ícone lista de índices Índice

Diário de Bordo 60 – Suécia 2 e Dinamarca

(06/09/2017 a 24/09/2017)

Em nossa passagem pela Suécia, além, claro, de conhecermos o país, tínhamos como objetivo fazermos duas visitas: uma em Estocolmo e outra em Gotemburgo. A primeira foi ao Carl e Madeleine (e filhos) que nos receberam por seis dias em sua casa em Lidingo, bairro tradicional da capital sueca. Faziam cerca de 20 anos que Carl e Roy não se viam. Eles se conheceram quando ambos fizeram um intercambio de línguas na Alemanha no ano de 1996. Foi uma época da juventude em que os dois aprontaram muito (com a ajuda de “umas” cervejinhas) e só de ouvir suas histórias desse tempo, a Michelle tinha receio de conhecer o Carl, pois o Roy sempre colocava a culpa nele dizendo “esses suecos são malucos”. O Carl, por sua vez, contava as histórias da Alemanha para sua esposa e falava “esses brasileiros são malucos”, sendo que, ela também tinha temor de conhecer o Roy. Todos sobrevivemos ao reencontro e tudo indica que eles amadureceram depois desses anos. Pelo menos é o que parece. (Não os deixamos sozinhos juntos para tirar a prova.)

Foi uma visita muito agradável e descontraída e como de costume, intercalávamos o tempo na companhia dos amigos com passeios na cidade. Quem nos guiou num City Tour por Estocolmo foi o Henrik, amigo do Carl e do Roy daqueles tempos antigos. Começamos pela parte financeira e de bancos, que é o coração da Suécia; vimos o Palácio Real (a rainha da Suécia é brasileira e se chama Silvia); e depois caminhamos pelas ruelas da cidade histórica, Gamla Stan. Henrik nos levou na barbearia do seu pai que atende por anos os nobres e políticos de Estocolmo. Quem quiser saber das fofocas da alta sociedade sueca, é só falar com ele. Percorremos também a rua mais estreita do centro histórico, a Marten Trotzigs, que tem menos de um metro de largura e curtimos uma bela vista da capital com seus telhados pretos do mirante Monteliusvagen.

Na casa do Carl e Madeleine, as conversas foram regadas a vinho e neste momento nos foram oferecidas deliciosas refeições suecas como os bolinhos de carne, batatas e ervilhas cozidas servidas com geleia de lingonberry; salmão; canapês de camarão cru; sopa de frutos do mar; e torradas com creme de kantarelis, um cogumelo muito saboroso nativo da região. Uma curiosidade das estradas suecas – um contraste com as refeições tradicionais – foi a grande quantidade de restaurantes fast-food como Mc Donalds, Burger King e Pizza Hut. Acho que vimos mais dessas franquias na Suécia, do que nos Estados Unidos.

O destino da maioria dos jovens suecos é a capital Estocolmo e arredores e dessa forma, as cidades do interior da Suécia ficam praticamente vazias. Seus habitantes são pessoas mais velhas e um ar pacato, onde quase nada – ou nada – acontece, predomina nelas. Não só as pequenas cidades são monótonas; o caminho entre elas também. Nesse trajeto da viagem fizemos poucas paradas o que rendeu alguns quilômetros.

A história dessas terras tem muito haver com os vikings, que foram uma antiga civilização originária da Escandinávia, que nos dias atuais compreende o território da Suécia, Dinamarca e Noruega juntos. Eles constituíram uma rica cultura baseada na agricultura, no artesanato e num notável comércio marítimo. Ficaram famosos pelo mundo como os saqueadores dos mares, pois realizavam uma intensa pirataria, especialmente na região da Bretanha, que hoje abriga o Reino Unido. Viajavam em barcos rápidos chamados dracares, cuja velocidade facilitava ataques surpresas e fugas quando necessário. À medida que evoluíram em suas habilidades náuticas, conquistaram terras distantes, estabelecendo-se na Inglaterra, Escócia, norte da França, Rússia, Irlanda, Islândia e Groenlândia. Há registros de que chegaram também na costa da Península Ibérica e até na Palestina e no ano 1000, antes de Cristóvão Colombo, alcançaram a América do Norte, onde fundaram uma pequena colônia no Canadá. O apogeu da civilização viking ocorreu entre os séculos VIII e XI e seu declínio se deu no século XII. Na Noruega nós nada vimos dessa civilização. Já na Suécia e Dinamarca pudemos testemunhar um pouco desse legado.

Próximo a Ödeshög visitamos a igreja de Rök. Nosso intuito não era conhecer a igreja propriamente dita, mas uma pedra que se situava em seu jardim. A pedra de Rök é uma pedra rúnica dos tempos da Era Viking. Essas pedras eram colocadas em locais visíveis em homenagem a morte de homens importantes e continham runas – letras características usadas na escrita das línguas germânicas da Europa do Norte. Na Suécia foram encontradas mais de 2.500 pedras desse tipo, porém a pedra de Rök, que possui 382cm de altura, 138cm de largura e entre 9 e 43cm de espessura, é famosa por possuir o texto mais longo em caracteres rúnicos (cerca de 760 caracteres).

Outra breve parada que fizemos no interior foi em Vadstena, conhecida na Suécia pelo Mosteiro de Santa Brígida, pelo castelo do rei Gustavo Vasa e por suas casas medievais de madeira.

Em Gotemburgo, visitamos o Mike e sua esposa Ivanka. Mike virou um grande amigo depois que o conhecemos em nossa primeira volta ao mundo quando estávamos no Irã. Depois, junto com ele e Anne Christine, viajamos três meses pela Colômbia, Venezuela e Brasil até chegarmos em casa. Mike e Ivanka também nos levaram para um City Tour: fomos tomar um café da tarde (chamado “fica”) no parque central; passeamos de barco pelo Rio Gota; apreciamos a vista da cidade da torre antiga Skamsen Kronan; e terminamos o dia no Bairro Haga, onde jantamos um delicioso prato de frutos do mar. Noutro dia fomos de carro até um parque nos arredores da cidade escalar. Sempre sonhávamos em experimentar esse esporte e nos primeiros metros de rocha, pegamos o gosto pela coisa.

Seguimos viagem ao sul até a cidade de Helsingborg, onde pegamos um ferry da Scandlines para cruzarmos os 4km de mar que separam a Suécia da Dinamarca. Essa passagem de água se chama Estreito de Øresund, condição geográfica que garantiu a riqueza da realeza dinamarquesa por mais de 400 anos. No ano de 1429 o rei da Dinamarca Érico da Pomerania introduziu o “Sound Dues”: todos os navios estrangeiros que passassem pelo estreito deveriam parar na cidade de Helsingör e pagar pedágio em moedas de ouro. Se um navio se recusasse a parar, canhões dos dois lados da passagem (Helsingor, na Dinamarca e Helsingborg, na Suécia), abririam fogo contra ele. Em 1567 o montante cobrado chegou a representar de 1% a 2% do valor do navio incluindo sua carga e para se certificar de que o valor declarado estava correto, a coroa dinamarquesa se dava o direito de comprar o navio e suas mercadorias pelo preço manifestado.

Somente o Estreito de Gibraltar possuía o mesmo valor estratégico que o Estreito de Øresund, já que ambos controlavam a entrada e saída dos dois mais importantes mares internos do mundo na época: o Mar Mediterrâneo e o Mar Báltico. O “Sound Dues” teve o seu fim em 1857, na Convenção de Copenhague, quando os três estreitos dinamarqueses foram declarados águas internacionais e assim a Dinamarca perdeu a sua maior fonte de renda. O dinheiro coletado foi tanto que as diversas gerações de reis sustentaram a corte mais sumptuosa do Norte da Europa.

O lugar mais visitado de Helsingor ou Elsinore é o Castelo Kronborg, que ficou famoso não pela história descrita acima, mas por ter sido o castelo de Hamlet, a principal obra de Shakespeare. A cidade é muito bonita (apesar de ser sem vida, como é o interior da Escandinávia em geral). O Quarteirão Medieval possuía uma coleção de casas coloridas e em estilo enxaimel da época das embarcações. Também haviam murais pintados nas fachadas que retratavam os velhos tempos. O antigo estaleiro, onde eram construídos os navios e estes colocados no mar, foi revitalizado e transformado em áreas públicas que abrigavam um Centro Cultural, o Museu Náutico, a Biblioteca, cafés e praças abertas. A linguagem do velho verso o novo é uma das principais características da arquitetura dinamarquesa e predomina em todo o país.

Falando em arquitetura, como a Michelle é arquiteta, ela tinha o desejo de visitar o Museu de Arte Moderna Lousiana, que é um dos melhores exemplos da perfeita integração da arquitetura com a arte e a paisagem. O museu era uma atração por si só, mas as exposições temporárias também foram muito interessantes e uma delas, de tão maluca, ocupou a maioria das horas de nossa visita. A exposição “The Cleaner” que é uma retrospectiva da carreira de Marina Abramovic – artista performática de Belgrado na Servia – retratava através de fotos e vídeos as mais famosas performances e fases da carreira da artista. Marina iniciou os seus trabalhos na década de 70 e neles explorava as relações entre o artista e a plateia, os limites do corpo e as possibilidades da mente.

Entre as performances, destacamos uma que experimentamos na pele – Imponderabilia. O público era forçado a passar por uma “porta humana”, ou seja, um pequeno espaço que ficava entre um casal de atores nus. A apresentação original foi feita em 1977 na Galeria Municipal de Arte Moderna de Bolonha, onde Marina e o artista alemão Ulay (seu companheiro de vida e arte) passaram noventa minutos de pé frente a frente, imóveis e nus na entrada estreita do museu, forçando os visitantes que queriam entrar passarem entre eles. A performance deveria durar seis horas, mas foi interrompida pela polícia. Imponderabilia foi uma das apresentações mais famosas da história da arte de Marina: através da nudez, os dois artistas quiseram investigar o comportamento humano e a experiência mexeu com todos, e conosco, que postamos uma foto em nosso Instagram e esta foi polemica assim como os trabalhos da Marina, sendo que foi logo censurada pelo aplicativo. Nós fizemos a postagem inocentemente, sem malícia, pensando apenas em compartilharmos o experimento, mas isso nos revelou como uma simples nudez possui tantos tabus. O vão entre os dois atores era estreito, dando passagem somente se nos virássemos de lado a eles. Nossa mente relutou para que passássemos entre eles; ainda mais em publico, com todo mundo olhando. Ficar de frente para o homem ou para a mulher? Será que vamos passar sem encostar? Ficamos realmente desconfortáveis. Um sentimento possível de entender só passando pela experiência. A foto polemica decidimos censurar nesse diário. Para quem quiser saber mais sobre a artista, vale a pena pesquisar na internet: Marina Abramovic.

Dentre as capitais europeias que conhecemos, Copenhague tornou-se uma de nossas preferidas, senão a preferida. Não temos preferência por cidades grandes, mas nos apaixonados pela capital dinamarquesa. O que a torna especial é a mistura do histórico (Copenhague é uma cidade portuária de mais de mil anos) com o moderno, os lugares revitalizados, pensados e planejados para o usufruto da população. A cidade possui vida e a atmosfera é muito agradável.

O país como um todo pulsa arquitetura e design e inovar está no sangue do dinamarquês. Apesar do país ser pequeno, ele é referencia mundial nessas áreas e grandes nomes do design do século 20 são de lá. Copenhague sedia a maioria dos escritórios, museus e obras de design e arquitetura, sendo muitas delas eco-conscientes.

Os dinamarqueses aparentam ter a mente mais aberta, sem preconceitos. Um exemplo é a Freetown Christiania, que desde 1971 é um escape do mundo capitalista. A área concentrou hippies e pessoas descoladas do mundo inteiro, atraídos pelo conceito de comercio coletivo, workshops, programas de reciclagem e vida em comunidade. Enquanto a Rua Pusher possui a fama de ser a rua das drogas, onde a maconha é vendida abertamente, o restante do bairro possui um ar de interior com moradores alternativos. Nós acampamos no estacionamento de um clube ao sul e todos os dias, para ir e voltar do centro, tínhamos que cruzar a Christiania. Um dia a noite nos surpreendemos: no meio da capital havia uma área que não tinha iluminação publica. Pessoas circulavam com lanternas ou simplesmente no escuro.

Copenhague é a cidade das bicicletas. Poucos carros circulam as ruas centrais. As ciclovias são um exemplo para o mundo e a principal parte dela é a ponte para bicicletas e pedestres no coração da cidade. O bicicletário da estação de trem Norreport estava lotado. Milhares de bicicletas estacionadas a espera de seus donos que foram trabalhar. Nas horas de rush era tanta bicicleta, inclusive de pessoas vestindo terno e gravata, que tínhamos que ficar espertos para não sermos atropelados por elas.

Nós voltamos mais uma vez ao passado quando visitamos a cidadela medieval de Køge. Ela possui uma coleção de casas antigas, incluindo a casa de madeira mais antiga do país que data de 1527 e a Torvet, a maior praça dinamarquesa, mas para nós ela não pareceu muito grande. Talvez se levarmos em conta o tamanho da praça proporcionalmente ao território da Dinamarca, aí sim ela poderia ser considerada grande.

Há uma hora e meia de Copenhague está a Ilha Møn, que, com seu ar pacato e bucólico, parece estar há séculos de distancia da capital. Fazendas, vilas pesqueiras, igrejas com afrescos de 500 anos ajudam a dar essa sensação. Ali localiza-se uma das partes mais dramáticas do litoral do país: Møns Klint. Os penhascos de giz que emergem 128m acima do nível do mar são resultado de uma elevação do solo marinho durante a Era do Gelo. No topo da falésia caminhamos pela Floresta de Klinteskoven, onde há árvores de mais de 400 anos e depois descemos por uma escadaria até a praia, para caminharmos numa faixa estreita de pedras e fosseis marinhos entre o mar azul e os paredões brancos. Møns Klint é o habitat do falcão peregrino, o animal mais veloz do mundo, que pode atingir 320km/h.

Nós chegamos na Dinamarca pela ilha Zelândia, cruzamos para a ilha Møn e depois seguimos para a ilha Fiónia e, por fim, para a península de Jutlândia – já conectada com o norte europeu. Circular facilmente por um país que possui 443 ilhas só foi possível devido ao grande investimento dinamarquês na construção de pontes. Um exemplo é a Ponte de Øresund, que conecta a Dinamarca a Suécia através no Estreito de Øresund. Nós não a cruzamos, pois pegamos o ferry ao norte. Mas é uma mega-construção e seu complexo rodoferroviário de 16km é composto por três partes: uma ponte com 7.845m de comprimento; um túnel submarino de 3.510m e uma ilha artificial – Pepparholm – de 4055m. O Complexo do Grande Belt, que cruza o estreito de mesmo nome, vimos de perto quando o cruzamos. A ponte suspensa de 18km possui o terceiro maior vão do mundo (1,6km) e foi a maior obra da história do país. Essas duas grandiosas obras, literalmente, tornaram a Dinamarca uma ponte entre a Escandinávia e o norte da Europa.

Após cruzarmos o complexo, já na ilha Fiónia, acampamos na beira do mar numa praia de Nyborg. Era final da tarde e quando olhamos para fora do carro, a ponte estava toda iluminada e pensamos: “Que lindo, mas que desperdício de energia.” Não seria uma ideia racional iluminar aquela ponta gigantesca, ainda mais para os dinamarqueses. Pouco tempo depois nos demos conta de que aquela iluminação era natural, direto do sol que se punha e assistíamos aquele espetáculo de camarote.

O outono se aproximava, era perceptível nas cores da paisagem e precisávamos seguir viagem; nosso tempo na Europa estava terminando. A ultima experiência na Dinamarca foi em Ladby onde visitamos o Vikinge-Museet Ladby. O museu foi construído no local onde encontraram a tumba de um rei viquingue. Ele devia ser uma pessoa importante, pois foi sepultado, por volta do ano 925, dentro de um barco de 21,5m de comprimento com diversos objetos (armas, joias, roupas, equipamentos de montaria, potes e panelas, moedas e um tabuleiro de jogos). A madeira se desintegrou, mas deixou o casco impresso na terra. Os metais como pregos, argolas e a ancora, além dos ossos de cachorros e cavalos sacrificados ficaram preservados no seu interior.

 

Itinerário percorrido

Itinerário Suécia e Dinamarca

 

Fotos

Compartilhe

Veja Também

Diário de Bordo 1 – Projeto do novo motorhome

28 | abr | 2014

Diário de Bordo 2 – Projeto rabiscado, agora é hora de construí-lo!

13 | maio | 2014

Diário de Bordo 3 – O mundo de um outro ponto de vista!

8 | jun | 2014