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Diário de Bordo 36 – China 2

(07/05/2016 a 25/05/2016)

Continuação Made in China

De Xi’an, dessa vez, foram 20 horas de trem até Jishou. E de lá mais algumas horas de ônibus para duas cidades bem distintas, Dehang e Fenghuang. Nessa pernada fomos longe para o sul do país em busca de algumas minorias étnicas interessantes, como os miao e dong, além de que a natureza começava a ficar mais montanhosa e verde. A China reconhece 56 grupos étnicos, dos quais o han, que é o mais comum, representa aproximadamente 90%. Mas os outros grupos, a exemplo dos miao, dependendo das regiões que residem, possuem subdivisões entre eles, então a diversidade do povo é muito maior. Os miao possuem a característica de usarem adornos de prata pelo corpo, riquíssimos em detalhes. Dehang é uma cidade pequena, situa-se num vale no encontro de dois rios. É linda por suas casas tradicionais de madeira e pontes em formato de meia lua. Seus arredores são montanhosos e com cachoeiras. Já Fenghuang é uma cidade grande, mas é incrível. Cresceu aos dois lados do rio Tuo e as casas antigas que ficam de frente para o rio estão suspensas muito precariamente sobre palafitas. É claro que por ser tão linda, se tornou turística, mas mesmo assim ela mantem seu charme. Nós caminhamos por todos os lados, vendo e fotografando tudo. Numa rua da cidade com restaurantes tradicionais, na frente de cada um ficavam os animais engaiolados, só esperando o freguês escolhe-los para irem para a mesa. Haviam até cobras. Ao lado das gaiolas, junto a porta de entrada, ficavam a tábua e a faca assassina colocadas ao chão. Essa é a China.

Ali acabou nosso desodorante. E quem disse que na China há desodorante pra comprar? Perguntamos em farmácias, mercados, mas sem chance. Depois descobrimos que os chineses não os usam. Mas tampouco eles tem cheiro ruim por não usar. Interessante. Outra coisa que nos fez falta foi café, já que este povo não tem costume de tomar café. Batemos a incrível marca de 17 dias sem essa bebida preciosa. Geralmente nas cidades maiores da China há hotéis, pousadas ou albergues que só chineses podem se hospedar. Existem os para estrangeiros, claro, mas esses são um pouco mais caros. O motivo não temos ideia qual seja, só sabemos que é imposto pelo governo e controlado pela polícia. Ah, outra coisa interessante: as crianças com idade de usar fraldas no Brasil, na China usam uma calça com um racho que vai da frente até atrás. Como não usam fraldas, ficam com as partes a mostra, ventilando. Parece ser refrescante. Nas regiões mais chuvosas, as motos possuem guarda-chuva.

Agora sobre fotos. Nós também não sabemos o porque, mas os chineses adoravam tirar foto de nós, conosco, ou ambos. Como todos possuem celular, alguns que não tinham coragem de nos pedir, fingiam que estavam vendo algo na tela com o celular apontado para nós e girando-o caso nós estivéssemos em movimento e fotografavam na cara dura. Quando tirávamos fotos junto com eles, o que está na moda é o símbolo de paz e amor, que todos fazem com as duas mãos e pousam como se fossem nossos melhores amigos. Teve um dia em Fenghuang que a Michelle se abaixou para tirar uma foto de um detalhe em madeira de uma torre muito antiga. Como vinham chineses pelos dois lados dela, quando olhamos, os chineses de ambos os lados estavam tirando foto dela. E depois, quando saímos da torre, eles foram lá, um de cada vez, tirar foto daquele detalhe em madeira que ela havia fotografado.

Pegamos mais um trem sentido o sul. Dessa vez chegamos tão ao sul do país que estávamos a aproximadamente 400km do Vietnã, em Liuzhou, onde tomamos mais um trem para Guillin. Nesta estação de trem vimos os banheiros mais bizarros de toda nossa viagem – eles não possuem porta, tem apenas uma parede baixa separando um do outro. Quando caminha-se para procurar uma vaga, vai passando e vendo todos agachados, na ativa. E mais, o lugar para se fazer as necessidades é apenas uma valeta revestida de alumínio, mas esta começa lá no primeiro banheiro, passa por todos e sai para descarga. De tempo em tempo a água é despejada, levando o que estiver no caminho. Se você for sortudo, verá passar na sua parte da valeta tudo o que os outros fizeram do seu banheiro para cima. Realidades da China!

De Guillin fomos de ônibus para duas localidades que tínhamos interesse em conhecer na região. A primeira era nas montanhas chamadas Dragon’s Backbone Rice Terraces, ou em português, Terraços de Arroz da Coluna Vertebral do Dragão. A coluna vertebral no nome dessas montanhas é para enfatizar a forma com que são feitos os terraços para plantação de arroz pelo povo local. Uma obra de engenharia incrível, que foi feita em sua maioria há 650 anos atrás, mas utilizada até hoje. Foram escavados nas encostas das montanhas degraus (fechados com terra em suas extremidades), que são interligados entre eles por valetas. Como as montanhas possuem nascentes de água, quando a água é conduzida para o primeiro degrau lá do alto, depois de enche-lo d’água, essa passará a encher o segundo, o terceiro, o quarto, e assim por diante, até encher os milhões de degraus da encosta da montanha toda, para que o arroz possa crescer.

Nós escolhemos a vila Dazhai para explorar as montanhas e por alguns dias subimos e descemos os terraços para ver aquela maravilha de diferentes ângulos. Foram horas de caminhadas em grandes desníveis. Na época que estávamos lá (metade de maio) parte dos terraços já estavam com água, mas muitos ainda estavam sendo trabalhados, fechadas suas extremidades, para que em seguida pudessem receber a água. Os que já estavam com água ficavam prateados pelo reflexo quando vistos lá do alto.

O segundo lugar imperdível é o cenário impresso nas notas de 20 Yuan das cidades Yangshuo e Xingping. Ao longo do Rio Li e seus afluentes, a paisagem que reflete neles é a de milhares de mini-montanhas de calcário cobertas de mata, que são o paraíso dos escaladores. É ali, também, que pescadores em barcos de bambu usavam pássaros mergulhões para pescar. Para evitar que eles engolissem o peixe, seus pescoços eram amarrados, mantendo apenas o orifício para respirarem. Infelizmente essa prática nos tempos atuais é somente para turista ver. Para os mergulhões, ao contrário, é uma felicidade poder pescar seus peixes sem precisarem trabalhar como escravos para os pescadores.

Esta é uma região de tirar o chapéu por sua beleza. Num dia alugamos duas bicicletas para pedalar ao longo do rio Yulong e noutro alugamos uma motinha para fazer um circuito maior, passando por Xingping e arredores. De um jeito ou de outro, o cenário eram as lindas e verdes montanhas que pareciam brotar por todos os lados.

Nossa última viagem de trem foi de Guillin para Beijing, a capital da China. Fomos do sul ao noroeste e a viagem durou 19 horas. Sorte que em Beijing tínhamos alguém nos esperando na estação de trem. Era o Wu Yu, um chinês muito gente fina que conhecemos em nossa passagem pela Rússia.

E conhecer um lugar junto a um cidadão local, é muito diferente. Tem-se a oportunidade de se aproximar muito mais da cultura e das pessoas, bem como aprender sobre seus costumes e tradições. Se tem uma coisa que o Wu Yu nos ensinou sobre a China foi no quesito culinária. A exemplo do Pato de Pequim, um dos pratos mais tradicionais da cidade. Nós estávamos em quatro, pois uma amiga do Wu Yo chamada Jiangli veio almoçar conosco. Foi ela que pediu os pratos e de tantos, quase não couberam na mesa. O pato foi servido de diferentes formas: só a pele a pururuca (comida com açúcar cristal), só a carne e a carne mais pele, tudo cortado bem fininho. Enrolávamos o pato com vegetais dentro de uma panqueca fina de trigo e adicionávamos um molho adocicado muito gostoso. Comemos fígado de pato, pasta de tofu, sopa de tofu com pato e tofu refogado. E também um prato de berinjela refogada, que ninguém sabe melhor preparar que os chineses. Era comida para um batalhão! Puxa, quanto nós comemos no tempo que ficamos em Beijing e mesmo sendo estranhas e exóticas as comidas, estavam todas deliciosas. Quando pensamos, hoje, no que comemos, alguns pratos dão um pouco de dor na consciência, mas pelo menos cumprimos com nosso objetivo inicial, que era experimentar as comidas mais exóticas da China.

Beijing é uma cidade grande e moderna, com ruas largas, ótimo sistema de metrô, arranha-céus, mas ao mesmo tempo ela mostra a história de anos, que ficou preservada nas ruelas, praças, palácios, jardins, templos e muralha. É o centro político, cultural e educacional do país. Junto com nosso amigo chinês, primeiro demos uma espiada na praça olímpica onde aconteceram os Jogos Olímpicos de 2012. Caminhamos na praça Tian´anmen, a maior praça pública do mundo que está rodeada por prédios soviéticos dos anos 50. Ao norte da praça, no Portão do Paraíso da Paz é que encontra-se a famosa imagem de Mao Zedong, marcando o local onde ele proclamou a República Popular da China no ano de 1949. É bastante imponente este lugar, a praça também, mesmo que naquele imenso quadrado de concreto não haja um banco sequer para sentar.

Mas nós ganhamos o dia quando fomos caminhar na Muralha da China. Isso sim valeu a pena. Novamente com Wu Yu, nos deslocamos em torno de 140km de Beijing e a visitamos em duas partes distintas, oeste e leste da cidade de Gubeikou. Escolhemos Gubeikou por indicação de duas amigas da Holanda, que disseram ser um lugar maravilhoso e que quase não havia turistas. Nem Wu Yu conhecia esta parte do muro e, aparentemente, saiu tão encantado quanto nós. O lado oeste nem precisava pagar entrada e olha que isso é uma raridade na China, pois para quase tudo se paga entrada (e não são baratas). Subimos alto na montanha seguindo o muro não restaurado, que em partes estava quase intacto. O incrível da Muralha da China é que quem a construiu escolheu as partes mais altas das montanhas e criou, de certa forma, uma muralha do homem em cima de uma muralha da natureza. É simplesmente maravilhoso. Desta parte do muro, adiante da cidade de Gubeikou, víamos a linha da muralha do lado leste da cidade, aquela que iríamos caminhar em seguida e era incrível vê-la de longe contornando a região montanhosa e arborizada e desaparecendo na imensidão. Para o lado leste nós tivemos que pagar, mas pagaríamos de novo e de novo, de tanto que valeu a pena. Mais do que palavras, nossas fotos de um post que já havíamos postado da China expressa essa beleza construída pelo homem.

A Muralha da China, conhecida também como a Grande Muralha é, sem dúvida alguma, a maior obra de engenharia chinesa e uma das maiores do mundo. Não é para menos, já que é a única possível de ser vista do espaço. Sua construção teve início há mais de 2.200 anos atrás, quando a China foi unificada pelo imperador Qin Shi Huang, o mesmo que ordenou a construção dos soldados de terracota para proteção de seu tumulo. O esforço requereu centenas de milhares de homens, mesmo que não fora construída do zero. Qin, na verdade, ordenou a unificação ou a interligação de varias muralhas que já existiam de dinastias anteriores. E a obra não parou em seu reinado. Continuou nas dinastias posteriores e teve seu esplendor na dinastia Ming, no século 15. Ao longo desses anos a Grande Muralha usou aproximadamente 100.000.000 de toneladas de pedras, tijolos e barro. E contando todas as suas ramificações, bem como as partes que hoje já não existem mais, a muralha alcança o comprimento de mais de 21 mil quilômetros. Não tem como não ser uma das sete maravilhas do mundo moderno.

Mas o que é bom dura pouco. Chegou o dia que tivemos que ir ao aeroporto, pois era hora de voltarmos para a Mongólia. Mas para nossa surpresa, nosso voo foi adiado para o próximo dia. Pelo atraso ganhamos uma diária com todas refeições num hotel muito bom próximo ao aeroporto. Nesse tempo pudemos descansar e tentar assimilar tudo o que vimos neste país encantador. O duro é que, com tudo o que vimos e experimentamos, mesmo assim não vimos quase nada, de tão diverso que é esse país.

Para fechar, mais algumas curiosidades: o chinês tem muita dificuldade de pronunciar o “R”. Ele substitui “R” pelo “L”, sendo que escutávamos constantemente Loy (Roy), Felali (Ferrari), Lais (Rice, arroz em inglês), Lio (de Rio de Janeiro), etc… Tudo indica que o Cebolinha da Turma da Mônica era da China. Olho puxado ele tinha… Outra curiosidade é quando se está em um restaurante, é educado servir seu companheiro e quando alguém vai servi-lo, tente rapidamente pegar o prato e diga “deixa que eu sirvo” por umas três vezes, aí pode se deixar ser servido. Ao brindar, para dar mais valor e importância a pessoa com quem se está brindando, tente sempre brindar seu copo abaixo do copo da outra pessoa, apesar que ela também vai tentar fazer isso. E quando já se tomaram alguns copos, como aconteceu na companhia do Wu Yu, vira brincadeira e a tentativa de colocar o copo por baixo do outro vai até o limite do chão.

A China é animal!

 

Para mais detalhes sobre esse trajeto, acesse os posts:

 

Itinerário percorrido

Itinerário China 2

Fotos

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