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Diário de Bordo 24 – México 2

(30/04/2015 a 13/05/2015)

Atrás do verdadeiro México

Vocês querem entrar no clima deste diário? Escutem a música abaixo:

 

Deixamos Oaxaca, destino final de nosso último diário de bordo e seguimos rumo a mais uma cidade colonial, Puebla. Ela é linda, com casarões de dois pavimentos em sua maioria, decorados com azulejos azuis (característica pela qual sua arquitetura é famosa) e com uma imponente catedral. Mas temos que confessar uma coisa: a essa altura da viagem, depois de nove países com influência espanhola, estávamos um pouco cansados de ver cidades coloniais. E outra, praticamente em toda a América Central e Península de Iucatã no México nós estivemos em cidades ou em regiões habitadas. Naquele momento queríamos ir para o selvagem e descobrir o que há na região desértica mexicana.

Ao norte de Puebla, nas redondezas da gigantesca Cidade do México, conhecemos as ruínas de Teotihuacán que, junto com Copán, Tikal e Palenque, estava em nossa lista de ruínas imperdíveis. Ainda mais quando soubemos que uma de suas pirâmides é considerada a terceira maior do mundo!

O que difere Teotihuacán das demais ruínas visitadas por nós é que esta não era uma cidade maia. Pouco se sabe sobre o povo que a construiu, mas evidências mostram que Teotihuacán era multiétnica, ou seja, diversas culturas como Maias, Mixtecas e Zapotecas conviveram ali. Para alguns historiadores o maior mistério não está em quem construiu Teotihuacán (em torno de 100 a.C.) ou o motivo de seu declínio (em torno de 550 d.C.), mas sim, em saber o porque de seu sucesso e quais foram as práticas sociais, políticas e religiosas que lhe permitiram grande estabilidade e longa existência. Tamanha curiosidade não é por menos: Teotihuacán é considerada a maior cidade antiga do México e a capital de todo o Império Pré-Hispânico. A cidade é tida como um modelo de urbanização e planejamento urbano de grande escala que influenciou os conceitos das culturas subsequentes e até mesmo da cultura contemporânea.

O eixo principal da cidade é demarcado pela chamada Calçada dos Mortos, uma avenida de 45m de largura e 4km de comprimento, que inicia ao norte na Pirâmide da Lua e termina ao sul num recinto que os espanhóis chamaram de Cidadela. Ao redor dessa avenida situavam-se os principais edifícios da cidade, como templos, palácios e moradias de pessoas importantes. As massivas Pirâmides do Sol e da Lua dominam a paisagem das ruínas. A Pirâmide do Sol é considerada a terceira maior pirâmide do mundo, perdendo apenas em tamanho para a Pirâmide Quéops no Egito e a Pirâmide de Cholula, também no México. Sua base quadrada possui 222m de comprimento em cada lado e, atualmente, possui um pouco mais de 70m de altura. Foi construída com três milhões de toneladas de pedra sem o uso de ferramentas metálicas, tração animal ou rodas. A Pirâmide da Lua é um pouco menor, mas em questões de proporção e estética, se sobressai perante a do Sol. Dentro da Cidadela, a construção que merece destaque é o Templo de Quetzalcóatl ou Templo da Serpente Emplumada, cuja fachada é extremamente decorada com esculturas. O museu também não é de se perder, pois exibe uma coleção única de objetos desta misteriosa civilização.

Nós entramos nas ruínas bem cedo e naquele momento estávamos praticamente só nós por ali. Logo de cara subimos os 248 degraus da Pirâmide do Sol, donde tivemos uma vista inspiradora sobre Teotihuacán e toda a região ao amanhecer. O céu estava colorido por dezenas de balões, que aproveitavam esse momento do dia, com pouco vento, para sobrevoar tantos anos de história. Além dos balões, uma aeronave nos chamou a atenção: um trike-ultraleve que voava sobre nossas cabeças. De certa forma ele é parecido com nosso paramotor, então trouxe a tona nosso sonho de sobrevoar de paramotor uma ruína dessa magnitude. Geralmente os parques nacionais onde se situam essas ruínas proíbem atividades aéreas como forma de proteção ao patrimônio. Depois de cinco horas percorrendo Teotihuacán a pé (que já estava superlotada ao meio dia), deixamos aquele lugar empolgados e fomos em busca do aeródromo onde o trike estava decolando, para pegarmos informações sobre o voo. Não foi fácil achar, mas depois de tanto observar suas decolagens e pousos, chegamos a tal pista.

Fomos muito bem recebidos por Francisco, pelo piloto David e por todos os demais que ali estavam. Nos convidaram para passarmos a noite acampados no aeródromo para juntos, ao amanhecer do próximo dia, sobrevoarmos as ruínas de Teotihuacán. E assim foi. Na manhã seguinte, com os primeiros raios de luz, estávamos todos preparando os equipamentos de voo para decolarmos junto aos balões. Mas o que não contávamos era com as condições desfavoráveis para aquela decolagem. Primeiro que estávamos há 2.200m acima do nível do mar, o que dificulta muito na combustão do motor, fazendo-o perder potência. Segundo que não havia vento algum, o que deixa muito difícil erguer a vela do chão e terceiro, que em menos de cinco minutos o parapente ficou ensopado da umidade do orvalho. Levantar a vela molhada, sem vento e naquela altitude ficou praticamente impossível. O jeito foi esperar o sol esquentar para secar o parapente. Enquanto isso a Michelle não perdeu a oportunidade oferecida pelos novos amigos e subiu de carona no trike para sobrevoar Teotihuacán. O Roy, em sua quarta tentativa, as 9h da manhã e depois de correr muito, finalmente tirou os pés do chão. Que privilégio tivemos sobrevoando aquele lugar, vendo as Pirâmides do Sol e da Lua de uma perspectiva tão diferente. Até lá de cima elas pareciam imensas. Mais um sonho realizado!

Ainda batemos um papo regado de um típico café da manhã mexicano (tortilhas com molho de nopales, folha do cactos, e muita pimenta) com o pessoal do aeródromo, mas logo tivemos que dar sequência a viagem. Nossos próximos destinos… mais duas cidades. Mas essas não poderíamos perder de jeito nenhum: San Miguel de Allende e Jeréz de Francisco García Salinas.

San Miguel de Allende possui um centro histórico bem compacto e sem muitas atrações. A cidade em si é a atração e nós chegamos na melhor hora do dia, no entardecer. Que luz! Que fachadas! Que arquitetura! Que atmosfera! A vontade era de não sair mais dali. Estávamos apaixonados por aquele lugar totalmente diferente das demais cidades que havíamos visitado no México. San Miguel é conhecida pela alta qualidade de seus artesanatos e uma das artes que mais gostamos foram as cerâmicas do estado de Chihuahua. Um belo trabalho feito pelos locais de Mata Ortiz, inspirado nas cerâmicas dos povos ancestrais daquela região.

Já Jeréz de Francisco García Salinas estava descrita em nosso livro guia dessa forma: “Assim como as tortilhas estão para o México, Jeréz também está.” Jeréz é uma autêntica cidade mexicana como as dos filmes de faroeste. Claro que a cidade está bem mais moderna do que naqueles tempos antigos, mas ainda preserva em suas ruas estreitas as características típicas da época – construções retas e simples, com os logos dos estabelecimentos pintados na fachada. Na praça central, a cena era homens de calça jeans, camisa xadrez e chapéu, sentados em bancos onde os engraxates deixavam suas botas impecavelmente lustradas. Legítimos cowboys.

E assim íamos adentrando o centro norte mexicano. Lugar onde encontramos o México exatamente como ele é divulgado no exterior, com desertos, montanhas, vales, cânions e cactos. E viajando ao som de Ennio Morricone (compositor das trilhas sonoras dos filmes de Hollywood), a cada quilômetro que dirigíamos, parecia que víamos as cenas dos filmes de faroeste acontecendo na nossa frente. De 1950 até 1990 a maioria dos grandes filmes de faroeste foram gravados nessa região, principalmente no estado de Durango. Atores como John Wayne, Clark Gable and Steve McQueen passaram horas gravando por lá, tanto que a região ficou conhecida como “A Terra do Cinema”.

Para que vocês também entrem no clima do faroeste, escutem esta outra trilha do Ennio:

 

O sul do estado de Chihuahua, o noroeste de Durango e o nordeste de Sinaola formam uma região chamada de Triângulo do Ouro. Mas não devido as riquezas minerais e sim pela grande produção ilegal de maconha e ópio. Muitos mexicanos alertaram-nos para não dirigirmos a noite e nem dormirmos em lugares remotos, principalmente quando dirigíamos nas rodovias MEX 45 e 49 (consideradas as mais perigosas da região). Ficamos pelo mínimo curiosos. Cruzamos todos esses lugares e, sinceramente, de dia não sentimos nenhum perigo ou vimos algo suspeito. Será que esses bandidos viraram uma lenda que todo mundo menciona mas não sabe mais se é mesmo verdade? A vontade era de viajar um pouco a noite ou de acampar na beira da estrada. Mas vale a pena arriscar? Com certeza não.

O norte do México é conhecido como a última fronteira e foi, por séculos, frequentado por revolucionários, bandidos, criadores de leis e foras-da-lei. Um dos nomes mais conhecidos é Pancho Villa, um fora-da-lei que se tornou o maior revolucionário do país. Também é nessa região que se situa o maior deserto da América do Norte e um dos cânions mais profundos e impressionantes do mundo.

A pequena cidade de Creel foi a base para visitarmos o Cânion das Barrancas del Cobre. Em um lugar chamado Divisadero, a 50km ao sul de Creel, encontra-se o ponto de parada do trem mais famoso do México. Esse trem percorre desde a costa do Pacífico até a cidade de Chihuahua, 656km, 37 pontes e 86 túneis, passando pelas Barrancas del Cobre. Em Divisadero, a partir de diversos mirantes, pudemos apreciar a magnitude daquele lugar tendo ele quase só para nós. Que sensação boa é essa de se sentir pequeno perante a natureza. Tínhamos a informação de outro mirante muito bonito (Cerro Galleno) nas proximidade da vila de Cerocahui. Foram aproximadamente 60km até aquela vila, por uma estrada lenta, com muitas curvas, sobes e desces e obras. Chegando lá, descobrimos que o mirante ficava 25km mais adiante. Ficamos naquela, será que vamos ou não vamos? Decidimos dormir na praça de Cerocahui para no próximo dia tomar a decisão quanto ao tal mirante. Ainda bem que fomos. Que lugar! Ao contrário de Divisadero, o verde predominava. MUY PADRE, como dizem os mexicanos quando algo é muito legal ou fora do comum.

Ainda em Creel vimos dois homens muito diferentes sentados na praça. Possuíam traços indígenas marcantes, uma pele morena escura e se vestiam com tangas e sandálias. Queríamos fotografá-los, mas não tivemos cara-de-pau de apontarmos nossa câmera direto a eles. Descobrimos posteriormente que eles pertencem a tribo Tarahumara e que vivem em cavernas e pequenas casas na região. As mulheres se caracterizam por usarem saias longas e blusas coloridas e muitas vezes são vistas nas cidades vendendo artesanato (cestos de palha e bonecas de pano). Os homens se auto-intitulam Rarámuri, aqueles que correm rápido. Eles são, na verdade, mundialmente conhecidos por correrem longas distâncias ininterruptamente, algumas vezes ultrapassando de 20 horas e 160km num mesmo dia. E o mais incrível, usando sandálias! Essa habilidade se desenvolveu devido a necessidade de se locomoverem, transportarem mercadorias entre vilas e para caçarem veados e perus selvagens. A tradição de corridas longas também está ligada aos aspectos competitivos e cerimoniais. Um de seus jogos é, enquanto correm, chutarem uma bola de madeira para corredores do mesmo time mais adiante. E o mais curioso, essas competições podem durar apenas algumas horas ou até dias sem parar.

Mais ao norte das Barrancas del Cobre, visitamos o Parque Nacional Basaseachic, onde se localiza a segunda maior cachoeira do México, que despenca 246m paredão abaixo. Ali, mais uma vez nos sentimos pequenos perante a imensidão do lugar.

Em todo o México foram necessárias grandes quilometragens para nos locomovermos de um ponto de interesse a outro. E foi no trajeto deste diário que começamos a receber os primeiros capítulos de nosso livro traduzidos para o inglês. World by Land – A fascinating trip around the world by car estava se concretizando e as longas horas na estrada foram o melhor momento para a Michelle pegar a direção do Lobo e o Roy revisar o material.

Nossa estada em terras mexicanas não poderia ter terminado de melhor forma. Por acaso, quando pesquisávamos na internet por lugares interessantes para sobrevoarmos com o paramotor, encontramos a Reserva de la Biosfera El Pinacate y Gran Desierto de Altar. Assim que vimos as primeiras fotos, nos encantamos com aquele lugar e ele se tornou imperdível em nosso itinerário. O Deserto de Atacama, um de nossos lugares prediletos no mundo, ganhou um forte concorrente.

A Reserva El Pinacate está localizada no Deserto de Sonora, na fronteira com os Estados Unidos. Passamos dois dias e meio percorrendo os 76,5km de um circuito aberto ao público. A Reserva protege o escudo vulcânico denominado vulcão de Santa Clara ou Serra Pinacate, mais de 400 cones vulcânicos ou cones de cinza, grandes derrames e fluxos de lava e a maior concentração do mundo de crateras tipo “Maar” (essas crateras gigantes são o resultado de uma atividade vulcânica explosiva produzida pelo contato do magma com a água subterrânea superficial). Pudemos visitar duas dessas crateras: El Elegante (1,6km de diâmetro, 244m de profundidade e 32 mil anos) e o Cerro Colorado (750m de diâmetro e 100m de profundidade), além do Roy ter tipo o privilégio de voar de paramotor em duas manhãs sobre elas.

Apesar da aridez, da escassa precipitação e das elevadas temperaturas, neste deserto vivem uma grande variedade de plantas e animais. Ratinhos, esquilos, lebres, coiotes e antilocapras sonorenses cruzaram nosso caminho por este vasto deserto. O antilocapra é considerado o animal mais rápido das Américas (corre a uma velocidade de 96km/h). No mundo, só perde para a chita (guepardo), mas ao contrário do felino que consegue correr apenas por alguns segundos, esta cabra pode manter essa velocidade durante horas.

No último dia no México fomos presenteados com uma ótima notícia. Nossa campanha no Catarse havia passado dos 100% da meta. Com um sorriso de orelha a orelha, saímos da internet e fomos para a fronteira com os EUA, pois já era 13 de maio e não queríamos furar com o compromisso que tínhamos nos comprometido há 3 meses atrás: participar da Overland Expo 2015, em Flagstaff – Arizona.

E como todo filme de faroeste termina com uma bela trilha sonora, nosso diário de bordo e nossa passagem pelo México também.

 

Itinerário percorrido

Itinerário México 1

Fotos

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