(26/07/2017 a 06/08/2017)
Entramos na Rússia pela quinta vez. Mas dessa vez não foi somente por escolha nossa e sim porque tivemos que deixar a Zona Schengen, na qual completávamos os 90 dias de visto. Nós vínhamos calculando esse visto com cuidado e a saída para a Rússia foi estratégica, pois em 10 dias o teríamos renovado, já que a primeira vez que ingressamos nessa zona, na Grécia, completaria 180 dias. Para entender melhor como funciona o visto Schengen, CLIQUE AQUI.
Por um lado foi muito bom termos sido obrigados a deixar a Zona Schengen, pois esse cantinho noroeste da Rússia, chamado Península de Kola, é muito peculiar, tanto pela natureza, quanto pela história e cultura. Nós iniciamos nossa trajetória percorrendo a margem sul da península, a partir da cidade Kandalaksha, onde o Mar Branco se inicia. Próximo a cidade, as margens do mar, há um marco histórico chamado Labirinto Avalon, que é um desenho feito no chão, com pedras, que se preserva entre três e cinco mil anos. Algo similar aos desenhos de Nazca, no Peru, mas em menor tamanho. Acredita-se que nos tempos antigos a tribo Sami usava-o para fazer sacrifícios e o labirinto era um lugar onde as pessoas podiam viajar para outras dimensões.
O Mar Branco é um braço do Mar de Barents. Por ambos pertencerem ao Oceano Glacial Ártico, suas águas são muito geladas. Além da arquitetura tradicional russa que pudemos apreciar ao longo da estrada costeira, quando a dirigíamos a Leste, tivemos uma surpresa: descobrirmos que a cidade Umba não nos permitia visita-la, pois é sede de uma das principais bases de submarinos atômicos russos. A Península de Kola, alias, é um dos lugares que mais hospeda ogivas nucleares no mundo. Por conta disso, infelizmente, no final da península, há dejetos de reatores navais que representam um problema ambiental muito sério.
Nós dirigimos até o fim da estrada, que termina numa vila chamada Varzuga, situada ao lado do Rio Varzuga. Do outro lado do rio em diante, há uma vastidão sem fim. Uma terra intocada, onde vivem ursos e rebanhos de renas, criadas pelo povo Sami. A vila de Varzuga é pequena e charmosa e ao centro, cercado por casas coloridas, situa-se o monastério ortodoxo, com um conglomerado de igrejas de madeira que datam de 1674.
A economia local depende da pesca deste rio, que é um dos destinos de desova de salmões, provenientes do Atlântico e do Pacífico. Nós tínhamos o desejo de pescar, é claro, mas para isso era preciso de uma licença, que além de demorada, era cara. O turismo de pesca dali é explorado por empresas russas, americanas e finlandesas, pois diz-se ser um dos melhores locais do mundo para a pesca do salmão do Atlântico. Nós nos contentamos, então, com um salmão do Pacífico que compramos quando acampamos ao lado de um vilarejo de pescadores. Naquele dia, segundo o pescador, eles haviam pego dois mil salmões em sua rede, mas num dia bom já chegaram a pescar doze mil. Dá para acreditar? Fora os salmões, o que havia em quantidade inimaginável eram mosquitos, que não nos davam trégua, especialmente ao entardecer. Nem um centímetro de pele podia ser deixado a vista e mesmo cobertos, éramos rodeados por milhares desses insetos sanguinários, que tentavam nos morder até por cima da roupa. Para entrar no carro e não leva-los conosco, desenvolvemos uma estratégia: corríamos em circulo para deixar os mosquitos para traz, então abríamos a porta e a fechávamos na cara deles, depois de entrarmos. Alguns, mesmo assim, ultrapassavam essa barreira.
Nós vislumbrávamos que a foz do Rio Varzuga, que desagua no Mar Branco, seria algo bonito para se ver de cima. E como o nosso paramotor devia estar criando teias de aranha, pelo tempo que não havíamos mais voado, decidimos tirar um dia para isso – voar e fazer fotografia aérea.
E lá do alto, quando registrávamos em fotos o encontro do rio com o mar, o qual, de fato, era muito bonito, percebemos que dois pontinhos brancos apareciam esporadicamente a cerca de 100 metros mar adentro. Voamos mais perto para averiguar e constatamos, para nossa surpresa, que era um casal de baleias beluga (baleia branca) que provavelmente se alimentavam de crustáceos e pequenos peixes que saiam com a correnteza do rio. Nós já havíamos visto essas baleias – que habitam exclusivamente as águas do Ártico – no Alasca, mas de uma forma menos privilegiada.
As belugas nos deram tempo para pousar o paramotor para trocar as lentes da câmera e voltar para onde nadavam. Elas subiam para a superfície para respirar por cerca de três vezes seguidas e desapareciam por um ou dois minutos, enquanto mergulhavam para o fundo. Foi uma experiência muito especial, mas difícil de fotografar, pois além da câmera, haviam mais três elementos que requeriam as duas únicas mãos que haviam lá em cima: dois batoques (que dão a direção do paramotor) e o acelerador. E era preciso fazer curvas constantemente, para que o paramotor não passasse das baleias. Quando baixamos as fotos no computador, percebemos que a água deu uma coloração alaranjada para o branco dos cetáceos, conforme a profundidade que nadavam. Quanto mais profundo, mais alaranjado.
Voltamos pela mesma estrada que costeia o Mar Branco e no caminho acampamos num local a beira mar em que antigamente se explorava pedras ametistas. Diz-se ser comum, ainda nos dias de hoje, encontrar essas pedras preciosas de cor violeta, mas nós, infelizmente, não achamos nada muito especial.
De volta em Kandalaksha, dobramos para o Norte e fomos a Kirovsk. Esta cidade situa-se aos pés das montanhas Khibiny, uma região bonita e a meca da geologia. Segundo o museu local, o principal minério explorado é a apatite, mas há 600 outros tipos, sendo que 200 existem só ali. Outros números que tivemos conhecimento no museu é que na região há apenas 50 dias de sol por ano e que em 260 dias, dos 365, a temperatura é menor que zero graus. Mais curiosidades: na época da União Soviética foram testadas duas bombas atômicas nas montanhas Khibiny. Hoje não há radiação, sendo que nós, inclusive, estivemos no local dos testes. Mas na época, ninguém da cidade ficou sabendo do acontecido, muito menos do risco de contaminação.
Continuamos a viagem ao norte, agora sentido Revda. No caminho as cicatrizes gigantescas causadas na natureza nos mostravam um polo de mineração. Passamos por prédios antigos, que eram radares contra mísseis e outras tantas bases militares sem manutenção localizadas nesta península.
Nosso objetivo em Revda era de conhecermos outra cadeia montanhosa, a Lovozero. Chegamos na cidade a tarde e depois de fazer algumas compras, seguimos com nosso carro montanha acima. Quando estávamos a 500 metros de altitude, resolvemos acampar, então saímos para caminhar um pouco e aproveitar o pôr-do-sol. Mas quem disse que foi possível? Mesmo a essa altitude, mosquitos grandes passaram a nos comer vivos, por cima da roupa e com repelente. Não tinha jeito. Cada um carregava consigo uma nuvem de uns 20 ou 30 mosquitos, que não davam trégua. De onde eles vinham e do que sobreviviam naquele meio do nada, nós não fazemos ideia. Noutro dia caminhamos pela parte mais alta da montanha, fora do horário dos mosquitos, acompanhando um paredão de pedra muito alto. O visual foi sensacional, com a vastidão da Península de Kola a nossos pés.
Murmansk foi a última cidade que visitamos na Rússia e ela nos deu uma lição de história. Localizada a quase 69° de latitude Norte, está a 200km acima do Círculo Polar Ártico. Antes da Primeira Guerra Mundial, Murmansk era apenas uma aldeia de pescadores. Entre 1915 e 1916, devido ao corte das rotas russas do Mar Báltico e do Mar Negro, o governo se obrigou a construir esse porto e ligou-o por ferrovias a São Petersburgo, que situa-se a 1500 km de distância ao sul.
Apesar de situar-se a apenas doze quilômetros do Mar de Barents, o porto de Murmansk é o único porto do Ártico que não congela em nenhuma época do ano (Murmansk faz parte do circuito das correntes de água quente provenientes do Golfo do México). O porto exerceu um papel importantíssimo na Segunda Guerra Mundial, sendo o principal acesso de suprimentos enviados pelos ingleses e americanos. Mas devido a isso, também fora fortemente bombardeado pelos alemães.
Com Alexander e Irina, amigos de nosso amigo russo Konstantin, visitamos boa parte da cidade e tivemos um lugar para ficar. O monumento Aloysha, de um soldado no alto de uma montanha, talvez seja o marco principal da cidade, já que os monumentos nesse país só relembram as guerras. No porto conhecemos o navio NS Lenin, o primeiro quebra-gelo do mundo movido a energia nuclear.
E para terminar, as curiosidades que estiveram em nosso caminho até a Noruega: um bunker alemão, esconderijo subterrâneo da Segunda Guerra Mundial, já em território russo; vilas militares sem manutenção, uma delas chamada Sputnik; e por último, passamos na frente da vila militar Korsunovo (não fomos autorizados a entrar), onde morou Iuri Gagarin, o primeiro homem a viajar no espaço sideral, em 12 de abril de 1961. Gagarin deu a volta completa em órbita ao redor do planeta a bordo da Vostok I, espaçonave que tinha 4,4 metros de comprimento, 2,4 metros de diâmetro e pesava 4725 kg. Em órbita, a uma altura de 315 km, seu voo (sua volta ao mundo) durou 108 minutos, a uma velocidade aproximada de 28.000km/h.
Bom, nós já viajávamos 1086 dias nessa segunda volta ao mundo e ainda não havíamos completado a volta. É que nossa velocidade média era de apenas 5km/h.
Veja mais sobre esse trajeto:
Itinerário percorrido
Fotos