(10/06/2017 a 06/07/2017)
Da Ucrânia fomos para a Bielorrússia – oficialmente República da Belarus. Este é o país mais isolado da Europa. Para nós, que nunca havíamos ouvido falar algo sobre ele, representava uma incógnita total.
Existem algumas teorias sobre a origem do nome Bielorrússia, que significa “Rússia Branca”. A mais aceita diz que o “branco” se refere a pureza do seu povo, que ao contrário dos russos, nunca casaram-se com não-russos. Essa condição se deu pelo território da Bielorrússia, que fazia parte do Império Russo, não ter sido conquistado pelos mongóis, tendo ficado quase que intocado.
A Segunda Guerra Mundial, porem, mudou drasticamente essa condição, quando o país foi massivamente destruído. Mais de 25% da sua população morreu, sendo que o terceiro maior campo de concentração nazista localizava-se próximo a capital Minsque. Só ali foram executadas mais de 200.000 pessoas.
A Bielorrússia foi um dos membros fundadores da União Soviética e também uma das repúblicas mais prósperas do bloco. Com o fim da URSS, sua economia declinou e quem está no poder desde 1994 é Aleksander Lukashenko, com um governo ditatorial, opressor e fechado para o mundo. O país possui relações estreitas somente com a Rússia, da qual é dependente de importações e exportações.
Além de todos os problemas já enfrentados até então, a Bielorrússia, em 1986, foi o segundo país mais afetado pelo desastre de Chernobyl. O acidente contaminou um quarto do país e seus efeitos são percebidos até hoje, especialmente na região sul, por onde entramos, onde as florestas absorveram grande parte da fumaça radioativa decorrente da catástrofe. Sinais que indicam radioatividade ainda existem para advertir as pessoas para que não coletem frutas silvestres e cogumelos. Nós precisávamos acampar, pois quando cruzamos a fronteira já era tarde, mas com esses sinais de radioatividade ao longo da estrada, não nos animamos em parar. O mais intrigante nessa passagem foi vermos pequenas vilas na área contaminada com campos de cultivo e agropecuária. Haviam frutas e verduras a venda – e olha que os morangos eram apetitosos – mas não nos arriscamos. Um problema é que o governo, muitas vezes, não admite que há riscos, para evitar problemas sociais.
Em Turau nós já não corríamos mais risco de radioatividade. Lá está o Parque Nacional Pripyatsky, que preserva florestas e pântanos ao redor do rio Pripyat. Por sua dimensão e capacidade de geração de oxigênio, é considerado o pulmão da Europa. Acampamos na beira do rio e junto ao povo local, fomos pescar. Dizem que há peixes de até 60kg, mas não pegamos nada. O jeito foi comer nosso prato mais tradicional – macarronada de atum enlatado. O parque abriga animais, como porcos selvagens e alces, mas os que tivemos um contato muito próximo, que não nos deixavam ficar fora do carro em certos horários, eram os mosquitos.
A capital Minsque, como já mencionamos, fora destruída na Segunda Guerra Mundial. Foi reconstruída nas décadas 40 e 50 como símbolo do stalinismo. É bonita, com ruas amplas, edifícios imponentes; alguns em estilo soviético e outros modernos, a exemplo da Biblioteca Nacional. Mas por ser uma cidade planejada, é espalhada, para carros, não pedestres e a consequência disso, é uma cidade com pouca vida. Dois pontos marcantes de Minsque: a estátua de Lenin (que, alias, está presente em todos os países da ex-URSS) e o prédio da KGB, que mesmo com o fim da URSS, continuou a operar na Bielorrússia.
Tirando a capital, que é moderna e monumental, o resto do país é pacato, com vilas pequenas, agricultura, florestas e regiões alagadas. As casas de madeira são parecidas com as da Rússia, coloridas e com esquadrias cheias de entalhes. As mulheres, muito tradicionais, usavam lenços na cabeça e os homens roupas camufladas.
Em Niasvizh passeamos pelos jardins do Palácio Radziwill, construído em 1583. Passamos também por Mir para conhecer um castelo e fomos seguindo viagem. Se não fosse por um alce que cruzou a estrada em nossa frente, o interior da Bielorrússia teria sido de poucas emoções.
Da Bielorrússia, a ideia era voltar para a Rússia, na cidade Bryansk, onde visitaríamos o amigo Konstantin, que viajou conosco no extremo leste russo. Escolhemos o caminho mais curto, mas quando chegamos na divisa, pela fronteira ser pequena, não nos autorizaram cruza-la – ela funciona somente para russos e bielorrussos. Foi uma notícia não muito agradável, pois a única fronteira que poderíamos cruzar situava-se no sul do país e isso nos acresceria 350km.
Chegamos na fronteira tríplice da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia somente no outro dia e logo que entramos na Rússia, reencontramos o Konstantin, que a sete meses não víamos. Ele nos aguardava no acostamento da principal entrada de Bryansk.
Passamos seis dias na companhia de Konstantin e sua esposa Katerina, que fizeram de tudo para que nossa passagem por Bryansk fosse inesquecível. Além de todo o conforto de sua casa, das deliciosas refeições, eles nos levaram numa banya, sauna russa (acessem esse site para ver as fotos da sauna http://dobrynya-club.ru). O local era em estilo rústico, construído com toras de madeira. Ao entrarmos naquele ambiente aconchegante, colocamos nossas roupas de banho; nos foi oferecido chinelos, roupões e chapéus de feltro para proteger nossas cabeças do calor. Ai, primeiramente, entramos numa sauna bem quente. Saímos depois de 20 minutos e sentamo-nos em uma sala de espera para tomar chá preto num samovar russo e comer petiscos com geleias caseiras. A próxima etapa foi de tratamento especial: voltamos a sauna e fomos “surrados” com folhas de birchou bétula em português. O movimento das folhas gera um calor intenso no nosso corpo, o que estimula a circulação (as vezes chega a queimar a pele), além de que as folhas liberam substancias que abrem os poros e ajudam a ventilar os pulmões. Ai foi a vez do banho gelado na piscina, para ativar ainda mais a circulação e por ultimo foi feita uma esfoliação em todo nosso corpo, com mel, limão e sal. Mais um banho para finalizar e saímos de lá quase que flutuando, de tão leves e relaxados.
Nosso amigo Konstantin é parapsicólogo. Então, além da oportunidade de nos purificarmos na banya russa, nós caminhamos descalços sobre cacos de vidro. Segundo ele, o segredo para não se cortar é pensar positivo. E conseguimos. Saímos sem nenhum arranhão. Na próxima vez, queremos ver se caminhamos sobre a brasa. Nós vimos fotos dele fazendo isso e parece ser incrível.
A região onde estávamos (oeste de Moscou) foi um dos maiores campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Nós visitamos alguns memoriais, a exemplo do Monumento aos Motoristas do Exército, e uma atitude dos russos nos chamou a atenção: eles buzinam em lembrança aos mortos sempre que passam ali na frente, pela rodovia principal. Segundo nosso amigo Konstantin, na floresta onde a guerra aconteceu, onde há muitas trincheiras e bunkers, até hoje, encontra-se objetos usados pelos soldados, assim como bombas que não explodiram.
Quando os nazistas ameaçaram invadir Moscou (eles estavam a apenas 30km da capital), Stalin iniciou uma campanha com propagandas nacionalistas que motivaram a população russa – não militar – a lutar voluntariamente pelo país. Homens, mulheres, crianças e idosos foram aos campos de batalha com o objetivo de atrapalhar o inimigo, roubando cargas, sabotando e prejudicando em sua comunicação. Como esses guerrilheiros conheciam bem a região onde moravam, conseguiam planejar melhor os ataques, então sua participação na guerra foi fundamental. Mas mesmo que os russos venceram os nazistas, os números de soldados envolvidos, munição, tanques e mortes são alarmantes. A vitória contra os nazistas é e sempre será um orgulho nacional.
Como é de praxe em nossas viagens, chega a hora de partir. A despedida é sempre a parte mais difícil, ainda mais de grandes amigos. Mas partimos de Bryansk com a certeza de que reencontraremos Konstantin e Katerina em breve, talvez no Brasil.
Nosso próximo destino era Moscou. Mas como outras capitais, Moscou é enorme (quase 12 milhões de habitantes), congestionada e os hotéis e restaurantes são caros – não são as cidades ideais para irmos com nosso carro. Nos dirigimos então a Chernogolovka, uma cidade pequena situada a 60km ao norte de Moscou e conhecemos o amigo do Konstantin, Alexander Trushnikov.
Alexander mora no porão de um prédio. O local não é apenas sua casa, mas a base de um clube de off-road. Descobrimos que essa figura, muito querida e respeitada por todos, foi um dos fundadores do 4×4 na Rússia. Alexander, entre outras proezas que fez, deteve o recorde mundial de maior altitude em um carro: 5.760m, que conquistou no Tibete. Mas manteve-o por apenas dois meses, pois o recorde foi superado por um time de chilenos. O seu escritório está cheio de mapas e peças de carros e de lá ele organiza e dá suporte para expedições pela Europa e Ásia. Nós dormimos no Lobo, que ficou estacionado ao lado da sua Land Rover Defender e esse porão foi a nossa casa por alguns dias. Alexander não falava inglês, só algumas palavras em alemão; mas o que percebemos em nossas viagens é que se ambos os lados tem interesse em se comunicar, um entendimento acaba acontecendo. Foi assim com Alexander.
Deixamos nosso carro estacionado em Chernogolovka e fomos para Moscou passear por um dia. Pelo tamanho da cidade, claro, não foi suficiente, mas o coração – as proximidades da Praça Vermelha – nós tivemos a oportunidade de conhecer.
A Praça Vermelha possui 400m x 150m. Na época do império, era o local do mercado e onde o povo se concentrava para celebrar ou castigar; durante a era soviética era o local das paradas militares; e hoje, é um local destinado para concertos, festivais e eventos culturais. Parecia um formigueiro, de tantos turistas circulando.
Entramos na praça pelo norte, ao lado do prédio do Museu de História Nacional. Do lado direito ficava o muro vermelho do Kremlin e o Mausoléu de Vladimir Lenin, que é uma construção toda de mármore, estilo russo (impessoal e fria), onde o corpo mumificado de Lenin está exposto para visitação desde sua morte em 1924. O custo de sua manutenção é altíssimo, mas pela quantidade de turistas que são atraídos por essa, que é uma das múmias mais famosas do mundo, pelo jeito vale o investimento. A esquerda situa-se o GUM (Gosudarstvenny Universalny Magazin – Loja de Departamentos do Estado). Na época do comunismo, esta loja representava tudo o que era ruim: longas filas e falta de produtos. Hoje é o extremo oposto – um shopping center de alto padrão que instiga o consumismo. Na parte sul da praça projeta-se ao alto a Catedral de São Basílio, que, com suas cúpulas coloridas, são o símbolo da cidade e de toda a Rússia.
Kremlin significa fortaleza em russo e refere-se a qualquer complexo fortificado encontrado nas cidades históricas russas. O Kremlin de Moscou é o mais importante, pois nele fatos marcantes aconteceram: foi lá que o imperador Ivan “O Terrível” orquestrou seu terror; Napoleão assistiu a cidade queimar; a Igreja Ortodoxa Russa estabeleceu seu centro; Lenin formou a ditadura do proletariado; Stalin enviou milhares de prisioneiros aos gulags; Khrushchev lutou a Guerra Fria; Gorbachev desencadeou a perestroika; e Yeltsin inventou a Nova Rússia. Hoje, a fortaleza continua sendo a sede do governo, junto a residência presidencial no Grande Palácio e outros prédios administrativos.
Nós entramos no Kremlin pela Praça do Senado, onde um prédio moderno contrastava as três igrejas existentes. Uma era o local onde os reis eram coroados, outra onde a realeza realizava suas missas e a terceira a necrópole onde os soberanos (tsars) foram enterrados. O Kremlin é muito grande e tudo impressiona pelos detalhes e riqueza.
O centro histórico de Moscou, fora do Kremlin, também é muito bonito. Nós caminhamos por varias ruas contemplando a arquitetura local. Ao fim do dia, cansados de tanto caminhar, terminamos nossa visita a cidade em frente ao Teatro Bolshoi, que significa Grande Teatro em português.
E por incrível que pareça a grande atração ficou por conta da pacata cidade onde havíamos deixado nosso carro para visitar Moscou – Chernogolovka. Ela possui apenas 60 anos, mas seu papel durante a Guerra Fria foi vital. Era um lugar ultra secreto, pois sediava os institutos de pesquisa e desenvolvimento dos ramos da física, química, biologia e geologia, onde os melhores cientistas do país trabalhavam (sem muita opção, pois ou se trabalhava para o governo, ou era levado para um gulag na Sibéria). Um dos maiores segredos mantidos lá, na época da Guerra Fria, era o desenvolvimento de explosivos que separavam o núcleo do urânio para ser usado na energia atômica. Chernogolovka tornou-se um centro de intelectuais e dali saíram dois Prêmios Nobel.
Hoje, apesar dos institutos que testavam armas químicas e biológicas estarem desativados e outros departamentos da ciência rodarem com menos investimento que outrora, a cidade ainda é um dos principais centros científicos da Rússia. Mas quando se vê os edifícios soviéticos, meio abandonados e sem manutenção, não se dá nada por aquilo. E igual ao nosso Brasil, a Rússia não investe em seus cientistas, então, os que se destacam, deixam o país em busca de melhores oportunidades de trabalho e salário nos Estados Unidos e Europa.
Alexander nos levou por cada canto da cidade. Além disso, tivemos uma oportunidade diferenciada – passarmos um dia inteiro na casa do prefeito Oleg e sua esposa Liuba. Aprendemos a fazer borshcom a filha de Alexander, Nastya, e fizemos muitos outros amigos. Mais uma vez, foi difícil de partir.
Nos arredores de Moscou nós percorremos o Golden Ring (Anel de Ouro), paraíso dos kremlins e igrejas. Nesta região localizam-se as cidades mais antigas da Rússia, onde iniciou-se e desenvolveu-se o Império Russo. Suzdal foi a capital do reinado, depois virou um centro monástico e por último um ponto importante de conexão comercial. Esta importância, porem, foi perdida depois que a linha de trem desviou a cidade 35km ao sul, em Vladimir. Longe do desenvolvimento, Suzdal se aposentou do comercio e da politica. Essa marginalização a deixou com um ar de interior, que até hoje, lhe dá um charme diferente das demais. Como é pequena, os monastérios e conventos são próximos uns dos outros, então era possível se ver diversas cúpulas aceboladas ao mesmo tempo. Nossa visita terminou ao anoitecer, na beira do rio, local de nosso acampamento, tomando chá e apreciando as cúpulas iluminadas.
Em seguida fomos a Pereslavl-Zalessky, onde acredita-se que a marinha russa começou pelo incentivo de Pedro “O Grande”. Ficamos encantados com o Kremlin de Rostov-Veliky, todo branco e imponente, com cúpulas de madeira na muralha e metálicas nas igrejas. Fizemos uma breve parada em Uglich, localizada na beira do rio Volga; ela é a primeira parada dos cruzeiros que saem de Moscou. E assim fomos seguindo viagem, pelas estradas do interior, vendo monastérios, conventos, museus e respirando muita arte. Nós só deixamos os contos de fadas quando caímos na rodovia principal entre Moscou e São Petersburgo, com congestionamento.
São Petersburgo também é uma cidade grande, mas Alexander nos ajudou com sua rede de contatos. Stanislav, dono de uma loja especializada em equipamentos 4×4 (Ex-Road), nos cedeu um espaço de seu estacionamento para acamparmos. Íamos para o centro da cidade de transporte publico (ônibus + metrô) e passávamos o dia perambulando; ficamos lá por três dias.
São Petersburgo foi criada em 1700 por Pedro “O Grande”. Arquitetos e artesãos de toda Europa foram trazidos para construir a cidade, que se tornou a capital do império. Ela só perdeu esse titulo na época soviética, quando Lenin, com medo de um ataque alemão, ordenou que a capital voltasse para Moscou. Lenin previu com assertividade – São Petersburgo foi sitiada por três anos pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
Sem duvida Peter, como é chamada pelos locais, é a cidade russa mais encantadora. Ela é a que menos características soviéticas possui, e a que mais se assemelha com a Europa Ocidental. O Hermitage, localizado no Palácio de Inverno, é um museu gigantesco que abriga uma das principais coleções de obra de arte do mundo e é impossível não se encantar com sua arquitetura. Possui 1.057 salas conectadas por 117 escadas. E o que dizer da Catedral do Sangue Derramado, cujo exterior é inspirado na Igreja de São Basílio de Moscou. Se o exterior já é hipnotizante, o interior tomou horas de nossa atenção. Esta igreja é conhecida pela sua história de restauração, que foi mais demorada (27 anos) que sua construção (24 anos). 30 artistas tiveram que restaurar 7.000 metros quadrados de mosaicos. Nunca vimos nada igual.
Tivemos uma vista panorâmica da cúpula da Catedral de São Isaac, para a qual subimos 262 degraus de escada. Mas a vista mais bonita foi do Mirante Strelka, localizada no outro lado do rio Neva. Durante o verão russo, em determinado horário da madrugada, as pontes do rio sobem cerca de 1,30m; só assim os navios conseguem entrar ou sair do Mar Báltico. Fizemos também um passeio de barco pelos canais de São Petersburgo e tivemos uma perspectiva diferente. A cidade é tão bonita que é também conhecida como a Veneza do Norte.
Nossa passagem pelo oeste da Rússia foi encantadora, mas houve pouco contato com a natureza, o que já estava nos fazendo bastante de falta. No dia 06 de julho, então, saímos da Rússia com destino aos Países Nórdicos. O verão já se fazia presente e a vontade de conhecer as florestas e os lagos finlandeses era grande.
Saiba mais sobre esse trajeto:
Itinerário percorrido
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