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Diário de Bordo 20 – Honduras

(26/03/2015 a 31/03/2015)

O “menino mau” da América Central

Não é sempre que o país centro-americano Honduras aparece na mídia. E quando aparece, é na página policial! Honduras ganhou destaque em 2012 quando uma de suas cidades, San Pedro de Sula, recebeu o título de a mais violenta do mundo. E atualmente esse título é mantido por ela pelo quarto ano consecutivo. Além de possuir a cidade mais violenta, segundo uma matéria online da revista Exame, Honduras também liderou a lista dos países mais perigosos do mundo em 2012, com uma taxa de homicídios de 90,2 mortes para cada 100 mil hondurenhos. Tão pouco a polícia hondurenha leva uma boa fama. Um de nossos livros guias os descreve como uma das mais corruptas das Américas. Infelizmente essas más notícias são suficientes para afastar diversos turistas do país.

Em nossa primeira viagem de volta ao mundo quebramos muitos paradigmas e um deles foi conhecer países que eram considerados perigosos, como Paquistão, Sudão, República Democrática do Congo, etc. São países perigos? Sim. Devemos ter muito cuidado! Mas isso não quer dizer que há sangue correndo por todos os lados como gosta de enfatizar a mídia. Nessa mesma lista que Honduras encabeça, o Brasil ocupa o décimo sexto lugar e das 50 cidades mais perigosas do mundo, 19 são brasileiras. E se for considerar o tamanho da população do Brasil o panorama é mais preocupante, pois mais de 10% dos assassinatos do mundo foram registrados em nosso país. Mas será que o Brasil é tão perigoso assim, ao ponto de que o turismo o evite? Essa mesma pergunta deve ser feita quanto a Honduras. Se tivermos a consciência de evitar as regiões mais perigosas, praticamente só veremos pessoas boas e a grande maioria delas estará levando uma vida normal, batalhando a cada dia por seu ganha pão.

Nós entramos em Honduras pelo leste, vindos da Nicarágua, tendo como destino dois lugares imperdíveis no noroeste: o Lago Yojoa e as ruínas maias de Copán. O caminho foi quase sempre por montanhas com florestas de pinus (as florestas de pinus são nativas desde Prudhoe Bay no Alasca, até o norte da Nicarágua), uma natureza um tanto quanto monótona e árida. Mais de 65% do território hondurenho é montanhoso, com uma média de 1.000m de elevação ao nível do mar.

O Lago Yojoa ou Lago dos Lagartos é de origem vulcânica e a maior reserva de água doce de Honduras. Milhares de pessoas dependem da pesca em suas águas rasas e quando se dirige por sua margem é difícil resistir e não fazer como de costume dos hondurenhos, parar num restaurante e comer tilápia frita.

A região ao redor do lago é coberta por uma densa floresta tropical e sua diversidade de pássaros é reconhecida mundialmente. Mais de 50% das espécies de aves de Honduras são encontradas nesse local, incluindo o lendário quetzal. E foi ele que nos atraiu para lá.

Mas o que tem o quetzal de tão especial?

O quetzal é um pássaro de uma beleza única. Possui um colorido sem igual, com predominância da cor verde esmeralda e com detalhes de vermelho e branco em seu peito. O macho chama mais atenção por possuir um rabo com penas compridas e brilhantes, tanto que este é o significado do seu nome na língua local náhuatl. Seu habitat é a selva nebulosa e úmida da América Central, principalmente em áreas de altitude. Ele é o pássaro número um da lista de diversos admiradores de aves, mas isso não é só de hoje. As civilizações pré-hispânicas também o admiravam. Os reis e sacerdotes carregavam tocados de plumas de quetzal e todos os objetos que possuíam suas penas eram tidos como símbolos de poder e riqueza. Sua pluma era mais valiosa que o ouro e quem matasse um quetzal deveria pagar com pena de morte. Também é chamado pelos povos locais de “serpente emplumada” por seu rabo se mover quando voa como uma serpente.

Nós não sabíamos onde nem como encontrar o famoso pássaro, mas, por sorte, conseguimos a dica de um guia chamado Leonel, o qual é um apaixonado por aves e por isso, saberia dessas informações. O encontramos em sua casa na pequena vila El Cedral, já nas encostas da Montanha Santa Bárbara, a segunda maior montanha de Honduras (2.744m). Leonel de pronto abriu a porta de sua casa e nos recebeu com uma xícara de café plantado nas terras da família. Enquanto degustávamos a bebida quente, ele ia falando e mostrando em seu computador imagens do quetzal e de diversos outros pássaros da região. O contratamos na hora para partirmos no dia seguinte em busca da bela ave.

A receptividade não parou por ali. Leonel nos deixou passar a noite estacionados na casa de seus pais e nos levou para caminhar por plantações de café, hortaliças e um orquidário que está cultivando. Pareceu um bom entendedor da natureza da região e o mais importante, consciente da necessidade de sua preservação.

A noite foi de muita chuva e lá pelas quatro e meia da manhã fomos acordados pelo despertador. Era hora de levantar e sair em busca do quetzal. Partimos no escuro, caminhando por uma estradinha que posteriormente virou uma trilha por entre plantações de café, até entrarmos no meio da floresta. Logo começou a clarear e o dia revelou a beleza daquele lugar. Estávamos rodeados por uma floresta densa e com árvores gigantes. A paisagem descortinava-se para nossos olhos com uma música de fundo: o lindo canto do pássaro Solitário. Segundo Leonel, seu canto está entre os 10 mais bonitos do mundo. Uma melodia que ficou em nossa memória e que também se tornou uma de nossas preferidas.

Vejam esse vídeo que encontramos no youtube e se encantem com o canto do Solitário…

Continuando nossa busca pelo quetzal, caminhamos montanha acima até os 2.100 metros de altitude e entramos em terras pertencentes ao Parque Nacional Santa Bárbara. Apesar de ser uma área de proteção, havia ali um campo de cultivo de hortaliças. Este lugar foi o escolhido por nosso guia, pois nas bordas da floresta é mais fácil avistar o pássaro, do que estando no meio dela. Mas o que não contávamos era com a chuva, neblina e frio. Tivemos que passar horas embaixo de uma barraca improvisada até que o tempo melhorasse. Assim que surgiram alguns raios de sol, entramos na floresta e fomos perseguindo o canto do quetzal e ali vimos duas fêmeas, lá longe na copa das árvores, onde malmente nossa lente de zoom conseguia fotografar. Como nos contou Leonel, os quetzals são mais ativos quando o tempo está fechado pela neblina, pois sua plumagem não fica tão brilhante e assim a ave passa despercebida aos predadores. Voltamos para o campo de cultivo, pois queríamos ver um macho, mas não tivemos tanta sorte e avistamos somente uma terceira fêmea de longe.

Descemos os mais de 700m comendo amoras e framboesas selvagens. Leonel nos perguntou se tínhamos ficado satisfeitos, mesmo não tendo visto o quetzal macho e nossa resposta não poderia ter sido outra: “Claro que sim!” Encontramos um lugar fantástico nesse cantinho de Honduras e esperamos que ele se preserve, assim como que o quetzal possa voar livremente por estas florestas ao som do canto do solitário.

Vale a pena procurar fotos do quetzal no Google Images…

Seguimos para o próximo destino por estradinhas de chão entre diversas vilas. Era Domingo de Ramos e muitas pessoas caminhavam na beira da estrada, mesmo com chuva, com seus ramos na mão e estas nos olhavam com cara de espanto e curiosidade. O acontecimento de domingo deve ter sido o carro branco, com placa estrangeira, que passou por aquelas vilas, rsrsrs.

Ainda antes de Copán, aproveitamos para dar uma parada em Gracias, um das cidades mais importantes da história de Honduras. Por um período curto no século 16 foi a capital de toda a América Central sob domínio dos espanhóis. Seu nome original era Gracias a Dios, mas a cidade logo perdeu o poder para Antigua, na Guatemala e Comayagua, a primeira capital do país. Hoje a capital hondurenha é Tegucigalpa.

A tranquila cidade de Copán Ruínas, já na fronteira com a Guatemala, sedia as ruínas maias de mesmo nome. Estas são as primeiras ruínas maias a aparecer em nosso caminho das milhares existentes na América Central e México. Copán destaca-se entre as principais delas, não por sua arquitetura, mas pela grande qualidade e fineza de suas esculturas e hieróglifos – foram os mais expressivos dos maias.

Ao ingressarmos na área das ruínas de Copán, fomos recepcionados por um bando de araras, ave admirada pelos antigos maias de Copán. Logo visitamos a Praça Principal, área de interação social; o Campo de Pelota, jogo praticado pelos pré-hispânicos; a Escalinata, 63 degraus com hieróglifos que são o texto mais longo deixado pelos maias e que contam quatro séculos de história de Copán; a Acrópoles; além das áreas residenciais. Tudo isso, ora embaixo de sol, ora de chuva. Muitas das peças mais importantes foram retiradas do local original e levadas ao Museu de las Esculturas para sua melhor conservação. O que mais nos chamou a atenção em Copán, além da rica arte, foram as árvores ceibas gigantes que estão no meio e sobre as ruínas. Um lugar mágico! E para finalizar com chave de ouro, encontramos todas as araras aglomeradas nas proximidades do portão da saída, e de repente, como num sinal de despedida, todas voaram em direção as ruínas. Uma imagem eterna.

 

PS 1 – Uma curiosidade interessante: se você estiver em Honduras e ver uma placa dizendo túmulo, não significa que terá um cemitério logo a frente e sim, uma lombada.

PS 2 – Nossos planos sempre foram visitar todos os países continentais da América Central, então, de Honduras seguiríamos para El Salvador. Mas por estarmos com pouco tempo, tivemos que deixar este pequeno país para uma outra oportunidade e seguimos dali sentido Guatemala.

Itinerário percorrido

Itinerário Honduras

Fotos

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