altas e praças com muitos cafés e movimento. Essa foi nossa cidade preferida da Romênia, com muita cultura e atmosfera agradável. Em seguida visitamos o Castelo Bran. Há muitos castelos na Transilvânia, mas visitamos apenas esse devido a sua história e beleza. Ele é mundialmente conhecido como o Castelo do Conde Drácula, pois é o que mais se assemelha a descrição da ficção de Bram Stoker, ou seja, acredita-se que o escritor se inspirou nele em seu livro. Os nomes Bran (do castelo) e Bram (do escritor) são meras coincidências.

Conhecemos brevemente Braşov, que também é uma cidade bonita e nossa próxima parada foi em Sighişoara, uma cidade medieval fortificada. De sua muralha do século 14, apenas nove das 14 torres sobreviveram. A torre do relógio, com 64 metros de altura e paredes de 2,35 metros de espessura, dão o acesso principal da cidade antiga. Dentro das muralhas encontram-se a praça central, onde aconteciam os julgamentos e os famosos impalamentos, a escadaria coberta de 172 degraus que desde 1642 dá acesso a igreja gótica no topo do morro e a casa onde nasceu Vlad Tepes, o rei que inspirou Bram Stocker na história do Conde Drácula. Muita coisa interessante.

Em seguida fomos para o interior da Transilvânia. Dirigimos por estradas secundárias cruzando pequenas vilas tradicionais, campos abertos cheios de ovelhas e florestas densas. Dizem que a Romênia tem uma das maiores áreas de florestas intactas da Europa e que estas possuem uma grande concentração de ursos marrons e lobos. Esse fato tornou nossa viagem mais interessante, pois sempre tínhamos a esperança de cruzarmos com algum desses animais a qualquer momento. Infelizmente nenhum encontro aconteceu. Uma neve suave que caiu em nosso caminho deu um charme especial para as vilas.

Nós ficamos realmente encantados com as vilas saxãs Viscri e Biertan. Elas possuem igrejas fortificadas que datam de mais de quinhentos anos atrás. Os saxões que viviam na Transilvânia eram originalmente alemães, que foram trazidos para a região a partir do século 12, época em que ela fora dominada pelo Império Húngaro, afim de que eles defendessem aquelas terras contra a invasão dos otomanos e tatars. Os saxões resistiram aos ataques formando comunidades muito fortes de fazendeiros, artesãos e comerciantes. As cidades mais importantes foram fortificadas e nas pequenas vilas foram construídas igrejas fortificadas para a sua proteção. Estas igrejas possuíam características militares, como muralhas com paredes espessas ao seu redor, torres de vigia, armazéns onde eram guardados mantimentos e armas, tudo para que eles pudessem sobreviver caso fossem cercados por um longo período de tempo. Hoje existem mais de 150 igrejas fortificadas no sudoeste da Transilvânia em estilos variados, sendo que sete delas foram declaradas Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO.

Outro detalhe que nos chamou a atenção na Romênia foram pessoas que possuíam traços e vestimenta diferenciados da maioria da população. Vimos homens em estilo caubói, com botas e chapéu e mulheres com cabelos negros compridos, saias longas vermelhas, muitas bijuterias e lenços na cabeça. Nós já havíamos ouvido falar que no leste europeu haviam ciganos e vimos alguns nos países que cruzamos anteriormente, mas na Romênia encontramos a maior concentração deles.

Os ciganos, ou povo roma como também são conhecidos na Europa, não possuíam escrita e devido a esse fato, sua origem e história foram um mistério por muito tempo. Foi através de seu idioma, o romani, que antropólogos levantaram a hipótese de que originavam-se do noroeste da Índia e isso foi posteriormente confirmado com dados genéticos. Segundo estudos, a diáspora dos ciganos começou há 1500 anos atrás, primeiramente para o Oriente Médio, Europa e Norte da África e mais tarde, a partir do século 14, iniciaram movimentos da Europa para as Américas. O Brasil recebeu grande número deles. Eram um povo essencialmente nômade, que viajava em caravanas de carroças de cidade em cidade montando acampamentos. Mas por todo o mundo sempre tiveram uma má reputação e por isso eram discriminados. Lembramos que em nossa cidade, São Bento do Sul, era muito comum vermos acampamentos de ciganos em algum terreno baldio, mas isso praticamente se acabou. Talvez no Brasil, assim como na Romênia, eles deixaram de ser nômades e assentaram-se definitivamente. Na vila de Huedin (Romênia) vimos Palácios Ciganos, que são casarões de diversos andares com telhados metálicos prateados trabalhados, mas muitos deles estavam inacabados ou sem manutenção. Nos pareceu que os ciganos gostam de ostentar e que em suas comunidades fazem uma espécie de competição de quem pode mais, ou seja, de quem construí maior ou mais luxuoso. O que eles não contam é que o dinheiro muitas vezes termina antes de finalizarem a obra, ou se a concluem, não tem condições de manter tamanhas moradias, que acabam virando grandes elefantes brancos. Quando nós olhávamos aqueles casarões de fora, ficávamos imaginando o que colocavam lá dentro, se conseguiam mobiliar tantos ambientes.

Bom, contentes com o tamanho compacto de nossa casa ambulante – o Lobo da Estrada – seguimos nossa vida nômade, meio cigana, de vila em vila, montando acampamento todos os dias e curtindo a vida pacata da Romênia até chegarmos na fronteira com a Hungria, nosso próximo destino.

 

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Itinerário percorrido

Itinerário Romênia

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