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Diário de bordo 19 – Nicarágua

(15/03/2015 a 26/03/2015)

Por entre lagos e vulcões.

Eram 16h quando terminamos as burocracias aduaneiras da fronteira entre Costa Rica e Nicarágua, então partimos felizes da vida para desvendar mais um país centro-americano. Apenas alguns quilômetros ao norte e, ao nosso lado direito, apareceu o grande Lago Nicarágua ostentando em uma de suas ilhas dois vulcões em formato piramidal, fazendo daquele cenário algo mágico e único no mundo. O lugar é bonito mesmo, ainda mais quando se tem a sorte de ver os vulcões sem nuvens. Mas este lago não é único somente pela beleza, ele é habitat de tubarões e peixes-espada de água doce! Cientistas acreditam que no passado o lago era uma baía do Pacífico que foi fechada pela atividade vulcânica. Na medida que a água foi perdendo a salinidade, os peixes foram se adaptando a nova condição de vida.

A ilha que nos referimos se chama Ometepe. Na língua nahuatl, Ometepe significa duas montanhas. Contemplando-a de fora do lago, quase não se vê nada além das montanhas piramidais, que são, da esquerda para direita, os vulcões Concepción com 1.610m, ainda ativo, e o Maderas com 1.394, já extinto. A beleza e o solo fértil da ilha fazem dela um ótimo lugar para morar e não é de hoje, pois indícios de civilizações e atividade agrícola muito antigas foram encontrados ali. Atualmente vivem 42.000 pessoas divididas em várias cidades e povoados ao redor dos dois vulcões, os quais tiram seu sustento na pesca, cultivo de milho, banana, café e turismo.

Por termos muito a conhecer em Ometepe, fomos para lá de carro. Tomamos um ferry e navegamos por 13km até Moyogalpa, a cidade principal. De lá dirigimos por vários caminhos que se distribuem na ilha como se desenhassem um óculos, onde no formato do aro formam-se as estradas e no lugar das lentes situam-se os vulcões. Nos três dias que ficamos na ilha, além de observar a vida local, vimos alguns petroglifos e escalamos o vulcão Maderas. Uma tarefa que não foi nada fácil devido a sua inclinação de ascensão e o pior, acima da metade da altitude a umidade é muito intensa e tivemos que caminhar por uma trilha muito enlameada no meio da floresta. A caminhada de ida e volta durou um pouco mais de 7 horas, incluindo as paradas e foi linda, mas no cume do vulcão, com a forte neblina, não enxergávamos 10 metros de distância. Malmente vimos o lago que se situa na cratera.

Foi bom ter conhecido o Lago Nicarágua e a Ilha Ometepe antes da vinda dos chineses para lá, pois esta maravilha da natureza tende a se transformar nos próximos anos no segundo canal navegável que unirá os oceanos Atlântico e Pacífico. Como já havíamos mencionado em um POST que escrevemos sobre o canal do Panamá (veja o post aqui), há um projeto muito adiantado dos chineses de abrirem este canal e o Lago Nicarágua será ponto de passagem dos maiores navios do mundo. Este novo canal terá 278 quilômetros e tem previsão de estar em funcionamento já em 2020. A obra irá gerar emprego para 250.000 pessoas, entre trabalhos diretos e indiretos e o custo está estimado em U$50 bilhões. É claro que essa obra inigualável trará muito desenvolvimento para a Nicarágua e América Central, mas dificilmente consegue-se prever todas as consequências sociais, ambientais e políticas que isso pode gerar, a começar pela vinda em massa de chineses para cá.

E em se falando de grandiosidades, os chineses definitivamente não pensaram pequeno ao projetar esta obra. Vejam algumas comparações com o canal do Panamá. Hoje as eclusas do Canal do Panamá comportam navios com capacidade de 13.000 containers, mas já está em fase final a construção de uma segunda passagem de eclusas para navios com 18.000 containers. Na Nicarágua o canal terá capacidade de receber navios com 25.000 containers. E para não perderem tempo, os chineses já estão construindo navios com esse porte.

Registramos aqui só mais um fato interessante sobre toda essa história: logo após a independência da Nicarágua no ano 1838, os EUA e Inglaterra já vislumbravam unir com um canal o Pacífico ao Atlântico pelo Lago Nicarágua. Os EUA somente abandonaram o projeto quando no século 20 adquiriram os direitos dos franceses para conluir o Canal no Panamá.

Longe do lago e junto a costa do pacífico nicaraguense, fomos atrás das ondas. Não somos bons no surfe, mas gostamos muito e uma marolinha vez ou outra faz bem. Alugamos uma longboard e nos divertimos na praia Popoyo, um lugar muito visitado por surfistas de todos os lados, principalmente californianos, devido as boas ondas.

No dia que chegamos em Popoyo nos chamou a atenção que muita gente local corria de um lado para outro na areia frente ao mar. Fomos ver o que acontecia e percebemos que eram pescadores, mais de 200, todos com suas linhas e iscas artificias em mãos olhando atentos ao mar a procura de indícios de jackfish (nome de acordo com nossa pesquisa) que vem em cardumes até a rebentação das ondas atrás das sardinhas. Estes peixes, perseguindo os cardumes de sardinhas que muitas vezes nadam na flor d’água, deixam suas nadadeiras dorsais a vista para fora do mar e é esse o momento em que os pescadores os localizam. Quando alguém vê algum peixe, corre e atira sua isca artificial ao mar, levando todo o bando de pescadores junto. É um movimento lindo de se ver! Mar adentro, vindo do ar, centenas de pelicanos e gaivotas também faziam seus ataques para se alimentar das sardinhas. É a natureza fazendo seu papel na cadeia alimentar, onde o maior se alimenta do menor. Nós achamos bastante justo que os humanos não utilizavam redes para a pesca, usando apenas linhas de mão. Dos 200 pescadores ou mais, vimos no máximo 5 terem êxito. Qual seria o índice de sucesso dos jackfish e dos pelicanos e gaivotas?

Seguimos viagem até Granada, uma das primeiras cidades europeias assentadas no continente americano e depois fomos bater na porta do inferno!!! “Porta do inferno”? Parece estranho usarmos esse termo, mas na linguagem popular existem seis lugares no mundo considerados assim e o vulcão Masaya é um deles. Trata-se de uma imensa cratera vulcânica ativa que chega a assustar quem a admira por sua crista. Parece mesmo que se está olhando para o inferno. Um fato curioso é que se pode ir de carro até lá e não há muitos lugares no mundo que você pode fotografar seu carro a meros 10 metros da borda de um buraco tão gigante e que de alguma forma tem acesso mais fácil ao centro do nosso planeta.

Há várias crateras neste vulcão, mas a maior e que está ativa se chama Santiago. Segundo a lenda, civilizações pré-hispânicas faziam oferendas a Chaciutique, a deusa do fogo, lançando mulheres jovens na lava em ebulição afim de amenizar as trepidações do vulcão. Na parte mais alta da crista há também uma réplica de uma cruz colocada pelos espanhóis no século 16, para exorcizar demônios que moravam na cratera.

Estar no parapeito de um buraco daquele porte é uma emoção diferenciada. Ainda mais sabendo que lá em baixo, a 200 metros de profundidade, há uma grande atividade vulcânica que é ocultada pelo gases sulfurosos expelidos constantemente da cratera. E no final do dia, acreditem, periquitos voltam aos seus ninhos pendurados nas paredes da cratera, pois a eles, imaginam os pesquisadores, os gases tóxicos não fazem mal.  Nesse mundo cada um se defende como pode e o que importa é usar a criatividade e os periquitos abusaram desta. Estando ali, esses pequenos pássaros encontraram uma forma de estarem fora de perigo do ataque das aves de rapina.

Mais ao norte da Nicarágua passamos por Estelí, Matagalpa, Jinotega e Somoto. Enquanto dirigíamos pelas estradas montanhosas e lentas, íamos pesquisando em nosso livro guia um pouco sobre a situação política atual do país, já que esta região é tomada por sandinistas – o partido do atual governo nicaraguense com tendência socialista. Propagandas de Daniel Ortega, o presidente que parece ter devolvido ao país uma sensação de estabilidade, eram muito comuns nessa região. Mas desde os tempos da independência até hoje, a história da Nicarágua é embasada na briga por poder e dinheiro entre os partidos conservador e liberal, o que resultou em uma guerra civil de muitos anos.

Nossa visita a Nicarágua terminou depois de conhecermos um belo cânion chamado Somoto, de onde, ao longe, já avistávamos Honduras. O lugar é lindo e a água do rio cristalina. Enquanto caminhávamos pelo cânion, meninos nativos pescavam com arpões produzidos artesanalmente. Munidos destes arpões e de uma máscara de mergulho, quando identificavam a presença de um peixe, entravam cuidadosamente na água até os joelhos, curvavam-se colocando a cara com a máscara na água para anular o efeito da refração da luz, que desvia a posição do peixe quando o vemos de fora da água, e era tiro e queda. A janta estava garantida!

Itinerário percorrido

Itinerário Nicarágua

Fotos

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